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Trinta e um de Janeiro

Foto e texto de Ailton Martins *

 

Trinta e Um de Janeiro

Escrevo de madrugada após finalizar um trabalho que insistia em dar errado. Mas às vezes os equívocos existem mais em nossas cabeças que no chão que pisamos. Tenho que lhe alertar que, talvez, essa seja uma carta sobre tristezas; desabafo… porque é assim que me sinto hoje, neste último dia de um mês que é apenas o primeiro do ano. Sabe, tem dias que a gente não consegue nem soltar a represa contida no peito, aí tem que respirar e segurar tudo no corpo porque nem desaguar vale a pena, poderíamos morrer sozinhos e afogados. Essa última semana foi bem dura, além das pedradas e das facadas diárias ainda acertaram pessoas queridas, e isso dói. É um tempo onde a empatia somente vale para si, ou para o nicho inserido. Como se não bastasse, agora pouco li uma matéria que no Amazonas o estado de calamidade segue com a falta de oxigênio. Pessoas continuam morrendo, em maioria, as pobres. É impressionante a situação em que chegamos, nosso país está esfrangalhado, estamos no ranking dos países que pior lidaram com a pandemia, mas há quem defenda um facínora na presidência. Tipo de gente moralista, hipócrita, ignorante e mesquinha, propaga que o vírus não é letal ao tempo que fura fila pra tomar a vacina. E não tem pra todo mundo, não há planejamento concreto, não tem nada, somente morte. Um amigo, conseguiu resistir, às duras penas, depois de dois meses, está cheio de sequela, vai viver, é mais um sobrevivente como nós.

Além da peste sanitária que está tomando nosso país, existe a peste da ignorância, da indiferença e da barbárie tumultuando.

Às vezes me pego a perguntar, até quando? Tenho buscado me caber dentro de minha insignificância e dar conta da materialidade. Mas tem sido difícil. Se antes para mim a vida se resumia em pagar as contas, hoje, conto os dias e as horas que continuarei respirando, e cada avanço é uma vitória no meio dessa guerra que eu nem sei mais quem é o inimigo, onde ele está, de onde virá o tapa. Outro dia, me disseram que continuar lembrando de feridas é reforçar a dor. Sinceramente, eu não tenho ideia, pois se eu tivesse certeza de algo, arrancaria todas as partes que me ferem. A verdade é que fracassei, em tudo, e fiquei parado no tempo, acordando sempre no mesmo dia, sempre num janeiro quente, conflituoso, trágico e perverso que me sobrecarrega. Tenho que lhe dizer, camarada, queria não me lembrar, mas tudo isso começou em janeiro.

Espero que tudo passe logo, a gente sobreviva e assim possamos nos encontrar, e ir àquele Café no centro que você gosta tanto, juntar as pessoas queridas e celebrar a vida, você sabe né, o quanto gosto de encontrar pessoas pra não fazer nada, além de rir e partilhar. Precisamos voltar a respirar. Vai me dar força, no meu caso, eu tenho uma longa viagem a fazer. Como lhe disse, estou planejando me retirar por um tempo, preciso construir um espaço onde eu possa cuidar de mim, das plantas, quiçá, eu construa algo e prove pra mim que não perdi minha integridade, mesmo com todas as falhas. Pois é, camarada eu lhe falei, tive tantos tropeços nessa caminhada chamada vida que às vezes minha alma quase aceita todas as imputações sem defesa. Honestamente não estou mais interessado em guerras, preciso de paz, preciso viver sem esse mês de janeiro cravado em mim.

Até mais.

 

* Este texto faz parte de uma série de crônicas publicada pelo autor no seu perfil no Facebook.

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