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Rosario não é um milagre

Por Roderick McLean (da Rádio Perfil, de Rosário, Argentina)

Tradução: Jasper Lopes, do Baixada de Fato

Poderíamos estar vivenciando um outro momento… Os números de países como o Uruguai e o exemplo de Rosário, na Argentina, mostram isso: com uma população de mais de 1,2 milhão de habitantes, Rosário têm 114 casos confirmados e 01 morte.

*Nota do Tradutor: Com enorme coincidência e curiosidade, encontro um artigo de um ex-companheiro de sala de aula, na Faculdade de Comunicación Social, Ciencias Políticas y Relaciones Internacionales, da Universidad Nacional de Rosario, nos idos de 1985…)

A contenção do coronavírus na principal cidade da Província de Santa Fé tem razões que podem servir para outras urbes. Planejamento da saúde pública, desenho urbano e políticas de Estado que transcendem os governos.

Muitos utilizam o Uruguai como exemplo de quarentena em meio da pandemia do Coronavírus, mas deveriam buscar modelos mais próximos e que são ainda de maior êxito, pelo menos até o momento. A população de Rosario é similar à que tem a capital uruguaia, Montevidéu. No entanto, os casos oficiais de coronavírus mostram algumas diferenças que ajudariam a valorizar a situação sanitária da principal cidade santafezina.

Até o dia 29 de maio, em Rosario, se detectaram 114 casos, e somente se registrou uma morte, enquanto que na capital uruguaia quantidade de casos ascende a 559, com 14 mortos. em algumas mídias argentinas se falou apenas timidamente do “milagre rosarino”, porém deveriam aprofundar mais nas razões que estão por trás destes números: uma política de saúde pública estendida no tempo, um desenho do sistema sanitário pensado de forma criteriosa e o estado de alerta bem cedo das instituições públicas e privadas, trabalhando de modo comum.

Miguel Lifschitz, ex-governador de Santa Fé e ex-prefeito rosarino, expõe que uma das principais razões da situação sanitária na cidade até o momento é o fato de “contar cim um sistema de saúde pública de alta qualidade, acessível, eficiente, que pode prover de maneira gratuita a cada cidadão, não somente a alta complexidade para atender pacientes de risco, como a proximidade que possibilita a atenção primária, e que nenhum habitante, inclusive os mais humildes, tenham que caminhar mais de dez quadras para chegar a um centro de saúde, e que esse vínculo com a saúde pública seja cotidiano e excepcional”.

As razões deste desenho remontam a muitos anos atrás, quando nem sequer se imaginava uma pandemia como a que agora afeta o mundo. Desde a chegada de Hermes Binner à Secretaria de Saúde da cidade e a posterior vitória ao cargo de prefeito do líder socialista, se começou a gestar um desenho de estrutura sanitária pública que contemplasse todos os níveis de complexidade de atenção e com alcance nos diversos bairros, com suas diferentes características sócio-culturais.

Este desenho, que é orgulho do socialismo da província de Santa Fé, transcendeu inclusive a este partido político (nota de tradução: PSP, Partido Socialista Popular, de cunho social-democrata e com características próprias e locais, muito sério na gestão e na ética anti-corrupção), e já se pode dizer que já é uma política de Estado estável na cidade, que encarnou nos profissionais da saúde e na mesma população, para além da tonalidade política.

Em Rosario, sem levar em conta a tendência política dos candidatos, ninguém se atreveria a questionar os investimentos na saúde, a política pública de pordução de medicamentos e a proliferação de centos de atendimento de diversas complexidades disseminados por toda a cidade.

 

Geriátricos

Um dos aspectos destacáveis e que mostra a combinação da saúde pública e privada em Rosario, atualmente, é a ausência do impacto do Covid-19 nos 189 geriátricos da cidade, onde vivem cerca de 5 mil idosos. Toda a oferta de instituições públicas e privadas que brindam este tipo de serviços aos adultos da terceira idade passou por um censo, como também seus responsáveis médicos e funcionários administrativos, para poderem atuar rapidamente no caso de detectar-se algum doente contagiado. Somente uma enfermeira do Hospital Geriátrico provincial testou positivo, porém a atuação foi ra´pida e não se estendeu a outros profissionais da saúde e nem aos idosos.

“A imagem da cidade de Buenos Aires (onde houveram múltiplos contágios nos geriátricos) é a que não queremos repetir e pretendemos conter”, assinalou ao jornal La Capital, de Rosário, o secretário de governo Gustavo Zignago.

Além da contenção dos casos confirmados e de sua rede de contatos, a Secretaria de Saúde Pública de Rosario teve a estratégia de utilizar um “registro de pacientes”, com comorbidades e de aposentados, um elemento indispensável que não todas as cidades têm ao seu alcance,

“Temos ido à casa de cada um e levamos medicamentos para dois meses, para que não tenham que sair, lhes demos os telefones dos médicos de referência e vacinamos casa por casa, para que assim não circulem caso não seja estritamente necessário”, disse o Secretário de Saúde, Leonardo Caruana, que foi designado para o cargo em 2013, pela prefeita Mónica Feim (* também do PSP) e ratificado quando Pablo Javkin chegou ao cargo de prefeito, em 2019.

Outro elemento fundamental na hora de analisar o impacto da pandemia é a baixa incidência do vírus dentro do personal médico, tanto em centros de saúde privada, como pública. houve casos em serviços indiretos de saúde, porém a atuação conjunta e eficaz do sistema cortou prematuramente as vias de propagação, que fez estragos em outras cidades, tanto na Argentina, quanto no mundo.

Também se ressalta como parte deste mecanismo exitoso o fato do Centro de Especialidades Médicas Ambulatórias de Rosário (CEMAR) ter sido um dos primeiros organismos públicos do interior do país que começou a fazer testes com os kits de detecção validados por Anmat.

 

Planejamento

Porém, para Lifschitz, não somente há que buscar as razões do sucesso no sistema de saúde, mas também tem a ver com “haver desenvolvido políticas de densificação controlada e regulada, não promovida pela especulação imobiliária, senão planejada, com uma visão integral da cidade, e definida por políticas de regulação urbana.

Ao mesmo tempo, o processo de descentralização, que permite equilibrar isto que hoje e tão importante, a cidade compactas que faz tão eficiente os serviços públicos, mas também uma cidade de proximidade, que nos remete a esta ideia da cidade dos 15 minutos, onde os cidadãos podem, no entorno de suas casas, encontrar grande parte das coisas que necessitam”.
Em Rosario convivem as grandes edificações, os bairros acomodados, e as situações de marginação em espaços com menor eficiência dos serviços públicos essenciais, tal como se vêem em todas as outras grandes cidades do país. Uma diferença notável com os bairros portenhos como a Villa 31, de Retiro, por exemplo e tantos outros que proliferam no cordão periférico de Buenos Ayres, é o da menor densidade da população por metro quadrado e a quase inexistência de edificações com andares de cima que aumentam este fenômeno que é um dos elementos que colaborou no contágio entre os bairros mais carentes da Grande Buenos Aires.
Em bairros vulneráveis se fizeram 222 testes entre pessoas que tinham alguns dos sintomas compatíveis com Covid-19 e todos deram negativo, uma situação que contrasta notavelmente com o que vem sucedendo tanto na cidade de Buenos Aires, como na Província mesma de Buenos Aires.

A ideia de continuar com este tipo de testagem para não sermos surpreendidos se o cenário se complica, uma possibilidade que as autoridades de saúde não descartam.
“O avanço notável que pudemos implementar, e que seguramente teremos que incentivar no futuro, no sentido de integrar os núcleos urbanos mais vulneráveis, os assentamentos irregulares, porque hoje comprovamos que os problemas de moradia, da falta de infra-estrutura, da precariedade e confinamento, não somente são um problema para aqueles que habitam ali, senão que terminam sendo um problema de toda a população. A necessidade de chegar a todos os setores com os serviços básicos, como água potável e saneamento básico”, argumenta Lifschitz.
Esta situação permitiu que a partir da prefeitura sejam habilitadas algumas atividades ainda impensáveis na cidade de Buenos Aires. O próprio prefeito, Pablo Javkin, saiu para fazer uma caminhada recreativa ao redor de sua residência, e obviamente dialogou com seus vizinhos, a quem pediu especial cuidado no respeito das medidas sanitárias e distanciamento social. “É uma aposta no compromisso de rosarinas e rosarinos. Não queremos voltar atrás. Para isto temos que levar ao extremo a medidas de cuidado. Temos que cuidar vidas”, afirmou Javkin, o jovem prefeito de uma urbe que, por enquanto, vem driblando a pior cara desta pandemia e que pode terminar sendo, no futuro, um exemplo sanitário para outras cidades.

 
Nota do tradutor: Ademais de haver estudado um ano com o autor da matéria, Roderick Mac Lean, na Faculdade de Comunicação Social de Rosario, também conheci o atual e dinâmico prefeito, Pablo Javkim, então ainda muito jovem líder da juventude (Franja Morada) da UCR (Unión Cívica Radical), do ex e ótimo presidente Raul Alfonsin, dos meados de 1985. Também dei aula de idiomas por anos numa instituição onde a tia do atual prefeito foi minha aluna.

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