Celso Barbieri Correspondentes Internacionais

Meditações e lembranças sobre Johnny Hansen

Escrito por Antonio Celso Barbieri

Londres, sábado dia 08 de abril de 2017,

O sábado começa bonito. O Sol, para surpresa dos londrinos, resolveu despontar com toda a sua glória.

Despreparado, sem nenhuma suspeita, ligo o computador e vou ver o resultado da campanha que, ontem à noite, disparei no Facebook para continuar divulgando o meu livro “O Livro Negro do Rock”.

Com incredulidade sou bombardeado por mensagens de pesar. O lendário e querido amigo Johnny Hansen faleceu. Pulo de uma mensagem à outra, desejando que sejam apenas piadas de mal gosto, típicas destes tempos inumanos em que vivemos. Infelizmente, ao contrário dos quase 80% do que é publicado, esta notícia é realmente verdadeira.

Sou inundado por um sentimento de tristeza enorme. Nunca tivemos oportunidade de nos sentarmos em algum lugar tranquilo e abrirmos o coração um para o outro, mas, sinto que perdi um irmão existencial. Todas as vezes que pude conversar com ele senti algo triste e solitário, como se ele tivesse um senso de premonição a respeito do seu próprio destino, um tipo de “Dead Man Walking”. Mesmo quando sorrindo ele ainda parecia esconder este outro lado, típico de quem é diferente, de quem não se encaixa nos padrões normais.

Minha cabeça entrou num estado enevoado e confuso. A luz ensolarada que entrava pela janela aqui do sétimo andar, o canto dos pássaros, o som das pessoas caminhando lá embaixo, assim como o som dos carros foi diminuindo até eu ficar sozinho dentro de mim… sozinho e com um gosto amargo na boca….

“Tenho que postar uma homenagem imediatamente. “ Pensei e agi. Fui escrevendo o que vinha na minha mente:

“Estou devastado! Faleceu Johnny Hansen! Mr Hansen foi sempre uma pessoa muito íntegra, um dos grandes nomes, senão o maior da música eletrônica e industrial brasileira! Guitarrista e vocalista de mão cheia, mesmo à distância manteve-se sempre um grande amigo. Sua banda Harry foi um marco seminal na história do Rock Brasileiro com seu som eletrônico & progressivo esbanjando referências norte europeias. Seus últimos trabalhos mostravam um músico maduro e no domínio da sua arte. Sua história confunde-se com a história de outra lendária banda santista, o Vulcano. Em 85 quando produzi no Teatro Lira Paulistana, dentro do meu Projeto SP Metal, um show da banda Vulcano o caro Johnny Hansen é quem foi o guitarrista. Johnny sempre defendeu que a música Witches Sabbath, um hino do Vulcano era de sua autoria. Com seu ecletismo, ele podia transitar livremente entre o rock extremo e gutural ao clássico e introspectivo. Portanto não é nenhuma surpresa saber que, desde 2014, ele também desenvolvia um trabalho paralelo como guitarrista da banda santista This Fucking Hate. Perdemos mais um gênio do Rock Brasileiro! Em 2015 incluí a música Fallen Angel da sua banda Harry na coletânea São Power que lancei pela Rádio Rock Nation e, neste mesmo ano, em 15 de julho criei um vídeo para uma música desta mesma banda, chamada Sky Will Be Grey (O Céu Ficará Cinza). De fato, para mim, hoje, o céu ficou cinza! “

Quando terminei de postar minha homenagem no Face, fui no Youtube ver novamente o vídeo que, como já disse, fiz para a música Sky Will Be Grey. Tive que conter as lágrimas. Sentia que Johnny Hansen, como eu, era mais do que simplesmente um brasileiro, ele era um “homem do mundo” e sinto muito que infelizmente não tenha conseguido ajuda-lo a tocar aqui. Tenho certeza que, para ele, teria sido uma grande realização pessoal. Lamentavelmente, não tive e não tenho este poder financeiro para executar proezas desta natureza.

“Vamos tomar nosso cappuccino? “
“Celso? “ Era Andrea, minha esposa, insistindo.

Com dificuldade saí do meu universo nublado e confuso, cheio de lembranças do Hansen.

“The show must go on! “ O negócio é tentar levar a vida com a normalidade de sempre. Pensei.

Na rua, todo mundo parecia ter percebido que um dia tão bonito como este não poderia passar despercebido. Muitos turistas, casais com crianças, gente tranquila, todos aproveitando o Sol, coisa rara aqui nesta época do ano. Normalmente, simplesmente olhando da janela, diria que este era “um Sol de bobo”. Quer dizer, geralmente parece lindo, mas lá fora está um frio danado. Hoje, não! Dá até a sensação ilusória de que o verão já chegou.

Moro em Old Street e caminhamos mais ou menos um quilometro até Angel. Caminhei silenciosamente, meditando e às vezes confidenciando minhas memórias do caro Hansen com Andrea.

Como sempre fui uma pessoa musicalmente bem eclética, pessoalmente, já conhecia, desde o seu começo, a sua banda Harry. Ainda tenho os dois vinis lançados pela Wop Bop. Um de 1987 e outro de 1988. Aliás, o da foto acima lançando em 1988, possui na minha opinião uma das mais belas capas do Rock Brasileiro.


barbieri and harry album
Barbieri exibindo seu álbum da banda Harry comprando em 1988.

Com disse acima, a história de Johnny Hansen confunde-se com a história banda Vulcano.

Em 1985 produzi na capital de São Paulo, o primeiro show desta banda. Aconteceu no hoje extinto Teatro Lira Paulistana. A banda participava do meu Projeto SP Metal. Leiam abaixo este texto extraído do meu livro O Livro Negro do Rock:

Vulcano – Projeto SP Metal (1985)

Eu não conhecia o som do Vulcano. Sabia que esta banda, assim como uma outra chamada Santuário, eram originárias da cidade de Santos. Sabia também que se tratava de uma banda do tipo extrema e imaginava que o som deveria ser mais ou menos na linha da banda paulista Korzus. Naturalmente estava curioso. No dia do show os músicos chegaram meio calados, sinistros. Eu me comunicava apenas com Zhema que, além de ser o líder da banda, era um tipo bem organizado e profissional. Portanto, não dei muita atenção aos outros músicos.

Minha memória é meio vaga, mas lembro-me dessa pessoa, antes do show, à meia-luz, andando pelo palco. Ele era um tipo escuro, meio arcado, parecia corcunda, sem camisa e com grandes cicatrizes parecendo queimaduras pelo corpo. Carregava um saco nas costas, parecia que carregava ossos humanos. No final espalhou-os pelo chão. Coisa bem macabra. Nessa noite o Teatro Lira Paulistana pela primeira vez estava com um clima bem carregado, pesado mesmo.

Quando a banda entrou no palco, o guitarrista usava um traje vermelho com capuz parecendo um monge satânico e diabólico, e o vocalista Angel, um músico alto, magro e ameaçador, usando duas enormes pulseiras cheias de pregos pontudos, já veio do camarim com o seu microfone Shure preso a um grande osso velho e amarelado parecendo um fêmur humano.

Curiosamente o instrumental da banda variava de Hard Rock com pitadas de Heavy Metal a Black Metal com o vocal gutural o tempo todo. Muito embora o som da banda variasse em estilo, ele foi brutal e extremo do começo ao final do show. A guitarra era bem pronunciada com distorções que se fundiam com microfonias intermináveis criando, tirado as devidas proporções, até um certo clima psicodélico.

O show da banda foi diferente, único. O show do Korzus era mais direto e o do Vulcano parecia que escondia algum segredo, alguma coisa hermética. Na verdade, confesso que fiquei mais preocupado foi com a possibilidade da presença surpresa da polícia porque, até explicar de onde tinham surgido aqueles ossos humanos, como responsável pelo projeto, já até podia imaginar-me entrando numa delegacia de polícia.

Quando o show acabou, como responsável pelo projeto tive que ficar no teatro até que todos os músicos se retirassem. Estava na porta do teatro supervisionando a retirada do equipamento quando notei esse rapaz jovem, de rosto meio gordinho e saudável, cabelos bem curtos e expressão relaxada. Ele não usava nenhum adereço de rock e mais parecia um músico de alguma banda pop. Saía tranquilo puxando um amplificador. Fiquei curioso e, incrédulo, perguntei-lhe se ele era o guitarrista da banda. Com um sorriso amigo ele confirmou. Então, fiquei sabendo que o nome dele era Hansen e que ele era também o guitarrista da banda eletrônica santista Harry. Ele mostrou-se uma pessoa bem inteligente e esclarecida. Explicou que a proposta da banda era simples. Ser a mais radical possível. “Se o público quer o demônio então damos o demônio!”, foram suas últimas palavras…

Quanto aos ossos humanos, se minha memória não me engana, parece que algum tempo depois foi noticiado em algum jornal que a banda tinha tido problemas com a polícia por terem invadido túmulos em um cemitério.

Quase 30 anos mais tarde, Zhema, o líder da banda, confirmou-me que a banda realmente tinha tido problemas com os ossos humanos e que, segundo ele, na verdade esses ossos tinham vindo de uma Faculdade de Medicina. Aparentemente, o baterista, quando entrevistado, só para criar um clima, disse que os ossos tinham sido roubados de um cemitério, o que causou uma série de problemas para a banda.Se é verdade ou não, nunca saberemos. Aliás, o começo do Vulcano está ligado a um grupo de teatro chamado Satanic.

Satanic

Esse grupo foi criado e liderado por Jasper Lopes Bastos. Seu trabalho envolvia música e teatro e tinha a vaga aparência de uma missa pagã. Num certo momento da peça, ao som da banda de apoio tocando, um grupo de pessoas vestidas com trajes e capuzes vermelhos entravam no palco carregando um caixão de defunto de verdade, contendo o nosso amigo Jasper dentro.


jasper and hansen
Jasper Lopes Bastos e Johnny Hansen

Muito embora o grupo Satanic não tenha influenciado Vulcano em termos esotéricos e nem mesmo em termos de som, esse grupo foi o celeiro de onde sairiam vários músicos para tocar no Vulcano. Isso aconteceu pela simples razão de Satanic, na Praia Grande (SP), ser um projeto que aglomerava o pessoal mais artístico e roqueiro do lugar.

O vocalista Angel era apenas um ator nessa peça onde Hansen também teve uma breve participação. Aliás, segundo Hansen, a vestimenta vermelha que ele usou no show do Teatro Lira Paulistana em 85 foi justamente uma das que foram usadas para carregar o caixão na peça. Ainda, segundo Hansen, havia nessa peça uma mesa com um furo no meio onde a cabeça de Angel aparecia, criando a ilusão de que tinha sido decepada. Hansen também disse que foi do Satanic de onde vieram os ossos humanos. Do Satanic ainda sairia o baterista José Piloni que participaria no Vulcano do compacto On Pushne Namah e seu irmão Laudir Piloni que viria a tocar bateria nos álbuns Live! E Bloody Vengeance desta mesma banda.

Bom, estas lembranças retornaram na minha mente com força total até que, já em Angel, parei numa livraria. Automaticamente vasculhando, como de costume, as ofertas empilhadas num balcão ao Sol na frente da loja, deparei-me surpreso com 4 livros de autoria de Phillip K Dick o meu autor de ficção científica predileto. Comprei todos! Dentre eles havia um chamado Flow My tears, The Policeman Said (Derrame Minhas Lágrimas, Disse o Policial). Já faz um tempo que acredito no poder da “sincronicidade” que, através de coincidências, mensagens são transmitidas para aqueles que estão treinados e preparados para recebe-las.

Neste livro, antes de começar a história, numa primeira página, está escrito:

“Flow my tears,
fall from yours springs!
Exiled forever
let me mourn;
Where night’s black bird
her sad infamy sings,
There let me live forlorn. ”

“Derrame minhas lágrimas,
caia das tuas fontes!
Exílio para sempre,
deixe-me chorar por esta morte;
Onde o pássaro preto da noite,
sua triste infâmia canta,
Deixe-me viver desamparado. “

É como se o livro dissesse para mim: “é normal chorar, deixe as lágrimas jorrarem…”

Ainda com a introdução do livro martelando na minha cabeça, entramos num supermercado. Andrea foi lá dentro comprar algo para o almoço enquanto eu fiquei na entrada, na parte reservada aos jornais e revistas.

Quem decepção! A Inglaterra parece que vive cercada por uma redoma de vidro. Em todas as manchetes, o mundo lá fora parece estar entrando na Terceira Guerra Mundial! Temos um louco como presidente dos Estados Unidos e vários outros dementes pelo mundo afora (inclusive no Brasil). Tivemos outro ataque terrorista, agora em Estocolmo, na Suíça, onde a moda parece ser pegar um veículo qualquer e sair atropelando indiscriminadamente gente inocente…

De dentro do supermercado, olho para a rua e, como num mundo de fantasia, contraditoriamente, lá fora, o Sol brilha e todo mundo está feliz como se nada estivesse acontecendo. Parece a calmaria antes do Tsunami! Tenho vontade de chacoalhar a cabeça. Minha mente oscila entre a “calma do dia”, Johnny Hansen, Terceira Guerra Mundial e, neste momento, outra memória dele vem à tona:

Um dia, lá pelo meio dos anos 80, visitando uma outra galeria próxima das Grande Galerias (Galeria do Rock) deparei-me com uma loja de discos muito estranha. Apesar de existirem muitos discos pelas paredes, o centro da loja era ocupado por um caixão de defunto. Dentro dele, o mesmo era coberto por aproximadamente um palmo de areia onde CDs eram encaixados de forma aleatória. Por cima do caixão, talvez para evitar as mãos dos curiosos, arame farpado era cruzado em várias direções criando um visual perigoso e porque não dizer, gótico. Esta “instalação” passava um clima meio de trincheira que me lembrou imagens da Primeira Guerra Mundial.

Em pé lá no balcão da loja, de olho na situação, lá estava o nosso amigo Johnny Hansen. 🙂

Não me recordo mais da nossa conversa. Só sei, de uma forma um pouco distante e respeitosa, foi a primeira vez tivemos um bom papo.

Caro amigo Johnny Hansen, se você tiver passado para uma outra realidade ou dimensão e puder saber o que está acontecendo aqui, quero que saibas que sua vida não foi em vão e que você deixou sua marca e muitos amigos! Sua mensagem continuará através da sua música! Descanse em paz!

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