Colunistas Márcia Simões Lopes

Carta Aberta da Nação Guaraní Yynn Moroti Whera: aos indígenas e não indígenas!

Por Márcia Simões Lopes.

Foto: Opy (Casa de Rezo) Yynn Moroti Whera
Lançada no dia 04 de fevereiro de 2018, na aldeia de Biguaçu, Santa Catarina “Carta Aberta da Nação Guarani Yynn Moroti Whera” comunicando a visão desse povo a respeito de indígenas e não indígenas realizarem cerimônias sagradas e outros trabalhos supostamente curadores, sem qualificação e autorização para tal.

Observando esse movimento ocorrendo há tempos, a liderança da aldeia através do cacique Hyral manifestou, publicamente, suas observações e reflexões a respeito da questão, com o propósito de
nortear os rumos da conversa, jogando luz onde é preciso enxergar, aconselhando e apontando as normas da aldeia, para que situações como essa não se reproduzam.

Em tempo de clareza, como é este em que estamos vivendo agora, o perigo está em colar na sombra alheia e deixar a própria luz para trás. O momento traz muita riqueza para novos conhecimentos e
aprendizados. Saber enxergar o momento, com clareza, é uma benção.

Porém, não basta enxergar. É preciso saber o que fazer com aquilo que enxerga.

Nessa direção, a Nação Guarani surge como seta, apontando a direção para onde enxergar, transformando em conhecimento e sabedoria, aquilo que vê.

Muito tem se falado embora não claramente mas apenas como resmungo, sobre indígenas e não indígenas se utilizando de saberes adquiridos em cerimônias sagradas e com lideranças do caminho, repassando esses saberes e realizando as cerimônias, sem autorização de lideranças reconhecidas para esse propósito.

O cacique explica, que cada liderança do seu povo foi comprovadamente testada, do ponto de vista espiritual primeiramente e também do ponto de vista da própria humanidade. Segundo Hyral, toda liderança espiritual deve estar curada das próprias feridas e esclarecida dos seus aspectos sombrios, para poder se reconhecer em seu semelhante e auxiliá-lo.

Além desse quesito – vou colocar assim – o cacique fala das etapas que cada liderança passa, para receber a aprovação dos mais velhos e obter autorização para realizar cerimônias sagradas, milenares, tais como “Cerimônias de Plantas de Poder” com medicinas como a Ayahuasca, Wachuma ou São Pedro como também é conhecida, como o Tabaco, “Cerimônia de Busca da Visão” “Cerimônia de Tenda do Suor – ou Temascal” entre outras.

Não é somente no conhecimento milenar das plantas e do espírito, que a medicina nativa se difere da medicina chamada ocidental. São, também, as práticas nativas, ferramentas de cura à saúde do
ser humano.

Para se ter uma idéia, a “Busca da Visão” é uma prática nativa de cura em que o buscador é colocado, por uma liderança autorizada para isso, na floresta, sozinho, sem água e sem alimento, em jejum
e alimentando-se somente do espírito, preparando para receber a sua visão – aquilo que é do seu caminho enxergar e saber, nesta vida terrena. O período de isolamento na mata são de quatro, sete, nove e treze dias.

Rezo é, o poder da palavra em comunhão com o Grande Mistério. A ancestralidade está na condução dos trabalhos, em toda cerimônia nativa.

A movimentação da liderança da aldeia, com a publicação da Carta Aberta, vem para proteger todo aquele que surge em busca de auxílio. Para que a pessoa seja atendida em suas necessidades e curada.

Já disse o psicanalista Carl G. Jung “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana.”.

A cura, para o povo Guarani, parte do espírito. Toda cura é primeiramente espiritual. Quando o físico, a mente e o coração adoecem, eles estão manifestando um espírito já adoecido.

Cerca de dezoito anos atrás, o ancião dessa Nação Guarani, Sr. Whera Tupã, Pajé mais velho da tribo, revelou ao seu povo a intenção de abrir a Casa de Rezo da aldeia, local sagrado onde somente indígenas podem entrar, para a participação dos não indígenas, também. Sr. Wherá Tupã hoje com 108 anos enxergou lá trás a necessidade desse acolhimento porque viu a possibilidade de orientar aquele que se sente perdido, em reencontrar-se. Para que as pessoas possam se curar da falsa idéia a respeitos da vida e delas mesmas; possam se curar das toxinas trazidas por essa forma de viver, afastadas da natureza, separadas do sagrado e do próprio coração. E dessa forma, que elas possam reconectar-se com o coração delas e com o Grande Mistério de todas as coisas, recordando quem, verdadeiramente, são.

E assim foi feito.

A Casa de Rezo da aldeia Yynn Moroti Whera foi aberta à participação dos não indígenas, para que esses possam usufruir do conhecimento milenar e dessa sabedoria, passada de geração em geração, pelos antigos e até a geração atual. É uma das únicas- talvez a única – Opy (Casa de Rezo) aberta a não indígenas.

A Carta Aberta lançada pela Nação Guarani pontua, com clareza e sabedoria, o fato de pessoas não preparadas, por vezes movidas por intenções não sagradas, estarem se colocando em nome de antigas tradições e realizando – sem autorização – cerimônias de Plantas de Poder e outras mais, colocando em risco a vida de outras pessoas.

Que sirva, como inspiração aos diálogos, para que esses sejam guiados pela clareza, pela visão e pela sabedoria, igualmente. E que sendo assim, o diálogo não se apegue às sombras alheias, não se transforme em algo pessoal, não seja marcado por perseguição ou outra forma de comportamento não esclarecedora, tampouco benéfica para a evolução da humanidade.

Seguimos pela Luz.

Abaixo, Carta Aberta da Nação Guarani Yynn Moroti Whera:
“A quem interessar quem possa,

a  Igreja nativa TATA ENDY REKOWE vem comunicar e esclarecer que essa entidade tem o objetivo de resguardar o legado do povo guarani, por essa razão vem e comunicar que, quem pode realizar qualquer cerimonia dita Guarani, só terá a permissão que obtiver o reconhecimento dessa entidade, uma vez que só essa entidade faz cerimonia aberta para não indígena, porque as cerimonias dita guarani e restrita para não indígena em todas as aldeias guarani do Brasil, por essa razão essa entidade registrou um estatuto como igreja para poder realizar cerimonias abertamente para todas as pessoas que não seja indígena, portanto que não estiver sido reconhecido por essa entidades não tem a permissão de ministrar qualquer sacramento dita em cerimonia Guarani, podendo responder pelos atas praticado ou mencionar que é uma cerimonia Guarani , dito isso quem tem a permissão e o reconhecimento para realizar cerimonia guarani, São essa pessoas, Karai Djukadju Hyral Moreira Fundador da Igreja, Djatchuka Celita Antunes, kuaray Tchondaro Santiago de Oliveira, Karai Okuenda Geraldo Moreira, Whera Tupã Alcindo Whera Moreira líder Espiritual reconhecido pelo povo Guarani.

Portanto quem falar que esta ministrando Cerimonia dita guarani, e que não seja esses nomes não tem a permissão, é poderá acarretar responsabilidade penal ou civil caso macularem a imagem ou legado dessa entidade que representa o legado do povo guarani para não indígena.
Estatuto –

Estatuto Igreja Nativa Guarani

TATÁ ENDY REKOWÉ
CAPÍTULO I – Da constituição, denominação, sede, fins e duração.
Art. 1º – Sob a denominação Igreja Nativa Guarani Tatá Endy Rekowé, sem fins lucrativos localizada na Terra Indígena M´Biguaçu às margens da BR 101 km 190 São Miguel, Biguaçu/SC CEP 88168-020, tendo sua área de abrangência e atuação em todo o território nacional e se assim for necessário por todo o mundo, tendo personalidade jurídica distinta de seus membros, estes em número ilimitado, sem distinção de credo, política ou religiosa.

CAPÍTULO II – Das finalidades
Art. 2º – Tem por finalidade a valorização dos conhecimentos da cosmovisão do Povo Guarani como forma de orientação para o bem estar, bem como fonte de equilíbrio do individuo com os corpos físico e espiritual.
Art. 3º – Reconhecer seus membros e afiliados como perpetuadores e guardiões da tradição Guarani, respeitando toda a ideologia e conhecimento desta tradição, transmitidos por oralidade desde os tempos imemoriais, mantendo nas gerações os princípios e o conhecimento ancestral, fundamentais na crença e ritos cerimoniais do TATÁ ENDY REKOWÉ. Tradição essa que é transmitida de geração para geração na busca de equilíbrio entre o ser humano e a natureza como fonte de energia e proposições para uma sociedade justa e na busca da felicidade plena, através das inter-relações e conhecimento ancestral dos povos originais da terra ameríndia.

a- Respeitar, fazer respeitar e perpetuar a tradição Guarani como religião nativa;
b- Respeitar e fazer respeitar toda ideologia da cosmovisão do povo Guarani;
c- Reconhecer seus membros e afiliados como guardiões e perpetuadores da Tradição;

d- Valorizar e difundir a cultura e a tradição Guarani.
PARÁGRAFO ÚNICO: A entidade é uma organização religiosa sem fins econômicos e lucrativos.

Art. 4º – O prazo da duração da organização religiosa será por tempo indeterminado

Art. 5º – Dos membros da Instituição:
a- São membros fundadores: Hyral Moreira (Karai Djukadju) líder espiritual, Santiago de Oliveira (Kuaray Nheemry Mirim) líder espiritual, Celita Antunes (Djatchuka) líder espiritual.
b- A partir da data de instalação desta entidade (identificada ao final do corpo deste documento), os demais membros registrados serão reconhecidos (através de certificados emitidos pelos membros fundadores) como membros conselheiros ou guardiões ou líderes espirituais.

CAPÍTULO III – Das normativas:
Art. 6º – Serão reconhecidos membros Conselheiros, aqueles que completarem os 13(treze) dias do ritual Busca da Visão, cumprindo os preceitos do ritual num período não inferior a 4(quatro anos) realizados com êxito os períodos de recolhimento na mata de 4,7,9 e 13 dias, nas entidades reconhecidas e em aliança com a TATÁ ENDY REKOWÉ.

CAPÍTULO IV – Das responsabilidades e direitos dos membros:
Art. 7º – Apoiar e acompanhar os movimentos ritualísticos da TATÁ ENDY REKOWÉ.

Art. 8º – Realizar e zelar o rito da OPYDJERÉ (TEMASKAL – SAUNA SAGRADA), conforme instrução e orientação dos membros fundadores, dentro dos princípios estabelecidos nos artigos fundamentais (1º,2º e 4º), não sendo permitida incorporação de quaisquer outros fundamentos ritualísticos nesta atividade.

Art. 9º – Portar e armazenar material e insumos necessários à prática do ritual de OPYDJERE, como bastão com penas de animais silvestres; cocares; pigmentos; pele de animais; incensos, rapés e outros materiais provenientes de plantas medicinais cultivadas ou colhidas em florestas e outros artigos necessários.”

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