Frequência Caiçara

“Querem tirar tudo que temos”. Justiça determina remoção no Jardim São Manoel, em Santos

Por Frequência Caiçara

Cerca de trezentas e cinco¹ famílias residentes na rua João Carlos da Silva, no Jardim São Manoel, Zona Noroeste de Santos estão passando por um processo de reassentamento residencial após uma decisão judicial de 2001. A área, hoje, urbanizada, com casas de alvenaria, comércios e cerca de um mil e duzentas pessoas residentes há mais de trinta anos, é considerada de preservação ambiental. A Cohab (Companhia de habitação) de Santos, cumprirá a decisão judicial de reassentar as famílias no Conjunto Habitacional “Santos 0”.
  1. No último dia 15/07 ocorreu uma reunião acompanhada pelo Ministério Público Estadual (MPE), entre a Cohab, representantes de moradores e com a presença da vereadora Telma de Souza e de um representante do vereador Chico Nogueira, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), para mediação de conflito, tendo em vista que os moradores não concordam com a decisão judicial. Segundo os moradores, na reunião o promotor de Justiça de Santos, Adriano Andrade de Souza considerou a suspensão das remoções a partir de reivindicações apresentadas, contudo, dois dias depois, deu aval para o cumprimento da decisão judicial.
A vereadora Telma de Souza chegou a publicar em seu perfil na rede social Facebook que lamentava a decisão do promotor e da posição da prefeitura de não atender às reivindicações dos moradores.
Foto: Ailton Martins

Obras do Projeto Nova Entrada de Santos

De acordo com o grupo de representantes de moradores a decisão da Justiça e a postura da prefeitura ignora uma série de aspectos que envolvem o histórico de vida das famílias e, com isso, o impacto social, cultural e econômico que esse reassentamento irá provocar na vida de cada pessoa é irreparável. E acrescentam que apesar da decisão judicial ser de 2001, há uma relação direta com o projeto Nova Entrada de Santos – que tem gerado impactos na comunidade.
Foto: Ailton Martins
“Com essa obra eles tamparam o canal, e aí a minha casa encheu, a água veio na cintura […] destruiu minha geladeira, tudo, eu não tenho mais nada, somente estou com a roupa do corpo, e agora estou no fundo da casa dos meus pais, só que ele vai ter que mudar pros apartamentos e eu não tenho pra onde ir, já corri atrás, já fiz de tudo, mas eles disseram que não vão dar, só que veja bem, isso está errado, os caras da Defesa Civil veio aqui e disseram que não há possibilidade de morar nessa casa […] a água entrou, destruiu, a casa arriou […] eles alegam que esse lado do canal, não ia sair, só lá a parte do começo, e depois que ia ser vale aluguel de seis meses, e aí eu falei, vocês destruíram minha casa, e agora querem me dar seis meses de aluguel? […] Mas, depois disseram que não ia sair mesmo esse lado, e como disse, a Defesa Civil veio aqui e falou: “moça não tem condições de morar nessa casa”. Ainda mais com criança de um ano, e eu to lá no fundo da casa da minha mãe esperando o que vai se resolver, é muito chato isso”. Sandra Dantas Lima
Histórico 
De acordo com informação levantada pelo grupo de representantes de moradores, hoje, há 305 famílias residindo no território indicado como de preservação ambiental, local que começou a ser ocupado na década de 1980, por famílias de baixa renda, algumas bem à margem da pobreza como pode ser identificado por meio das construções, em maioria casas de alvenaria, mas, há um percentual grande de palafitas que estão na borda, próximas ao canal, ou seja, há muitas pessoas que não têm condições de arcar com os custos do apartamento apresentado pela Cohab.
Foto: Ailton Martins
“Algumas palafitas lá da ponta já foram retiradas e as pessoas foram para os apartamentos, não vai dar certo, tem um monte de gente que não tem renda, aquele casal que você foi na casa deles, daquela senhora com a filha que tem problemas de saúde, eles também não têm condições, e assim, eles lá, a promotoria está com esse negócio de área de risco, de preservação, que nada, é por causa dessa obra, vai passar a estrada, se você olhar na outra ponta, tá cheio de palafita também, e não vão mexer, por quê? Esse problema vai até o Piratininga”  Genivaldo da Rocha.
Ir ou não para o apartamento? 
Alguns moradores decidiram ir para o apartamento considerando que era o mais seguro diante de uma ordem judicial, entretanto, a maior parte não concorda em abandonar a casa cujo investimento representa a economia e a luta de uma vida.

Foto: Ailton Martins

“Eu trabalhei a vida toda pra construir essa casa, foi luta, como pode isso agora? A Cohab só me mandou um papel, dizendo pra mim sair no dia 20 de agosto, sem ter nenhuma assinatura, de nada, de ninguém, ninguém falou comigo, não assinei nada, e tá dizendo que eu era o responsável, de desligar água e luz e fazer a mudança, tinha que sair nesse dia, só deixaram o papel no quintal […] ali é minha vida, eu investi na minha casa, não quero nada de graça do governo, mas, já que quer o terreno, tem que indenizar, vão me colocar num lugar e fazer eu pagar trinta anos, não.” Jessé José dos Santos

Foto: Ailton Martins
Espaços familiares 
Muitas casas possuem espaço amplo e abrigam duas ou três gerações de uma mesma família, porém, o cadastro identifica apenas uma residência, logo, apenas uma família, desse modo, concede o direito de apenas um apartamento, tornando inviável o reassentamento adequado às famílias. Outro ponto sensível, diz respeito ao contrato com a Cohab que prevê em caso de inadimplência – em curto período (3 meses) – o despejo da família.

“Ou seja, as pessoas não estão recebendo uma casa em troca da que perderam, sim, comprando outra e correndo o risco de perder, caso ocorrer algum problema financeiro, e´isso que estamos tentando explicar pras pessoas e que o advogado nos orientou”. Genivaldo da Rocha

“Eu moro com a minha mãe, minha irmã, filha e são seis pessoas, é uma casa grande, dividida entre a família, minha irmã quem me ajudou, estava passando dificuldades, e ela cedeu a parte de lá de cima, e agora pra eles da Cohab vale é só como uma casa, e assim, a minha irmã não quer sair, porque o espaço é grande, a casa é junta, se formos pro apartamento não vai caber a família inteira lá, e como fica agora? E tem minha mãe que é cadeirante, como vai ser com apenas dois quartos?” Margarida Ladislau

Foto: Ailton Martins

Diálogos

Questionados sobre a forma que a prefeitura está conduzindo os diálogos junto a comunidade, os moradores disseram que não existe um diálogo ocorrendo no sentido informativo ou minimamente do executivo ouvir a situação dos moradores, simplesmente existe a determinação judicial de que precisam sair de suas casas. Recentemente estiveram na Câmara Municipal em protesto, e os vereadores não se posicionaram contrários, o presidente da Câmara Rui de Rosis (MDB) chegou a manifestar seu apoio a luta e dizer que o executivo precisa dar um resposta justa aos moradores.

Relatos:

“A organização de tudo aqui, foi feita há muito tempo, e com a prefeitura, aqui tem CEP da rua, passa caminhão de lixo, tem água, luz, a prefeitura asfaltou, tudo direitinho, esse prefeito que tá aí, hoje, ele já veio aqui e falou pra gente que aqui já tava certo, área congelada, não ia mexer com a gente, agora desde que começou essa obra aí, já disseram que ia ter que sair, mas, ia ser só uma parte, disseram que ia passar uma estrada, lá no começo da rua, e de repente começaram a dizer que vai sair todo mundo do lado de cá, como assim? Eu tenho minha casa, trabalhei anos pra construir, me aposentei tudo certinho, perder minha casa? E tem muita gente aqui que não tem condições de pagar, mas aí vem o pessoal aí, e anota um valor no papel e diz, tá resolvido, vocês vão pro apartamento” Genivaldo da Rocha
Foto: Ailton Martins

“Eles querem que a gente saia daqui, mas, a gente não sabe nem o quanto vai pagar, a gente ganha uma miséria, pode se dizer, pra comprar remédio, eu tomo seis tipo de remédio, de três em três meses eu tenho que passar no médico, eu pago no médico, e é pago, porque se passasse em policlinica eu morria, pago 250 ao médico, era cinco, agora é seis porque deu problema na outra veia do coração […] como é que vou fazer? Tenho uma filha deficiente, que pra trocar uma roupa depende de mim. Como vai ser isso meu Deus? Eu trabalhei na área da Petrobras limpando banheiro e ele batendo colher por aí, agora só disseram que nós temos que sair, e no fim, perdermos tudo? […] veio a assistente social uma vez aqui pra ver o caso dessa menina, mas, disse que beneficio só em caso de extrema pobreza” Maria Oliveira Andrade

Foto: Ailton Martins
“O erro é tirar a gente daqui, neste mês do dia 15 de dezembro eu vou completar 94 anos, já trabalhei o tempo que tinha que trabalhar, nunca fui escravo, agora depois de velho eu tenho que ser escravo, de alguma coisa? Nunca matei e não roubei de ninguém? E se for assim, pra gente ser expulso, por quê? Porque a gente é nortista. Eu sou da Bahia, aqui está uma espécie de um cativeiro, já que é pra mim voltar pra minha terra eu volto, mas sem morte”. Antonio Pinto de Andrade, 93 anos, aposentado.
Foto: Ailton Martins

“Quando eu cheguei aqui há vinte e dois anos, aqui era maré, era pra lá, e aí vim pra cá pra cima, eu fui melhorando a casa, e esse prefeito lá no primeiro mandato dele, veio aqui, esse que está aí, e disse que a gente poderia melhorar nossas casas, que ele ia legalizar tudo, não ia ter problema nenhum na rua, ia ficar bonito tudo, a gente ia ter orgulho […] e de repente mudou tudo, agora temos que sair? Sem indenização nenhuma, e vamos pra essa unidade da Cohab que bem dizer é uma caixa de papelão, que não vai caber nada das coisas da gente lá. Eu queria ficar frente a frente com o senhor Paulo Alexandre, qual foi a promessa que o senhor deu pra gente? pra gente te colocar quatro anos na prefeitura? Maria Trajano, 59 anos.

Foto: Ailton Martins
Crise habitacional
 
A cidade de Santos vive uma crise habitacional de décadas, são cerca de 17 mil moradias que precisaria construir para suprir a demanda, segundo o último Censo. Na Zona Noroeste possuí somente no Dique da Vila Gilda cerca de 6 mil famílias vivendo em condições subumanas, do outro lado do Dique, há os bairros Jardim São Manoel e o Piratininga, onde a proliferação de moradias em palafitas sobre o mangue cresce a cada dia, resultado de processos diversos: pessoas fugindo de outras remoções, alto custo de aluguéis… Isto é, devido a crise econômica que atinge, principalmente a população de baixa renda que termina atirada – por necessidade – a ocupar áreas de preservação, deflagrando outro problema, o ambiental. Contudo, o que fazer? E no caso da rua João Carlos, a expansão urbana consolidou-se.

OBS: Acompanhe a série de matérias em textos, vídeos e fotos sobre o caso das remoções no Jardim São Manoel, em Santos, que devido a quantidade de informações estão sendo produzidas em partes e serão publicadas nas próximas semanas.

1. Informação de uma moradora que fez o levantamento.

Logo abaixo Vídeo 1. com relatos de moradores:

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