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O Rock & Roll antes de Elvis Presley ser coroado rei e as verdadeiras origens do gênero

por Alex Valenz

Guitarrista de blues T-Bone Walker nos anos 30, um dos precursores do Rock & Roll (Foto: Frank Driggs Collection/Getty Images)

Qual foi a primeira gravação de Rock & Roll de todos os tempos? Quando, onde e com quem este gênero nasceu? Quais os estilos e artistas que influenciaram a chamada primeira geração do rock? Essas e outras perguntas, você encontra a seguir.

Segundo o Rock & Roll Hall of Fame, o rock ‘n roll nasceu “oficialmente” em 5 de julho de 1954, quando Elvis Presley gravou, no estúdio da gravadora Sun Records, em Memphis, Tennessee, a canção That’s All Right Mama (cover de um Rhythm & Blues de Arthur Crudup, originalmente gravada na cidade de Chicago, em 1946). Apesar de não ser exatamente o nascimento do rock, essa data realmente representa um marco na história da música.

O inédito fato de um jovem cantor branco gravar uma “Race Music” – como era denominada a música negra da época – causou um grande impacto no público branco. Pode-se dizer que, a partir deste momento, foi iniciada uma verdadeira revolução musical e comportamental, que abriu portas para o surgimento de outros garotos pelo país a fora, que apostavam nesta mistura de R&B e country, que hoje se conhece como Rockabilly.

Na época, o gênero ainda não levava este nome, pois era geralmente descrito como “Country Blues”. Geralmente, canções Blues ou Rhythm & Blues, tais como All by my self, de Fats Domino; Train kept rollin (abaixo), de Tiny Bradshaw; Mistery Train, de Little Junior Parker; e My girl is red hot, de Billy the Kid Emerson, eram tocadas em um ritmo mais acelerado e, geralmente, com uma linha de baixo típica da country music.

Mas, para traçar a origem do Rock & Roll, temos que voltar até os anos 20, quando começou a se tornar popular o Boogie Woogie, que teve seu auge durante a segunda guerra mundial. O gênero contava com elementos chave do que viria a ser o Rock & Roll, o Walking Bass, (linha de baixo característica do estilo, que o pianista de Boogie faz com sua mão esquerda enquanto sola com a direita), e o formato de 12 compassos e 3 acordes básicos.

Inicialmente executado somente ao piano, o Boogie Woogie é, primordialmente, uma música para dançar e surgiu em comunidades afro-americanas (basicamente no Texas) por volta de 1870, mas começou a se popularizar no final dos anos 20 no restante do país.

Seus primeiros registros fonográficos são do início dos anos 20; a gravação de Jimmy Blythe, em 1923, foi Tin Roof Blue, que apresentou o primeiro solo completo do gênero. Já o primeiro hit foi Pinetop’s Boogie Woogie, de Pinetop Smith. Lançada em 1929, foi também a gravação que deu o nome ao estilo, que, até o final da segunda guerra, se tornaria uma verdadeira febre na América.

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Em 1938, foi produzida uma série de shows chamados de From spirituals to swing, promovidos no pomposo Carnegie Hall de Nova Iorque, pelo produtor musical John Hammond. Este show teria a participação do pianista Pete Johnson e seu parceiro, o cantor Big Joe Turner, que, enquanto estavam em Nova Iorque, gravaram, pelo selo Vocalion, o clássico que pode muito bem ser considerado o primeiro disco de Rock & Roll: Roll ‘em Pete (apesar de discos anteriores conterem alguns elementos do gênero).

Logo depois do sucesso destes shows foi natural que as grandes orquestras de Swing e Jazz, incluíWoogie em seus repertórios, tais como, Duke Ellington, Lionel Hampton, Cab Calloway, Harry James, Glenn Miller, Will Bradley & Tommy Dorsey, que teve um estrondoso hit com um rearranjo de Pinetop’s Boogie, agora TD’s Boggie Woogie, ainda em 1938.

Nos anos 40, com as dificuldades financeiras provocadas pela guerra, as grandes orquestras foram perdendo espaço e, então, muitos de seus músicos formando bandas menores, migrando para um estilo emergente e que, geralmente, era composto por guitarra, baixo acústico, bateria, piano e 4 ou 5 metais. Como o Boogie, o Rhythm ‘n Blues – conhecido ainda como Race Music, Blues Bop, Jump blues e R&B – também era oriundo dos guetos negros de cidades como Nova Orleans, Memphis, Nashville, Los Angeles, Cincinati, Chicago e Nova Iorque.

Este, sim, o estilo em que o DJ Alan Freed batizaria, em 1951, de Rock & Roll (gíria dos negros que se refere ao ato sexual, termo já usado em músicas desde o final dos anos 20) e que contava com as mesmas características do Boogie Woogie, além da batida que o definiria, o chamado backbeat (levada de bateria com batidas de caixa no segundo & quarto tempo do compasso), e também por solos na sua maioria de saxophone.

Dave Bartholomew e Fats Domino (Foto: Reprodução)

Dave Bartholomew e Fats Domino (Foto: Reprodução)

Um dos principais senão o maior idealizador deste formato musical foi o grande produtor, trompetista, compositor e band leader de Nova Orleans, Dave Bartholomew, que descobriu, produziu e tocou com grandes nomes como Fats Domino, Lloyd Price, Smiley Lewis, Roy Brown e muitos outros, gravando sempre no lendário estúdio J&M de Cósimo Matassa, onde foram captados uma enormidade de clássicos, com talvez a mais notória banda de estúdio da história do R&B.

Este novo estilo espalhou-se rapidamente pelo país, chamando à atenção de jovens empreendedores brancos, que, de maneira pioneira, montaram pequenos selos e estúdios para explorar este mercado – pouco explorado até então -, tornando-se muitos deles lendárias gravadoras independentes.

Nomes como os irmãos Bihary (Modern Records, LA), Sam Phillips (Sun Records, Memphis), Sid Nathan (King Records, Cincinati), Ahmet Ertegün (Atlantic Records, NY), Chess Brothers (Chess Records, Chicago), Brothers Mesner (Alladin Records, Hollywood), Art Rupe (Specialty Records, Los Angeles) e Lew Chudd (Imperial Records, Hollywood), criaram, assim, um grande mercado afro-americano e com cada vez mais rádios, clubes e selos específicos.

De 1944 a 1954, este segmento foi dominado por uma série de cantores e cantoras que seriam realmente os percursores diretos do Rock & Roll, os chamados “Blues Shouters”: Big Joe Turner, Roy Brown, Wynonie Harris, Tiny Bradshaw, Billy Wright (The Prince of Blues), Jimmy Whiterspoon,T Bone Walker, Ike Turner, Jimmy Liggins, Louis Jordan, Ruth Brown, Helen Humes, Julia Lee, Annie Laurie, Lula Reed, Faye Adams, Mabel Scott, entre outros.

A exemplo da canção, anteriormente citada, Roll em Pete, neste período surgiram varias gravações, que, de acordo com os pontos de vista de seus respectivos criadores, seriam consideradas “a primeira” música de Rock & Roll. No entanto, o assunto é tão polêmico e subjetivo que, em anos recentes, foi lançada uma caixa de CDs com 82 gravações postulantes ao título de primeiro rock.

Entre as principais: Caldonia, de Louis Jordan, 1945; Honey Dripper, 1945 Joe Liggins; Good Rockin’ tonight, 1948, Roy Brown; The fat man, 1949, Fats Domino; Rock the joint – Jimmy Preston, 1949; Goin’ to have myself a ball, 1950, Tiny Bradshaw; Rocket 88, Jackie Brenston & His Delta Cats, 1951; Lawdy miss Clawdy, 1952, Lloyd Price, entre outras.

Bill Haley & the Saddlemen regravou com exito Rock the joint, em 1952, sendo um dos primeiros artistas brancos a gravarem R&B. Então, é seguro dizer, que no verão de 1954, quando Elvis Presley entrou no estudio da Sun Records para gravar seu primeiro single, That’s all right Mamma & Blue moon of kentucky, o Rock & Roll na verdade já era um veterano que, através de Elvis, Bill Haley, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e muitos outros que se seguiram, quebrou as barreiras raciais e sociais, tornando-se um estilo dominante no mercado fonográfico mundial.

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Foto: Reprodução

Apenas nunca podemos esquecer (o que muitas vezes acontece) dos grandes artistas que vieram antes deles e que realmente pavimentaram esta estrada, numa época em que este tipo de música era, infelizmente, marcado por muito preconceito.

Sob muitas dificuldades, esses pioneiros criaram esta música imortal e a levaram até uma nova geração, que, por sua vez, também pode ser chamada de pioneiros por terem, numa América muito racista e preconceituosa, quebrado barreiras e tornado o Rock & Roll o estilo musical mais duradouro e consumido de todos os tempos.

Nos dias de hoje, restaram apenas alguns poucos representantes vivos do R&B do final dos anos 40 e começo de 50, todos na faixa dos 90 anos, ou próximos, tais como os aposentados Fats Domino, Billy The kid Emerson, Helen Hayes, Dave Bartholomew, e em atividade, Maryland Pierce (vocal dos 5 keys), Big Jay Mcneely e o mais jovem deles, Lloyd Price, com 82. Em futuras matérias, traçaremos perfis dos principais artistas do Rhythm & Blues, com dicas de álbuns, vídeos e outras curiosidades.

Para fechar, alguns CDs essenciais para mergulhar nessa viagem pré-Elvis, aqui vão alguns:

Blues & Rhythm Series Classics: The Chronological – da gravadora French Classics Records (190 volumes)

Bump Jump Jive do selo Lucky (14 volumes)

Rhythm & Blues Goes Rock ‘n’ Roll do selo International Music Company (30 volumes)

Big Joe Turner – Big bad & blue (3 cds)

Rhino Louis Jordan – Let the Good Times Roll: Anthology 1938-1953 (9 cds)

Bear Family Roy Brown – Saturday Nite da El Toro

Wynonie Harris Lovin’ machine – Ace Records

Dica: A Ace Records do Reino Unido e a Bear Family da Alemanha possuem um extenso catálogo de lançamentos, cobrindo os R&Bs dos selos Modern, King e Sun entre outros.

 

Fonte: Universo Retro

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