Baixada Santista Cidade Peruíbe

Entenda o Projeto de lei que pode barrar a construção de usina termoelétrica em Peruíbe.

Por Ailton Martins.

O projeto será apresentado hoje, 18/10 às 17h na Câmara Municipal.

 

Fotos de Bruna Azevedo
PROJETO DE LEI Nº 46/2017 “Dispõe sobre a emissão de poluentes no ar causadores de chuva ácida”.
Art. 1º. Fica vedada a emissão de poluentes primários e secundários que são potenciais causadores de chuva ácida e do efeito estufa no ar, decorrentes da queima de combustíveis fósseis em usinas termoelétricas.
Art. 2º. Para efeito desta lei são considerados agentes poluidores as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e enxofre (SOx), os quais são convertidos em ácido nítrico (HNO3), ácido nitroso (HNO2) e ácido sulfúrico (H2SO4).
Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICATIVA A Lei Orgânica do Município de Peruíbe foi atualizada pela Comissão Especial criada através da Resolução nº 01/2005, de 20 de janeiro de 2005.
Em seu art. 6° estabelece que é competência do Município, em cooperação com a União, com o Estado e com os demais Municípios, proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas do Bioma Mata Atlântica, fauna e flora, além de estimular e disciplinar a pesca, a agricultura e a agropecuária, bem como organizar o abastecimento de alimentos. Essa proteção pode manifestar-se por meio de atos legislativos, como leis, que envolvem a competência para legislar, e por meio de atos administrativos, que envolvem a competência material. A matriz constitucional da proteção ao meio ambiente está positivada no artigo 225 da Constituição Federal que estabelece, em seu caput:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Ainda, a Constituição Federal trata em artigos diferentes a competência para legislar no campo ambiental.
No que concerne à competência material comum, cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal), e, no que diz respeito à competência legislativa sobre meio ambiente, é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal (art. 24 da Constituição Federal).
Por outro lado, o Município pode legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, nos termos do art. 30, incisos I e II da Constituição Federal: Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Dentre nossos ilustres juristas, Machado ressalta que o denominado “interesse local” não precisa incidir ou compreender, necessariamente, todo o território do Município, mas uma localidade, ou várias localidades, de que se compõe um Município . Isso significa que é autorizado ao município legislar sobre questão ambiental de forma a suplementar as legislações federal e estadual, complementando-as e adaptando-as às suas particularidades. A diretriz jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) entende que assiste ao Município competência constitucional para formular regras e legislar sobre proteção e defesa do meio ambiente. Assim entendeu a Corte Suprema no bojo do Recurso Extraordinário n. 673.681 SP, bem como no do Recurso Extraordinário n. 194.704 MG, cuja matéria discutida nesse último versou sobre competência do município para legislar e atuar sobre proteção ambiental no que tange à emissão de gases poluentes. No mesmo sentido depreende-se do Informativo do STF nº 857, referente ao período de 13 a 17 de março de 2017, nos seguintes termos:
Os Municípios podem legislar sobre Direito Ambiental, desde que o façam fundamentadamente. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, dá uma abrangente definição de poluição ao prescrever: Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (…) III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; Nesses termos, são abundantes os estudos que comprovam que a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) ácido nítrico (HNO3) óxidos de enxofre (SOx), este, em especial, formador do ácido sulfúrico (H2SO4) tem contribuído para as precipitações ácidas (chuva, névoa, neve, entre outras) causadoras de danos severos aos ecossistemas naturais e agrícolas, tais como: – perda da fertilidade e desestruturação do solo devido à lixiviação de matéria orgânica, cálcio e magnésio; – aumento da concentração de alumínio (tóxico) no solo; – corrosão das partes externas dos vegetais (folhas, caule, raízes superficiais), resultando em menor resistência a patógenos, perda da fertilidade, da capacidade de crescimento e, até, a morte; – acidificação de recursos hídricos com extinção de espécies animais e vegetais; entre outros.
Recente estudo feito pela Profa. Dra. Sonia Corina Hess, Titular no Campus de Curitibanos – Universidade Federal de Santa Catarina trouxe a tona os efeitos causados por estes gases à saúde humana. Estudos das áreas de medicina, toxicologia e farmacologia têm revelado que o óxido nítrico (NO), principal componente das emissões NOx, é um radical livre que está envolvido em diversas condições patológicas, como câncer, impotência masculina, diabetes, supressão da imunidade, diarreia, mal de Parkinson, desordens de memória e aprendizado, processos alérgicos e inflamatórios, entre outros. Um dado importante, é que as quantidades de óxido nítrico envolvidas em diversos processos biológicos são extremamente pequenas e, por isso, o importante papel deste gás tem sido elucidado apenas recentemente.
Pelo seu modo de ação, o óxido nítrico é um agente que, ao estar presente como poluente na atmosfera, tem potencial para destruir a saúde de um modo subversivo e, como regra, quando os problemas são detectados, já ocasionaram danos graves. Essa classe de substâncias inorgânicas, denominada óxidos, é formada por dois elementos, sendo que o mais eletronegativo deles é o oxigênio. Tais elementos produzem ácidos ao entrarem em contato com a água presente na atmosfera. Os óxidos de nitrogênio reagem com a água da chuva, formando o ácido nítrico (HNO3) e o ácido nitroso (HNO2), enquanto que o óxido de enxofre (SO2 e SO3) ao reagir com a água forma o ácido sulfúrico (H2SO4), que é o principal causador da chuva ácida. Esse termo foi usado pela primeira vez pelo químico e climatologista inglês Robert Angus Smith, para descrever a precipitação ácida que ocorreu na cidade de Manchester, no início da Revolução Industrial. É bem verdade que toda chuva carrega consigo impurezas presentes na atmosfera, não sendo totalmente pura. Além disso, é normal certa quantidade desses óxidos estar na atmosfera. Porém, com o aumento cada vez maior do uso dos combustíveis fósseis, as concentrações dessas substâncias têm se tornado alarmantes.
Os efeitos referentes às emissões de poluentes primários e secundários causadores de chuva ácida e do efeito estufa no ar, decorrentes da queima de combustíveis fósseis em usinas termoelétricas, impactarão de forma negativa o Município de Peruíbe, porquanto, além de ser uma instância balneária, possui uma extensa área marcada por uma forte diversidade natural, social e cultural. De fato, Peruíbe conta com notáveis atributos naturais, biológicos, ecológicos, geológicos, geomorfológicos, arqueológicos, cênicos paisagísticos, estéticos e culturais, de excepcional e reconhecida relevância, além de contar com ampla ocorrência de espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225).
Sob uma perspectiva global e funcional, Peruíbe tem finalidade imprescindível para a conservação ambiental, visto que está na área de amortecimento do Parque Estadual Serra do Mar e, em especial, para a preservação dos últimos vestígios de vegetação atlântica remanescentes no estado de São Paulo. A riqueza natural e cultural da Mata Atlântica elevou o grau de proteção da região, que passou a integrar a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica/UNESCO, e, adquiriu, com isso, reconhecimento internacional, como patrimônio da humanidade, das áreas consideradas excepcionais do ponto de vista da diversidade biológica e cultural. Cumpre, ainda, evidenciar o reconhecimento da qualidade de Sítio da Convenção Ramsar atribuída à Área de Proteção Ambiental formada pelos municípios de Cananéia, Iguape e Peruíbe, designação atribuída em setembro de 2017. Tal designação estabelece novas diretrizes aptas à promoção da proteção regional tendo como diretriz a importância das características locais, notadamente, com relação às suas características tidas como únicas. Ressalta-se que a Conservação do Patrimônio Mundial é um processo contínuo e demanda um esforço conjunto entre sociedade civil e poder público para a manutenção das características e qualidades que justificaram a inclusão do sítio na lista do Patrimônio Mundial.
Com esse escopo, em acréscimo à tutela internacional, é dever estatal, em todos os âmbitos federativos, propor ações que assegurem a proteção do meio ambiente no âmbito nacional. Neste sentido, o texto normativo de mais alto grau hierárquico do ordenamento jurídico brasileiro prevê proteção constitucional, entre outros, à Mata Atlântica, à Serra do Mar e à Zona Costeira, e os reconhece como patrimônio nacional, nos termos do art. 225, § 4º da Constituição Federal. Esses patrimônios naturais estão presentes no município de Peruíbe que, ainda, abriga várias unidades de conservação – Parque da Serra do Mar, o Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins, do qual a Estação Ecológica Juréia-Itatins integra, a APA Cananéia-Iguape-Peruíbe –, áreas de preservação permanente, além de outras fisionomias florestais integrantes do Bioma de Domínio Atlântico, no Estado de São Paulo, e são esses ambientes naturais onde se asseguram condições de existência e reprodução de uma gama de espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção.
Observando que a definição do inciso XVIII, artigo 2º, da Lei 9.985/2.000, a zona de amortecimento de uma Unidade de Conservação é “o entorno de uma área protegida (UC), onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Não se trata de facultatividade. Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológico. § 1o O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação. § 2o Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1o poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.
Aqui se coloca a necessidade de se considerar como mostra Moraes , as particularidades das zonas costeiras: (…) se trata de uma localização diferenciada, que em qualquer quadrante do globo, apresenta características naturais e de ocupação que lhe são próprias, circunscrevendo um monopólio natural único (…). Com base na sua condição locacional, vem sendo cada vez mais condicionante a função turística de Peruíbe, sobretudo, quando se observa os patrimônios naturais que este território abriga, que é a Estação Ecológica Juréia-Itatins, reconhecida pela UNESCO como patrimônio da humanidade, o que atribui à cidade de Peruíbe, a denominação de Portal da Juréia. E a Lama Negra de Peruíbe, produto mineral que possui propriedades medicinais. Neste contexto, cabe ressaltar que a perda de áreas legalmente protegidas configura redução do cumprimento de suas múltiplas funções ou serviços ambientais, ferindo os princípios da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais; da preservação da biodiversidade e integridade do patrimônio genético, e da proteção da flora, bem como da manutenção de suas funções ecológicas, os quais são citados na Constituição Federal, art. 225, parágrafo 1º, números I, II, III e VII.
Destaca-se, entre os atributos naturais locais, ímpar do patrimônio natural da cidade de Peruíbe e chancelada pela medicina natural, a jazida de lama medicinal (Lama Negra), localizada na bacia do Rio Preto, que tem o potencial de transformar a cidade em um balneário crenoterápico. Ainda, no município de Peruíbe, há patrimônio cultural a ser salvaguardado, em razão da presença, na condição de integrantes da população da região, de inúmeras e diferentes comunidades tradicionais, que integram a sociodiversidade cultural material e imaterial, cujos direitos são amplamente amparados por uma exigente proteção jurídica internacional, identificada em inúmeros instrumentos jurídicos.
É inexorável pontuar que o território de Peruíbe detém com patrimônio cultural material, as Ruínas do Abarebebê, que compreende o patrimônio cultural material classificado pela UNESCO: as pinturas, construções, lugares, paisagens, esculturas, entre outros, relevantes para a história, para a arte e para a ciência. A UNESCO assevera que constituem o patrimônio natural: Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; – as formações geológicas e fisiográficas e as zonas nitidamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação; – os sítios naturais ou as zonas naturais estritamente delimitadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da ciência, da conservação ou da beleza natural.
Ressalta-se dessa tutela inexorável a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, promulgada pelo Decreto n. 6.177, de 1º de agosto de 2007, pelo seu potencial normativo de proteção e promoção da diversidade cultural e do diálogo intercultural, bem como os arts. 215, 216 e 231, todos da Constituição Federal.
Destarte, incontestável que a implantação de termoelétricas nos limites do município de Peruíbe, com potencial para a emissão de poluentes causadores de chuvas ácidas, comprometerá a saúde de seus habitantes, bem como o acervo natural, biológico, ecológico, geológico, geomorfológico, arqueológico, cênico paisagístico, estético e cultural da região a justificar a proibição da instalação desse tipo de empreendimento.
¹ MACHADO, Paulo Affonso Leme. “Direito Ambiental Brasileiro”. 19ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, p. 409. ² Moraes, Antonio Carlos Robert. Contribuições para a gestão costeira do Brasil: elementos para uma geografia do litoral Brasileiro. São Paulo. Hucitec, 1999, p 17. ³
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA – UNESCO. Convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e natural, 1972. In: IPHAN: castas patrimoniais. 3ª ed.. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, p. 177-194
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One thought on “Entenda o Projeto de lei que pode barrar a construção de usina termoelétrica em Peruíbe.

  1. Soube a pouco que o projeto de lei fora aprovado, pelo qual a população vibrante e guerreira de Peruíbe tem que ser parabenizada. Mas há que se ter cuidados e cautelas a ponderar, conscientemente, de que a luta não termina com a aprovação do projeto de lei que barra a usina, muito embora a força da população fora demonstrada. Lendo o projeto Verde Atlântico, principalmente as 9 medidas que foram “democraticamente” publicadas, verifica-se que qualquer parecer técnico estatal que vá de encontro com as veiculadas medidas “pseudo politicamente corretas”, tornará possível a guerreada implantação da usina. Primeiro, porque referendados em pareceres técnicos que embora demandem suspeição que podem muito bem subsidiar uma liminar positiva na justiça . Da mesma forma tem a questão da competência legislativa concorrente sobre meio ambiente que demandará anos de discussão pois subsidiada num só artigo da Constituição há que se comparar aos demais sobre o tema meio ambiente , até cair no guardião da Constituição, o STF, que após longos anos, decidirá a questão concorrente; Nada em direito é definitivo. Pedra angular dessa premissa, é o fato de que hoje a própria GasTren já informou que entrou na Justiça discutindo a inconstitucionalidade da lei. Não cuidou a população, ainda, da mudança da lei de ocupação e uso do solo, tampouco do plano diretor que parece não ter acompanhado o desenvolvimento do município e as ameaças de construção pertencentes ao planos de investimentos do governo central do Estado. Há que se ter e defender a população indígena que deve ser ouvida através ou não da Funai que já pareceu ser contrário. Questão última aqui, ligeiramente aventada sem esgotar a questão, é que a usina foi anunciada em Peruíbe, mas abrange um ecossistema maior , o da remanescente Mata Atlântica, a Estação Ecológica da Jureia que abrange, não só Peruíbe, mas igualmente Iguape, Itariri e Miracatu que não cuidaram de suas leis de intervenção . E as ações e investigações demandadas pelo Ministério Público Federal e Estadual. Elas serão interrompidas? E os demais municípios envolvidos, tem a mesma lei a subsidiá-los? Como se vê a questão não se encerra com a Lei aprovada. A luta só está a começar. E a vontade política tem pressa.
    Vilma Muniz de Farias, advogada

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