Colunistas Simone Salles

O DIA QUE NÃO TERMINOU – 27 de novembro de 1986, Brasília.

Por Simone Salles.

A foto de um amigo querido, compartilhada hoje (15/12), talvez explique, para muitos, alguns porquês de, volta e meia, eu desabafar aqui contra esse nosso bom mocismo. E nossa inércia travestida de resistência (*).

Sérgio Leo (Ser Leo), impávido e profissional, de terno, em frente (ou enfrenta?) uma fileira de tanques do exército. Gramado central da Esplanada dos Ministérios. Algum momento, após às 14h30.

Poderia ser eu nesta foto. Ou Luiz Queiroz, ou Ricardo Miranda Filho, ou Rudolfo Lago, ou Sandra Machado, ou Gioconda Mentone Jaccoud, ou Vinicius Doria, ou Lula Marques, ou Ney Flávio Meirelles, ou Ricardo Batista Amaral, ou Giselle Chassot, ou Eumano Silva, ou Mauro Lopes, ou Luciano Andrade, ou Márcia Marques, ou Sheila Dunaevits, ou Tales Faria, ou Wilson Pedrosa, ou Márcia Brandão … Ou Lucia Leão… mas, essa, senta que lá vem história. Tantos de nós estivemos neste lugar, neste dia.

Era só mais uma manifestação contra a política econômica do governo. Deveria ser ordeira e pacífica, como dita o manual de etiqueta do republicanismo – esse, que a esquerda brasileira preza tanto. Esqueceram de combinar com o tal ‘ povo ‘. O caldo entornou. Quem sabe, a revolta acumulada explodiu. Teorias sobram. Essa entidade não baixa em centro/terreiro ou permite que médiuns psicografem suas mensagens. O estopim será, sempre, um mistério. O que eu sei é que Povo não manda recado. Sai na porrada, quando acredita que está no seu direito.

A Esplanada dos Ministérios virou praça de guerra. A revolta se espalhou pelas áreas comerciais do Plano Piloto. Tanques estacionaram no coração do poder. Soldados do exército e da PM em formação de ataque, cavalos montados por bestas avançavam sobre todos e qualquer um, barulho de tiros, fumaça, correria. Em resposta, carros e ônibus incendiados, rajadas de pedras, paus, o que as mãos em fúria alcançassem. Não restaram intactos os vidros das tão estimadas propriedades privadas. A rodoviária envolta em chamas.

Todos que estavamos lá, à trabalho, tivemos medo. Admitamos ou não. Uns mais, outros menos. Medos diferentes, disso não tenho dúvidas. Sei do meu medo. Um mistura louca de receio por minha integridade física com euforia, alegria, alívio, esperança. Alma cidadã, lavada, enxaguada, vingada. E raiva, uma tremenda raiva, de não conseguir largar lápis e papel para me juntar à multidão, servir de cavalo a essa divindade em sua ira santa: o Povo.

Foi assustador. E foi lindo !

Esse dia foi batizado pela mídia oligárquica como ‘ Badernaço ‘. Eu chamo de ‘ Dia da Revolta ‘ . Não se iludam ou duvidem. Brasília tem alma. É filha de Ogun e Xangô. Abençoada por Ifá, que no meu sincretismo candango também atende por D. Bosco. Brasília é cavalo do POVO, dono da nossa cabeça e senhor dos nossos caminhos. Acima Dele, nada e ninguém.

Èpao, èpa bàbá!

Se a ‘ artificial ‘ Brasília pôde e pode, por quê não o resto do país ? Para quem quiser lembrar desse dia ou saber como foi – muitos não tinham nascido – postei um documentário na área de comentários.

(*) Não fulanizo. Ok?

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