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Conheça o trabalho de resistência cultural realizado em Itariry

Por Rogério Ramos para o Portal Baixada de Fato.

Tida como o Portal do Vale,  Itariry fica localizada entre o Vale do Ribeira e o Litoral Sul Paulista, incrustada em plena Serra do Mar bem no meio do que resta da nossa querida Mata Atlântica.  Rodeada por rios e cachoeiras, fato que possibilita a pratica de esportes de aventura em suas corredeiras e trilhas, o que atrai muitos visitantes a cidade.

Hoje Itariry estima ter aproximadamente cerca de 17.000 habitantes. A cidade é referência de cultura popular e símbolo de resistência das nossas raízes e tradições ribeirinhas, caipira e cabloca. Em conversa com a diretora de cultura da cidade, Nancy Ezidio, ela nos explicou como é fazer em uma cidade pequena e com pouca verba um agito cultural atuante no ano inteiro.

 

Foto: Nancy Ezidio

 

Confira a seguir a nossa conversa especial:

BF – Nancy nos conte um pouco sobre você. Há quanto tempo você esta a frente da Casa de Cultura de Itariri?

Nancy Ezidio: Na realidade eu fui convidada a assumir a Coordenação de Cultura no final de 1999. Onde o Departamento de Cultura era vinculado à Educação, onde você tem que cavar pontos, momentos e locais para se poder iniciar um trabalho na cidade. E nisso já se foi praticamente uns 20 anos. Mas no começo desta jornada fiquei quatro anos fora da minha cidade e então quando retornei já tinham transformado a cultura em departamento individual e foi aí que me tornei diretora deste espaço. Mas é cavando, cavando, cavando e sempre lutando para ajudar a população, foi quando nos conseguimos esta casa de cultura e ela continuou com o total apoio da nova gestão.

BF – então nos fale agora como tem sido o seu trabalho aqui na casa de cultura? O que você tem feito?

Nancy Ezidio: A casa de Cultura tem tido muitas parcerias. Se não fosse as parcerias ela não acontece. Nós temos como parceiros a Associação dos Artistas da Baixada Santista com Arnaldo Catalã na frente deste trabalho parceiro, em desde o inicio desta caminhada.  Temos o Ricardo Vasconcelos com o “CURTA SANTOS” intinerante em itariri, temos o pessoal da Vila do Teatro de Santos, temos de Praia Grande a parceria com a Cia Histórias Brincantes, temos o pessoal de Mongaguá com a Cia Café Teatral, temos de Peruibe a Cia Pé de Ator e a Cia Pé de Gente que migraram para Itariri e hoje estão aqui com a gente.

 

foto: Mostra de Teatro da CIA de Fábrica

E fora nossos fortes parceiros do litoral norte do Estado de São Paulo onde que através da Cia Fábrica São Paulo com a pessoa de Roberto Rosa que tem fortalecido bastante o trabalho aqui na casa de cultura, trazendo grupos de outros cantos do nosso estado com grupos de Bertioga, Ribeirão Preto e Suzano que estão sempre aqui com a gente para esse movimento teatral.  Mas fora isso nós temos companhias de dança, academias da Baixada que estão sempre presente. Artistas plásticos do Vale do Ribeira. Cananéia é muito forte na questão do fandango e do jongo, onde também temos projetos de parceria para trazer para a cidade de Itariri a fim de que as crianças conheçam essa questão da história do povo caiçara e quilombola. O quilombo é muito forte também e estamos buscando vários parceiros pro ano que vem.

 

BF- Têm Quilombo aqui por perto também?

Nancy Ezidio: Nós temos em Juquiá, temos em Iguape, temos em Eldorado, em Ipiranga e em Cananéia. Em Itariri o forte mesmo são as aldeias indígenas, onde temos duas, uma em Ana Dias (Distrito de Itariri) que é a do Capoeirão e a outra fica no Bairro do Araribá a Aldeia do Rio do Azeite, á 13 km do centro da cidade.

BF: Agora nos fale um pouco sobre o seu trabalho com a Cultura Popular.

Nancy Ezidio: A minha paixão é cultura popular. Sou formada em História. Primeiro como Pedagoga e depois História, aí a gente não pode parar e vai buscando e vai se apaixonando. Corri atrás de me especializar na área do folclore que foi na cidade de Joanópolis/SP. Foram dois anos de vivência e estudos e a partir dai eu fui nessa militância buscando e descobrindo que a sua cidade é muito mais que cachoeiras e cascatas e que existe uma memória, uma identidade em sua cidade. Então nós temos aqui na cidade de Itariri a Viola, a Fé de um povo a São Benedito que veio aí com os primeiros moradores.

BF: E quais são os primeiros moradores da cidade? como surge essa história com a viola?

Itariry se inicia com os portugueses, com os espanhóis e com os italianos. E mais tarde se completa com os Okinawanos. Chegaram com a construção da via férrea, mas os nossos primeiros que aqui chegaram, que eu falo que foram os visitantes que chegaram e se apaixonaram pela terras aqui que era fértil são os portugueses, os espanhóis e os italianos. Muitos passaram, mas poucos ficaram. Na musicalização tradicional os Violeiros dominam, que é tradição muito forte aqui, passando de geração em geração. Temos a Congada de São Benedito que acontece todo o mês de outubro, que é a tradicional  cavalgada com uma paradinha para a reza e ao café caipira e a moda de viola com Estandarte e tudo mais. E tem a minha paixão que são os foliões de Santo Antonio, que é do tradicional bairro da igrejinha, que tem a capelinha que é acolhedora e que nasceu com um Imigrante italiano “Vitorino Malaquias”. Alias foi o único que veio e ficou. Os demais dos italianos passaram e continuaram a subir o vale. Mas ele ficou e se estendeu com a família dele aqui e construiu esse bairro tradicional, o Bairro da Igrejinha, devido à capelinha de Santo Antonio que é uma igrejinha.

Tem também essa questão dos “Seres Encantados” aqui em Itariri né, por isso que fazemos a Festa do Saci devido à grande presença da memória do povo através das rodas de conversa dos causos das peraltices do Saci. E para fortalecer essa patrimônio imaterial através da identidade local acabamos criando a Festa do Saci onde tentamos aproximar  a essas novas gerações e onde, fortalecemos atravês de “Concursos literários” e incentivamos aos pequenos e jovens que através de uma conversa com os avós eles podem descobrir um mundo divertido e trazendo tambem através da memória oral situações realmente de aventuras do Saci na cidade e mantendo assim viva a nossa Identidade local.

BF: E o pessoal jura de mãos juntas que é verdade?

Nancy Ezidio: Sim eu Juro que eu vi. (Risos)

BF: E os Anarriê? Nos conte um pouco mais sobre isso.

Nancy Ezidio: Annariê é o Festival de dança de Quadrilhas. Bom, na realidade a quadrilha eu acho que todas as cidades têm né, tradição. Aqui nós tínhamos uma senhora chamada de Dona Mariazinha Franco, a qual eu aprendi muito com ela. Tudo o que eu queria saber eu buscava muito a ela, que foi uma pioneira aqui nessa questão cultural, então teatro era ela que organizava as apresentações. A capela de São Benedito ele teve grande marco de contribuição. E as quadrilhas era ela quem ensaiava bem nos primordios. Eram quermesses grandiosas que aconteciam no centro da cidade que eu me lembro desde pequena, pois eu estava sempre presente. Só que isso foi se perdendo e depois se acabou. E a gente foi relutando para trazer isso de volta. Então aí foi criado o festival Anarriê que é essa cultura popular, eu acho que é uma das festas mais bonitas do povo brasileiro. Eu acho que o anarriê e uma das manifestações mais ricas culturalmente ao invés do carnaval. Eu sou muito a favor das Festas Juninas…elas falam por si só em qualquer lugar. atravês de suas banderinhas. Sem cortar que é uma festa que ao chegar no Brasil com a Corte Imperial se tornou uma festa totalmente típica e rural, aproveitando os nossos elementos culinário da roça e a musicalidade na simplicidade do nosso povo.

Foto: Festival “ANARRIE” de Danças de Quadrilhas

 

BF: Explique melhor essa expressão Anarriê?

Nancy Ezidio: Anarriê é uma expressão francesa. As quadrilhas vieram da França. Ela na verdade chegou a Portugal com a invasão de Napoleão Bonaparte, então as quadrilhas vêm dos bailes das cortes francesas. Se você parar para prestar atenção no bailado, em alguns movimentos, são iguais aos bailes da corte. Com figurino de príncipes e princesas e toda essa coisa da nobreza. E o Anarriê quer dizer o que?  voltar todos pra seus lugares nos movimentos da dança de quadrilha. É uma expressão francesa, então tinha que criar uma coisa fácil e que fixasse na cabeça das pessoas. “Alavantum “não era legal. Na verdade “Alavantum” e “Anarriê” são palavras que são ditas na hora da formação da dança da quadrilha tradicional. São as chamadas. Eu acho que Anarriê foi que soou legal e ficou. Vamos fazer o festival Anarriê, aí nós batizamos e a coisa pegou. O festival acontece todo o ano aqui no centro da cidade sempre nos meses de junho e julho. Dependendo da disponibilidade dos grupos.

BF: Agora nos situe um pouco geograficamente sobre Itariri, onde ela esta localizada é Vale do Ribeira ou Baixada Santista?

Nancy Ezidio: Na realidade uns me falam uma coisa e outros me falam outras coisas. Eu sempre brinco que eu tiro proveito dos dois lados, desde que me provem ao contrário. A Baixada eu tenho  o pessoal na questão artística que é muito forte, que me ajudam pra caramba e eu só tenho a agradecer. E o Vale é muito forte nessa questão de tradição. Então eu tenho conhecimento e sabedoria dos dois lados. E hoje mesmo eu estava falando na cidade de Pedro de Toledo essa questão dos jovens começarem entender que a gente tem que se unir e brigar, tanto os jovens de Itariri e Pedro de Toledo para estas cidades não serem esquecidas. Porque é impressionante, veja só por exemplo, Circuito Cultural Paulista do governo só vem até Miracatu, que fica na BR. Eu sempre brinco que parece que o Vale do Ribeira começa em Miracatu porque é BR. Então aqui esta a BR e Itariri e Pedro de Toeldo esta aqui descendo na estradinha que liga na Baixada. Então nós somos as duas únicas cidades, juntas, que fazem aniversário no mesmo dia. Na realidade, eu até falei com os jovens que temos que parar com isso pois não tem nenhuma cidade melhor que a outra, estamos na mesma situação, a realidade é a mesma e precisamos nos unir para mostrar que Itariri e Pedro de Toledo existem. Porque aí tudo acontece lá (no vale do Ribeira até Miracatu) e depois pula nossas cidades e recomeça em Peruíbe. E não enxergam a gente. Então a gente esta assim, meio isolado mesmo. Aí uns dizem pra mim que o 46 não sei quanto a baixada nos aceitou, mas não sei quanto diz que nós somos do Vale. Hoje, geograficamente nós seriamos a primeira cidade do Vale do Ribeira. Itariri, o portal do vale. Mas é o que eu falo, por questão de logística é muito fácil eu ter acesso ao público da baixada, de parceiros, do que do Vale. É questão de logística. Porque eu to aqui e logo já to em Peruíbe, depois já to em Itanhaém, logo chego a Santos, pela estrada chego rapidinho vou e volto, resolvo, converso. A logística é muito mais fácil. Mas as duas cidades estão isoladas, o cenário é o mesmo. Nem se percebe que saiu da Região Metropolitana quando chega em itariri.

 

BF: Nos fale um pouco da sua agenda cultural, o que ocorre em cada mês?

Nancy Ezidio: Então, agora em dezembro rola a Ciranda Natalina onde a gente valoriza muito a questão do Pastoril. Que é uma coisa que eu ainda não consegui concretizar de fato pois tem muito ainda que fazer nesta questão do Pastoril  aqui na cidade, mas ainda eu vou fortalecer. Então a gente trabalha muito essa questão do Pastoril e o nascimento do menino Jesus. São Francisco de Assis que foi o idealizador do Presepio. Então esses elementos aí que fazem parte do nosso pastoril. No mês de novembro tem os términos da oficinas.  As oficinas que são aquela loucura, aquela coisa bem cansativa. Porque temos que captar e concientizar jovens que as oficinas acontecem, que tem ótimos profissionais que a ARTE E CULTURA são elementos também importantes na formação das pessoas, de cidadãos e que ao vivenciar estas oficinas ele será um cidadão diferente perante a sociedade que ele vive. Todas as oficinas são gratuitas mas  mesmo assim temos que insistir na participação.”Resistência” todo o tempo.

foto: Projeto ARTE na Praça

Agora indo pra janeiro de 2019  já iniciamos a busca de novos parceiros e se os antigos vão renovar suas parcerias e solidariedade com a Casa da Cultura. Em Abril tem as festividades do aniversário da cidade. Então sempre implantamos alguma atividade voltada a apresentações teatrais. Ainda durante as comemorações agora nos mês de  abril nós fazemos o “Festival Vem pra Dança” onde a convite da Casa da Cultura vários grupos de dança independente do ritmo chegam para se apresentar aqui na cidade na praça do coreto.

Em maio trabalhamos exposições afim de fortalecer os artistas locais mesmo. Em Junho começamos a nos preparar para o Festival de Dança Anarriê.

Foto: FESFOL – Festa Folclórica de Itariry

Em setembro nós temos o Festival folclórico de Itariry (FESFOL). Que já vai pra 16 anos de realização com grupos de todo Estado de São Paulo. Não temos estrutura para receber todos os grupos, mas se da um jeito. Em outubro começamos a preparar a Festa do Saci. As rodas de causo que realizamos que   fazemos com o público da melhor idade. Que é uma coisa assim mais eles, com viola, cantoria, contação de histórias. Aí depois a gente faz as brincadeiras com as crianças que são o nosso carro chefe. Em Novembro tem o FESTY (Festival de Teatro de Itariry) que já ocorre a 7anos. Ela não tem uma data específica mas acontece neste mês conforme a disponibilidade da agenda dos grupos parceiros. E fora isso temos as oficinas espontâneas e as fixas da casa, que são todos parceiros voluntários. Temos o Projeto Guri aqui,  Ademar Guerra que manda técnicos para ajudar a lapidar os grupos locais onde vão participando de reuniões para irem aprfiçoando o grupo, temos o MIS que é o Museu da imagem e do Som, que é uma O.S. do governo onde uma vez por mês eles mandam workshops e oficinas ligadas a cinema e fotografia. A última que aconteceu aqui foi de construção de figurinos a pedido dos grupos de teatro da cidade. Onde eles mandam os profissionais também, não tendo custo nenhum para a cidade. A gente tem essa louvável ajuda das O.S.´s . E tem a Poiesis que nos manda Workshops e Oficinas de 6, 8 horas. Tivemos uma agora de tambores. Então temos estas oficinas do governo e temos também a de voluntários que sempre ocorre aqui na casa de Cultura de Itariri. Toda segunda ocorre a oficina de dança teatro para crianças de 6 a 8 anos  com a Michele Nunes de Peruíbe que vem se doando a dois anos para dar a oficina, assim como o Alexandre Andrade da Cia Pé de ator também de Peruíbe que desenvolve a Contação de História e nos da workshops na área teatral. E são grande parceiros. Semana passada recebemos no grafite Xall Len que se dispos a colaborar com sua Arte aqui na Casa da Cultura. Tem também a galera que trabalha com danças urbanas e tem parceiros sempre chegando. E com isso vai fortalecendo o fazer artístico na cidade. A criançada já vem crescendo com todas essas informações. Nós temos uma orquestra de Flauta doce “ Hugo Zanella “que acontece todo sábado. Nossa orquestra é formada por crianças de 6, 7, 8 e 9 anos ate 14 . Uma nova geração que vem chegando ai com a cultura forte.

foto: Orquestra de Flauta Doce “Hugo Zanella”

 

BF: E de onde veio essa vontade de ir contra a maré, porque na tendência das coisas seria natural a gente se entregar e dizer: Ta bom, eu vou esperar. O que fez você se mover neste sentido, porque nenhuma outra secretaria de cultura da baixada tem atividades tão intensas quanto a de Itariry, uma cidade pequena e com pouca verba para a realização anual das atividades. O que te impulsiona?

Nancy Ezidio: Primeiro que eu me descobri através da arte e cultura. Eu sempre fui uma pessoa muito fechada, muito reservada. E ainda sou, quetona, no meu canto. Mas aí eu descobri que a comunicação era um poder que eu tinha. Esse poder de comunicação de ir e vir. Conseguir algo para a cidade e poder trazer e oferece coisas ou momentos que muitos da minha cidade não teriam acesso me fez bem como ser humano. E você vai descobrindo e vai vendo que a arte faz a diferença na vida de muitas pessoas. Temos depoimentos de mães que chegam aqui na casa da cultura e agradecem ao trabalho e aos profissionais que se doam. Acontece uma transformação na casa delas. A filha que era  muito tímida e não se socializava. O filho que era isso, que era muito agitado e de repente a flauta deu uma disciplina.Foi aí que percebi que a Arte e Cultura faz a diferença é que não nada, como muitos tem este olhar e um trabalho de formação de transformação a cada dia um degrau novo alcançado. Então realmente a arte e a cultura transformam, ela faz uma diferença. E a gente acaba acreditando.rsss, E continua nesta resistência nessa luta porque eu sei que por alguns minutos, por algumas horas, nesse momento cultural que a gente vive, nessas questões na casa da cultura ou fora da casa de cultura conseguimos unir pessoas, classes sociais, ta tudo ali com um único objetivo: família, transformação. Então arte e cultura transforma sim. Aproxima também a família nesses momentos artísticos. Momento esse é quando a gente faz saraus aqui na casa da cultura e as famílias vem em peso, isso aqui lota.

E para encerrar nossa conversa quem quiser entrar em contato e bater um papo sobre esse trabalho lindo acessem a pagina pessoal da Nancy Ezidio no facebook.

 

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