Colunistas Márcia Simões Lopes

Ancestralidade

Por Márcia Simões Lopes
Tudo posso naquele que me fortalece

Lia, o amoroso texto da liderança feminina indígena, Guarani, sentindo-se agradecida pelo resgate de antigas tradições do seu povo, e por sentir-se acolhida e fortalecida junto aos seus ancestrais. E isso me fez refletir, mais uma vez e cada vez mais, sobre a situação do cidadão civilizado, não indígena – o cidadão avulso – que sequer imagina sua condição de pessoa separada do território ancestral, das tradições antigas, ancestrais, vivendo, como avulso, no planeta.

E é por isso que o cidadão, em nossa civilização ocidental – não indígena – com frequência carrega a sensação, de apartado, de rejeitado e de abandonado. Porque de fato, a civilização surgiu a partir das intervenções, das guerras, das separações e do abandono de um pelo outro. Com constância, o cidadão civilização tem a necessidade de estar com alguém. Como se o outro pudesse preencher a constante sensação de vazio, que remove suas entranhas; como se a incompletude que sente pudesse encontrar no aconchego de outrem, o que supostamente lhe falta. Não é coincidência, que a ampla maioria das pessoas sentem-se sós. A solidão é uma endemia em nosso mundo civilizado. Igualmente, a maioria das pessoas possuem, continuamente, o movimento pela busca de respostas às perguntas que o cidadão civilizado, ainda desconhece; tal o alto nível de dormência da mente a respeito de si mesmo.

Quando olho para a condição de “avulso” que a sociedade civilizada transformou o ser humano, sem uma comunidade para caminhar junto, sem referência de valores harmoniosos, sem a incorporação do conhecimento ancestral no modo de viver e em suas crenças, sem consciência da sua condição espiritual emanada do saber antigo, então vejo, quanta estrada ainda temos pela frente, para efetivamente acessarmos respostas às perguntas: quem sou eu? O que estou fazendo aqui? de onde eu venho?

A partir do momento que a pessoa desperta para a verdade de quem ela é, de que pertence a um sistema familiar antigo, cujos saberes na terra estão interligados à cosmologia daquele povo à qual ela é parte, e que, independentemente da memória adormecida ela possui raízes ancestrais, carrega legados dos antepassados tais como, conhecimentos, crenças, dons e talentos, ela então tem a chance de despertar tudo isso nela. Podendo a partir desse despertar, realizar o caminho de volta para Casa!

São os povos originários destas terras os verdadeiros passadores do conhecimento antigo. E eles podem nos auxiliar no caminho de volta para Casa. Porém, não adianta a pessoa ter essa visão e copiar o comportamento nativo. Agregando movimentos de determinada tradição à vida dela, sem que tenha experienciado o caminho daquela tradição. Isso não a trará de volta às próprias raízes, tampouco a colocará em seu próprio caminho de conhecimentos e aprendizados. E é esse o motivo do despertar da memória antiga: voltar para Casa!

No geral, os estudos da Psicologia falam dos abandonos e dos medos do Homem moderno. Carl Jung quando expõe sua percepção do “inconsciente coletivo” está dizendo daquilo que os Povos Maia chamam de “eu sou o outro você”; está se referindo ao conhecimento nativo compartilhado entre os anciões e passado de geração em geração, que diz, da Grande Teia da vida onde todos os seres vivos visíveis ou não estão ligados e conectados. Por anos, Bert Hellinger conviveu com o Povo Zulu, nativos da África do Sul e lá aprendeu o sistema de cura desse povo, através do que passou a chamar-se “constelação familiar”. Esse sistema fala, que quando curamos um familiar, no momento presente, estamos curando os antepassados e as próximas gerações. Esse mesmo saber é ensinado pelos nativos da Ilha da Tartaruga – atual América do Norte – que dizem: quando nos curamos agora estamos curando sete gerações para trás e sete gerações à frente. Hellinger, sabiamente trouxe esse conhecimento à chamada civilização, criando uma didática e adaptando-a às necessidades do cidadão civilizado. Joseph Campbel estudou os mitos e seus significados baseados nos conhecimentos ancestrais. Cerca de trinta anos atrás, cientistas e estudiosos da Física quântica se dividiram na academia científica porque adotaram a tese de que o Universo é autoconciente; Universo Autoconsciente é o título do livro de Amit Goswami, físico indiano da ciência quântica, professor na universidade de Oregon, USA um dos porta vozes desse setor da física, que admite a existência de uma Consciência, regendo o universo. Mas os antigos anciões já sabiam disso! E chamam de Grande Mistério, Grande Espírito, aquilo que os físicos da quântica chamam de Consciência.

O conhecimento sobre o princípio do mundo, da terra e do céu, compartilhado pelos estudiosos da nossa civilização, parte, do conhecimento dos povos antigos.

Tudo posso naquele que me fortalece é um modo de viver, anterior à utilização desse saber, pela igreja católica. Os antigos sabiam, que dentro da Roda da Vida, os que partiram para o lado de lá do acampamento, ou seja, os que deixaram o manto humano e voltaram à condição de espírito continuavam caminhando dentro da Roda da Vida, igual todos os seres vivos que habitam o planeta. Entende-se por ancestrais, não somente aqueles que temos laços de sangue, humanos, mas também os seres vivos dos reinos, mineral, vegetal e animal. A consciência de unidade e pertencimento dos povos antigos sustenta a fé, que os mantém resilientes às perseguições e injustiças cometidas pelo colonizador, atualmente e desde a invasão destes territórios em 1500.

Fé é uma condição do Pertencimento. Quando acessamos nossa essência divina – a luz que somos – mais iluminados e mais espiritualmente presentes estamos na jornada do conhecimento. E dessa forma, vibramos na ancestralidade que nos acompanha e guia, nosso caminhar. Fé e Pertencimento são energias intrínsecas. “Tudo posso naquele que me fortalece” é uma ciência dos povos antigos envolvendo os filhos da terra, os espíritos e o Grande Mistério que habita em nós e em todas as partes do universo. A separação e a transformação desse saber, em religião, atribuindo poder a um único Deus trazido pelos jesuítas, foi invenção da civilização. É uma invenção do colonizador e não uma condição natural, da Vida.

O que importa, realmente, é observar: quem é você? Quais são suas raízes? Quais são seus talentos ancestrais? Quem são seus antepassados? Ao que você está ligado? São perguntas que podem lhe aproximar de quem você verdadeiramente é. Para conhecer-se; permitindo que sua essência lhe guie pelo caminho do coração. Acessando o que é do seu aprendizado, neste planeta.

Jamie Sams, escritora da tradição Seneca, nativa da Ilha da Tartaruga (atual América do Norte) diz: O lar é alí onde mora o coração!

Tempo de despertar a memória antiga, dar adeus à mentalidade do avulso e abrir-se à escuta das suas raízes ancestrais, adormecidas em você. Permita que o saber e a força ancestral lhe guiem, de volta ao Lar!

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