Cidade São Vicente

Revisão do Plano Diretor pretende alterar Zona Rural de São Vicente para Área de Expansão Urbana

 

De Ailton Martins para Frequência Caiçara.

Situada na área continental de São Vicente, a Zona Rural do município compreende toda uma região de Mata-Atlântica ainda preservada, servindo – inclusive – de faixa de amortecimento entre a área urbana vicentina e o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM). Um território também protegido pelo ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico) cuja função é garantir um “conjunto de regras e acordos para organizar o território considerando suas características naturais e as dinâmicas sociais e econômicas de cada região”. (fonte)

Foto: Ailton Martins
Pouco conhecida pela maioria das pessoas que vivem em São Vicente, assim como de outras cidades da Baixada Santista, a Zona Rural vicentina não tem esse nome por acaso, mas, obviamente devido características que as distingue da parte urbana. Composta pelos núcleos do Vale Novo, Acaraú, Cachoeira 2 e Paratinga, toda essa extensão de verde é um riquíssimo patrimônio ecológico da região que, talvez, tenha conservado-se em parte pelo desconhecimento, e outra pela negligência do Poder Público, no sentido de relegação. Entretanto, uma revisão do Plano Diretor da cidade que vem sendo pensada e apresentada em Audiências Públicas pelo executivo pode criar condições para o fim dessa realidade de exuberância natural.
Foto: Ailton Martins – Búfalos pastoreiam
A proposta do executivo consiste em transformar a Zona Rural em Zona de Expansão Urbana, o que abriria precedente para instalações de indústrias de pequeno porte no local, ou próximo, mas, que ainda desse modo geraria todo um impacto ambiental e social, principalmente para os moradores que vivem e produzem na terra, cujas formas de subsistências são totalmente diferentes do modo urbano. Além do mais, os trabalhadores rurais que, hoje, são resguardados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), perderiam esse direito, logo, parcerias entre prefeitura e o Incra para possíveis convênios para financiamento de desenvolvimento de projetos destinados a assentamentos de reforma agrária, não seriam mais possíveis. Também seriam afetados no regimento previdenciário, ou seja, o tempo de aposentadoria elevaria para mais cinco anos. A própria Associação que existe na Área Rural e que defende os moradores e trabalhadores rurais – declarada de Utilidade Pública conforme Lei Municipal 3513-A de 15 de Agosto de 2016 – , perderia seu significado. Ou seja, o executivo está simplesmente apagando a existência da Zona Rural vicentina.
Foto: Bruna Azevedo
Audiência Públicas
Aconteceram sete Audiência Públicas, cada uma num bairro, porém, quando questionamentos foram realizados aos representantes do executivo referente os impactos à população rural, a resposta era que não haveria impacto e que as pessoas iriam permanecer seguindo com suas vidas, essa mudança tinha como objetivo apenas criar tributação – impostos – que, hoje, são muito pequenos devido o território estar demarcado como Zona Rural, portanto, com essa mudança haveria condições (com impostos) de estruturar a região com equipamentos de educação, transporte, iluminação pública….

Porém, essa é uma colocação bastante eufemista tendo em vista os impactos.

Documento entregue ao executivo 

A Associação dos Trabalhadores e Moradores da Área Rural de São Vicente esteve presente nas Audiências e entregou um documento com reivindicações e solicitou uma resposta definida da prefeitura, diante da situação de não ter sido consultada sobre a mudança, no entanto, até o fechamento desta matéria, o executivo sequer prestou-se a dar uma resposta contrária.

Foto: Ailton Martins
Parte do documento:
“A Área Rural de São Vicente, é assim chamada por seus moradores, justamente por sua característica rural. Região com Sítios e Chácaras, sendo muito desses imóveis cadastrados no INCRA e no atual CAR – Cadastro Ambiental Rural. […] A região possui apenas algumas poucas “aglomerações” de casas […] há produções de diversas culturas hortifrutigranjeiras, assim como criação de gado, búfalo e equinos, além de caprinos e suínos. 90% dos imóveis, atendem ao que estabelece o ZEE – Baixada Santista para a região. […] além de seus aspectos agropastoris, a região também é rica na fauna, flora e recursos naturais como cachoeiras e rios, e também recursos históricos como as Ruínas da Antiga Fazenda de Santana do Acaraú, sendo datada do século XVI, onde morou e foi batizado o historiador Frei Gaspar […] um potencial enorme no ecoturismo e agroturismo”. Importante ressaltar que os moradores da área rural […] “são amparados pela Associação dos Trabalhadores e Moradores da Área Rural de São Vicente – ASTRARU-SV, declarada de Utilidade Pública conforme Lei Municipal 3513-A de 15 de Agosto de 2016”.
Foto: Ailton Martins
Para Antônio Andrade, presidente da Associação, “isso não se faz, eles mudaram radicalmente a nossa situação aqui, a nossa relação ainda, hoje, como eu falei, está ligada a área rural, nós temos uma atuação aqui jurídica, social, tudo certinho, e de repente eles mudam para o município, quem tem a posse passa a ser invasor, porque passa a ser do município, porque, hoje, é federal, e é nosso, e nós temos uma situação de estabilidade […] e aí? […] então você registrando, mostrando isso, aí pode mostrar que aqui em São Vicente ainda tem ambiente natural aqui”.
Foto: Ailton Martins
Zona Rural
A área rural vicentina apesar de toda riqueza natural, infelizmente, na questão social carece de infraestrutura, o Poder Público sempre foi negligente com a região, há problemas enraizados, por exemplo, de transporte escolar, que não é oferecido um serviço adequado, matérias já foram produzidas em grandes meios de comunicação, mas, nada resolve-se, a área somente é lembrada em tempos de eleições. Porém, entra governo, sai governo e os problemas arrastam-se. (assista neste link video sobre a questão do transporte escolar)
Traduzindo: a visão política administrativa que impera na cidade é aquela que tem os olhos voltados para um modelo de desenvolvimento excludente e antidemocrático, que historicamente tem criado bolsões de pobreza, e privilegiado pontualmente determinados setores econômicos, um tipo de visão muito definida que não está a favor de uma política de fortalecimento da área rural. Apagar a Zona Rural no Plano Diretor é uma sinalização precisa disso.
Após sete Audiência o documento segue para votação na Câmara de vereadores.
Foto: Ailton Martins
Sítio Acaraú
No Sítio Acaraú, encontra-se – abandonada – as ruínas onde viveu o historiador colonial frei Gaspar da Madre de Deus. Datada do século XVI, as ruínas seguem encobertas pela vegetação e pelos cuidados de Raimundo Almeida Santos, dono da pequena chácara onde encontra-se o que restou da casa – patrimônio histórico – do historiador vicentino da ordem de São Bento, que nasceu na Fazenda Santa’Ana, Zona Rural de São Vicente. Hoje, o nome frei Gaspar, infelizmente, só remete (na lembrança da maioria do vicentinos), a uma das maiores ruas da cidade, que corta o centro; da Praia da Biquinha seguindo até o bairro Cidade Naútica, ou seja, poucas pessoas sabem quem foi frei Gaspar, logo, que a cidade abriga as ruínas onde ele viveu. Considerando que São Vicente é a primeira Vila do Brasil, e basicamente perdeu toda história oral e arquitetônica, nesse sentido, as ruínas possuem uma valor histórico para a cidade. Mas…
Para Raimundo, dono da chácara onde estão as ruínas, às vezes aparecem algumas pessoas para visitar o local, em maioria, pesquisadores/historiadores de São Paulo, certa vez, um grupo da prefeitura de São Vicente visitou, tirou fotos, mas, nada aconteceu. “eu procuro sempre estar organizando o espaço aqui, minha mulher rastela, tiro o mato, a própria mata que cuida. Este pé de gameleira aqui, ele cresceu e se prendeu a essa base, pilastra né? E acabou que está protegendo, né?” (assista neste link vídeo sobre a ruína)

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