Colunistas João Marcos Rainho

Pandemia histórica

Por João Marcos Rainho
Numa padaria da Guilhermina, um senhor notoriamente aposentado – aproveitou a legislação que a esquerda criou para viver as custas do Estado – bradava sobre a pandemia do coronavírus, dizendo a ladainha copiada de robôs de mídias sociais criminosas, que era tudo mentira e que se tratava de uma conspiração comunista chinesa para destruir o país e, por outro lado, não existia porque o governo Dória (que chama de comunista agora) estava deturpando as mortes por doenças comuns e exigindo que funcionários públicos anotassem como vítima do coronavírus. Afinal, do que ele estava falando? A pandemia existe ou não? Semanas antes, em frente à entrada da Fortaleza de Itaipu, um punhado de novos ricos praiagrandenses com seus carros de 100 mil reais, e bandeiras e uniformes da seleção brasileira de futebol, exigiam que os militares fossem para as ruas e obrigassem o comércio a abrir as portas e aproveitaram também e pediram a volta da ditadura.
A lógica, o raciocínio empregado nessas questões ditadas por robôs e aceitas por mentes fracas e ou oportunistas, é uma espécie de negacionismo dialético. Exemplos: “A ditadura não existiu, e se existiu foi boa”. “O coronavírus não existe, é uma gripezinha apenas, e se existe tem cura com a cloroquina – fabricada por um compadre do capitão”. Entenderam? Não? Se não entendeu é uma patologia de falta de estudo.

 


É a lógica fascista, usada em outros tempos. Os bolsonaristas não sabem o que é fascismo, mas já associaram como uma palavra pejorativa criada pelos inimigos esquerdistas. Aliás, não existe bolsonarismo, porque Bolsonaro não tinha uma linha de trabalho anterior endireitada, com seguidores e cargos públicos no executivo, como o Maluf, do malufismo. Era apenas uma figura apagada do congresso, que aproveitava para xingar e ofender o que não entendia quando tinha plateia.

 

O presidente é uma espécie de Zé Macaco, lembram? Aquela figura folclórica que circulava pelas ruas de Santos imitando um locutor de rádio. A molecada do Marapé e Campo Grande fez uma grande campanha de apoio para avacalhar uma eleição e colocaram a figura na Câmara de Vereadores. Foi manipulado pelos espertões de direita da época, e mal sabia dos projetos que assinou sem ler. Aliás, era analfabeto. Assim, enquanto o presidente cria plateia com folclore negacionista, violento e preconceituoso, os espertalhões que sabem o que estão fazendo vão tirando direitos e leis que os favorece economicamente e que prejudicam os mais pobres. É aproveitar o momento de distração midiática para passar a boiada, como disse um ministro.
Por isso odeiam a imprensa e os historiadores, atividades que ajudam a compreender os contextos dos fatos. Porque a história se repete, e os personagens são ideologicamente os mesmos. Vamos pegar os casos de pandemias. Teve a gripe espanhola em 1918. Prudente de Moraes, presidente da época, negou. Disse que era uma “gripezinha”. Censurou a imprensa e não tomou nenhuma medida sanitária. A doença chegou via portos, e matou de um dia para outro milhares de pessoas (100 milhões de mortos no mundo). Seus avós ou bisavós lembram: na Baixada Santista as pessoas jogavam corpos de familiares mortos para a rua, pela janela das casas. A carrocinha tétrica passava de manhã e à noite recolhendo os mortos. E o presidente Prudente de Moraes morreu de gripe espanhola – que não veio da Espanha, e sim do Kansas, EUA, uma fakenews da época.
Em plena ditadura aconteceu uma epidemia de meningite, no período 1971-1974. Alguém lembra? O governo militar negou – a imprensa foi censurada – até que a situação se agravou e começou uma vacinação em massa que as pessoas nem sabiam do que se tratava – diziam que era para prevenir de gripe. O negacionismo resultou em 1,15 mortos por dia. Parece pouco né? Se acha isso é porque não atingiu sua família, como agora com o coronavírus.
Bem antes, no Brasil imperial, de 1849 a 1850 surgiu o vírus devastador da febre amarela. Dom Pedro II e seus políticos puxa-sacos negavam e impediram a quarentena, uma solução correta para a disseminação do surto. O senador governista e ex-ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos pronunciou um discurso virulento, bravejando que era tudo uma farsa da oposição, dos que desejavam a destruição do império, e que o governo não iria fazer nada, pois nada estava acontecendo. Pouco depois ele morreu de febre amarela.
A seguir, em 1855, aconteceu uma grande epidemia de cólera. Os portos foram a porta de entrada da doença, vinda da Europa. O imperador-dorminhoco negava tudo. Prendia quem falava da cólera. Aconteceu até passeata de apoio ao imperador, a passeata da morte – escravos foram convocados pelos seus senhores para turbinar números de pessoas no protesto negacionista. Muitos que participaram já estavam doentes e morreram nos dias seguintes.
E assim foi e é o Brasil.

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