Colunistas Márcia Simões Lopes

Literatura Negra: Beco Afro

Dentro do beco, tem outro beco, e outro beco … ”  Fausto José
Por Márcia Simões Lopes
O relançamento do zine  “Beco Afro”  do jornalista, poeta e escritor Fausto José aconteceu, com noite de autógrafos em Taguatinga, Recanto das Emas, Plano Piloto e Varjão no Distrito Federal, Brasília. Houve também noite de autógrafos em Santos, litoral do Estado de São Paulo, cidade onde nasceu. E agora o anseio é que aconteça o relançamento do zine, também na capita paulista, além de outras cidades e outros becos.
O autor de Beco Afro conta, que o livro é uma homenagem às mulheres negras –  “o ventre da negra é que representa a resistência e sobrevivência dos afrodescendentes no Brasil e mundo afora” diz ele. Especialmente, é um agradecimento a sua mãe, humilde e sábia senhora, empregada doméstica, que em meio as dificuldades lutou bravamente para criar o filho, para que fosse uma pessoa do bem e de caráter, estudasse e se tornasse o jornalista e o escritor que sonhava ser.
A narrativa do livro é uma ficção. Conta a história de um quilombo urbano, onde a maioria dos moradores são mulheres. O autor discorre sobre a alma feminina – que boa ousadia! – em conflito com a pele negra e os ritos ancestrais, tudo junto. Sabedoria demais!  A história se desenvolve a partir de uma fuga, sem sucesso. Uma jovem negra assume a culpa de um crime e é enviada para a prisão. E o que acontece após é uma sucessão de fatos cuja mensagem está relacionada à identificação étnico-racial. A história que associa a jovem ao Beco Afro é contada em quarenta textos que se interligam pela narrativa, através de estilos literários, tais como: poesia, conto, prosa, cronica.
Fausto fala, que os quilombos urbanos estão desaparecendo.
Desde a época quando cursava jornalismo, início dos anos 80, na cidade de Santos, Fausto já era conhecido entre estudantes e professores, por suas poesias. Quando ele apontava na escadaria da faculdade, os pensamentos registravam: olha o poeta chegando!
Em Santos, cidade que tem o maior porto da América Latina, o poeta criou o  “Caderno do Porto” apresentado todas as noites em um canal de televisão local. O jornal começava com o seguinte aceno: Saudações Portuárias! – cumprimento que permanece até hoje entre velhos conhecidos. Caderno do Porto era interessante, também, pela diversidade; trazia informações sobre transações portuárias, desde movimentações financeiras alterando a balança comercial do país com entrada e descarga de mercadorias, bem como abordava outros assuntos instigantes, como foi a entrevista com conhecido Xamã brasileiro num cenário a céu aberto, nos corredores dos armazéns do cais.
A liberdade da poesia corria nas veias do jornalista.
O impulso para escrever um livro acontece, pelo desejo de compartilhar sentimentos e pensamentos importantes, para o autor. É dessa importância que parte, a tentativa de tocar a alma das pessoas e fazê-las sentir o que o escritor sente, de mais sagrado. Ao tornar pública sua riqueza, o escritor é lançado – igual flecha – sobre um público diverso que irá acessar a mensagem compartilhada.
O leitor é, em verdade, um hacker da consciência alheia.
Perguntei ao escritor, por que escolheu a terminologia “zine” e não “livro”  para referir-se ao Beco Afro. Apesar da palavra “livro” não estar errada no tratamento dado à literatura do poeta. Ele respondeu, que “zine são publicações alternativas produzidas geralmente em pequenas escalas, fora dos grandes circuitos editoriais.”  “Zines”, prosseguiu, “aparecem mais frequentemente em circuitos periféricos dos grandes centros populacionais, ocupações culturais, grupos independentes… é um recurso utilizado por núcleos ideológicos insurgentes em momentos históricos conflituosos. A impressão de baixo custo, é custeada por simpatizantes das causas ideológicas e distribuídas/vendidas, principalmente de mão em mão, em bares, entradas de cinemas, teatros, escolas” concluiu.
No meu modo de olhar, trata-se de uma forma alternativa, para garantia da plena liberdade de expressão e da não submissão às exigências de mercado. Nos registros da história da arte, toda – ou quase toda – produção cultural industrial predominantemente esteve, nas mãos de homens brancos. Na década de 60 do século XX –  período conhecido como “anos 60” – a cultura underground  significou uma explosão de recursos alternativos à produção intelectual dominante. Hoje em dia, perdura o underground como forma de comunicação, tanto nas ruas através da fala oral – como é a atuação do Slam Resistência – como também por meio da palavra escrita, em zine, além de outros formatos.
A literatura negra é pouco difundida no Brasil. Por motivos de racismo, preconceito e a constante tentativa de anulação da cultura africana. Nas escolas, universidades e espaços culturais pouco é compartilhado sobre a cultura africana. No Brasil, a história do negro na reconquista do espaço na sociedade é pautada por paciência, resiliência, persistência, coragem, sabedoria, foco e consciência. Pouco é sabido da história do país, a partir da fala do negro; boa parte do que se sabe foram histórias contadas, por brancos.
A filósofa e ativista brasileira Djamila Ribeiro em seu livro “Pequeno Manual Antirracista” enfatiza a importância da literatura negra; não porque os autores são negros, mas sim, porque grande parte da sociedade é negra e tem apagada a sua participação e contribuição – intelectual ou não – “por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do continente africano” palavras da autora.
Beco Afro foi escrito em 60 dias e tem 40 páginas. A arte de capa é do também santista, artista plástico e professor, Osvaldo da Costa. O zine está à venda em livrarias e pode ser obtido pelo e-mail faustojosebsb@gmail.com , com o próprio autor.
Fausto José está aberto para bate papo, roda de conversa, palestras e quem tiver interesse é só entrar em contato pelo e-mail citado acima.
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