O Espírito da Coisa

Neste mundo de loucos em que estamos

Por Renato Janine Ribeiro, ex-Ministro da Educação – Professor de Ética e Filosofia Politica.

 

Neste mundo de loucos em que estamos – parte efeito das redes virtuais, parte do avanço (semi)fascista – até sobre o dr Drauzio Varela rola treta. A razao é muito simples: ele é um ativo ético, uma pessoa admirada para além dos espectros políticos. Daí que sobretudo a extrema-direita, mas algunos otros más, queiram destruí-lo.
Li sua trilogia sobre a prisão, que começa com Estação Carandiru, passa por Carcereiros e termina em Prisioneiras. Desde o início do primeiro, deixa claro que está lá como médico e como ser humano. Afirma que quase todo preso se diz inocente e que não vai se ocupar disso. Até porque, se o fizesse, largaria seu papel de médico e se tornaria um aprendiz de advogado. Onde ele é insubstituivel, é como médico. Faz isso muito bem.
Em Carandiru, há um único momento, ao que lembro, em que um rapaz é preso injustamente: ele feriu ou matou, mas em legítima defesa, alguém que ameaçava seriamente sua irmã.
Em Carcereiros, até pelo tema – a amizade que Drauzio criou ao longo de décadas com os carcereiros – não haveria como ele discutir a questão da culpa ou não de presos.
Onde as coisas mudam é em Prisioneiras, o mais recente. Aqui ele toma partido pela inocência de muitas delas. Fica indignado com a manipulação delas pelos seus homens. São canalhas, que as utilizam como instrumentos do crime e depois, uma vez presas, nunca as visitam: trocam-nas por outras mulheres (que, por sinal, não têm nenhuma solidariedade com as ex-companheiras, vitimas dos canalhas).

E ,se Drauzio toma esse partido, é porque os casos são muito óbvios. Por exemplo, uma mulher presa pela polícia quanto esta estoura um cativeiro. Ela cozinhava, mas aparentemente não sabia que ali estavam pessoas sequestradas. Ou uma infinidade de garotas engravidadas e depois levadas a serem mulas do tráfico. Tecnicamente, são criminosas, mas o abuso delas pelos homens (não necessariamente abuso fisico, mas às vezes sim) é algo que indigna nosso autor.
Agora, voltemos ao juramento de Hipócrates, do qual há muitas versões. Não cabe ao médico julgar. Algumas pessoas bem intencionadas estão dizendo que “a produção” deveria ter escolhido uma pessoa trans que não tivesse cometido um crime hediondo. Mas penso que a grandeza – e me parece que Drauzio não tem fé religiosa, mas eu diria a grandeza absolutamente cristã * – de seu gesto é não ficar controlando a piedade, a solidariedade.

Ele abraçou um(a) criminoso(a). Qual o crime, é o menos importante. Se não, vamos começar agora a tarifar crimes, aqueles que merecem abraço, os que merecem um aperto de mão, os que nem isso?
Por isso, se aqueles que querem destruir todos os valores da decência se valeram da folha corrida da Suzy, só posso dizer: são pessoas que realmente optaram pelo combate a tudo o que é ético.

* Eu não me considero cristão, pela simples razão de que não tenho fé num Deus criador. Mas a mensagem de Cristo me parece de uma grandeza ética ímpar, talvez só igualada pela do Buda.

 

Fonte: Facebook

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