Por Claudia Komesu
No final de semana do dia 30/set fui conhecer um local famoso entre os birdwatchers brasileiros, o Hostel Mochileiros, no Guaraú. O Guaraú é um bairro de Peruíbe (litoral paulista) que ficou conhecido graças ao trabalho do ornitólogo Bruno Lima e do biólogo Fabio Barata, que há vários anos mapeiam a região e compartilham os registros e fotos.
Essa região de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá abriga uma enorme biodiversidade, com mais de 380 espécies de aves registradas. É reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente como uma das áreas prioritárias para conservação, e a BirdLife International a classificou como IBA (Important Bird and Biodiversity Area).
Há vários anos Bruno Lima e colegas tentam articular a criação de uma unidade de conservação em Itanhaém e Mongaguá, o Parque Estadual Restingas do Rio Preto e Aguapeú, mas é um trabalho bastante complexo. Em 2015 iniciei um pequeno material de divulgação com o Bruno, mas não terminamos.
Apesar dessa riqueza biológica, neste ano reportagens da CBN, G1, Folha de S. Paulo, Diário do Litoral mostraram que, após escapar de ser destruída pelo projeto do Porto de Eike Batista (2014), a região corre um novo risco: a construção de uma termoelétrica.
São tantos argumentos que mostram os riscos e prejuízos pra região que em vez de escrever sobre o assunto, selecionei vários trechos das reportagens, se você quiser pode ver abaixo. Em resumo os contras são: desmatamento, poluição, chuva ácida, risco de tragédia ambiental, invasão de terras indígenas e de Unidades de Conservação, fim da vocação ao ecoturismo, favelização e criminalidade, falta de comprovação sobre a real necessidade do empreendimento, por que investir R$ 5 bilhões em uma forma de energia poluente que contribui pro desequilíbrio climático?
Os pontos a favor? A população local considera que os poucos empregos que serão gerados não compensam todos os pontos negativos. Mas o governo Estadual e a Cetesb discordam, porque têm defendido e tentado agilizar ao máximo a aprovação do projeto.
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As fotos deste post foram feitas durante o passeio no Guaraú e em Itanhaém, na região onde moram os papagaios-de-cara-roxa. Não estava fácil pra birdwatching, nem pra fishwatching (mar virado, água turva demais), mas em Mata Atlântica há diversão infinita. Das aves, destaque para o papagaio-de-cara-roxa, bico-assovelado, choquinha-cinzenta, macuru-de-barriga-castanha, pintadinho, juruviara, trinta-réis-grande, trinta-réis-real, a caburé mais linda que já fotografei em luz de fim de tarde, um guará embrenhado na vegetação, mas sempre emocionante vê-lo. Tentamos o sabiá-pimenta, o papa-formiga-da-grota, a calhandra-de-três-rabos, e o gavião-pombo-pequeno mas não conseguimos. Na manhã da segunda-feira, quando saí sozinha antes de voltar pra São Paulo, ouvi uma araponga mas não consegui ver.
Fotografei aranhas espetaculares e fiz meu primeiro fishwatching em água doce, num ponto muito bonito que o Fabio conhecia. Não havia uma grande diversidade de espécies, mas foi a primeira vez que pude observar um pouco da vida de lagostins e pitus. O único problema era o frio, mesmo com colete, meias e luvas de neoprene a água era fria de ficar arrepiada ao tempo todo, não consegui ficar mais do que 40 minutos.
O papagaio-de-cara-roxa
Pra quem não sabe, o papagaio-de-cara-roxa é uma espécie ameaçada de extinção que só existe no Brasil, em faixas litorâneas de São Paulo e Paraná. A espécie é monitorada pela Sociedade de Proteção à Vida Selvagem – SPVS http://www.spvs.org.br/censo-populacional-papagaio-de-cara-roxa-2017/. Em 2003 a estimativa era de apenas 3 mil papagaios. O censo de 2017 contou mais de 7.000. É uma notícia boa, mas ainda é preciso ficar em alerta porque as regiões em que os papagaios vivem estão sob constante ameaça de desmatamento, além do tráfico de animais, que inclui a prática de colocar anilhas falsificadas em filhotes pequenos (que depois serão vendidos como se fossem animais nascidos em cativeiro), e às vezes os pais tentam arrancar o objeto estranho e acabam matando o filhote.
Além da SPVS, soube de um pequeno núcleo de biólogos que têm se dedicado à preservação do papagaio na região de Itanhaém, o CEB – Centro e Estudos Biológicos. Eles compraram uma área onde fica um dos dormitórios e estão reflorestando a região com árvores boas para a alimentação dos papagaios. https://www.facebook.com/profile.php?id=100016615682608. Fiz uma pequena doação de dinheiro pra eles, e acho que todos os birdwatchers que já fotografaram espécies ameaçadas de extinção deveriam contribuir financeiramente para as instituições que trabalham para que elas sobrevivam.
Hostel Mochileiros e o guia Fabio Barata
O Fabio é biólogo da herpetologia, mas acabou se apaixonando pelo Guaraú e por causa disso começou um trabalho de levantamento das aves da região. Ele faz monitoramentos constantes da região e conhece os pontos mais prováveis para ver determinadas espécies, além de saber questões de sazonalidade e melhores horários. Um guia de Mata Atlântica pode reconhecer sons e tocar o playback, mas vai depender da sorte para topar com os bichos. O guia local que monitora a região sabe onde procurar.
Deem preferência para o guia local. Pessoas como o Fabio não só dão duro para mapear os pontos, como também realizam um trabalho de divulgação da natureza na região. Todos do bairro conhecem o Fabio e por causa dele passaram a manter comedouros em suas casas, e agora quando aparece uma serpente ou algum outro bicho, em vez de matar eles ligam e o Fabio vai resgatar. Quando você contrata um guia que só se apropriou dos pontos GPS que o guia local mapeou, ou quando você topa receber coordenadas GPS sem autorização de quem mapeou, você está contribuindo pra uma prática imoral.
Além de guiar, o Fabio tem um hostel no Guaraú, o Mochileiros. Um lugar simples, mas muito acolhedor. Há duas suítes com camas de casal, beliches, banheiros privativos, e duas acomodações numa edícula com vários beliches e banheiro coletivo. Mas você tem que ir lembrando que é um hostel num lugar de natureza, na praia, com pequenos problemas de manutenção, e não uma pousada.
Há uma copa e cozinha coletivas, frutas à disposição (uma bandeja com mamão, maçã, banana). Ele serve café da manhã (suco, iogurte, café, pão-de-forma com queijo, presunto, bolo), e as outras refeições você faz na região, há padarias, pizzaria, restaurantes. Meu favorito foi o Bar do Gonçalo, almoçamos dois dias lá arroz, feijão, salada, peixe empanado, tudo bem caseiro e delicioso.
Além das saídas em terra, o Fabio tem feito saídas pelágicas de sucesso. O famoso ornitólogo Fabio Olmos ensinou ao Fabio Barata as técnicas que ele viu nos pelágicos em outros países, de como atrair as aves marinhas. Essas saídas têm grande procura.
O inverno é a alta temporada para ver aves no Guaraú, nessa época você deve tentar reservar os serviços do Fábio com pelo menos um mês de antecedência. Agora no mês de outubro o hostel está fechado para manutenção, eles voltam em novembro. No verão o Fabio organiza passeios para observar fauna noturna nos rios, e também passeios para fazer snorkeling perto da Ilha Queimada Grande (Ilha das Cobras), um local onde é proibido desembarcar, mas é permitido chegar perto de barco.
O Guaraú é um pequeno paraíso, um bairro com clima familiar, onde todos se conhecem e se cumprimentam. O Gaema proibiu novas construções desde 2008 (mesmo assim ainda acontecem desmatamentos e construções ilegais), e há vários trechos bons pra fotografia de natureza. O Parque Municipal da Restinga do Guaraú e a Praia do Guaraú são lugares muito cênicos.
Gostei muito do Guaraú, do Fabio e da Elen (esposa do Fabio), e recomendo o passeio.
Quem se importa com preservação, por favor, sigam https://www.facebook.com/termoeletricaemperuibenao/, https://www.usinanao.com.br/ e assinem a petição:
Comentários fotográficos
Usei uma Nikon D800 e uma D750, com as lentes 105mm f2.8 e a 300 f4 VR e tele 1.4. Para as fotos aquáticas usei principalmente a Olympus TG3. Estava também com uma Sony RX 100 III com housing, mas era a primeira vez que usava e apanhei muito pra focar de perto, acabei deixando-a de lado e fotografei mais com a Olympus.
O Fabio usou uma Nikon P600, é uma compacta com superzoom. Reparem no baile que ela dá em situações com bastante luz e bicho parado, como o papagaio-de-cara-roxa sob o sol (a foto do Fabio é o bicho pousado com mais close). Mesmo no dia anterior, quando pegamos tempo nublado, olhando pela tela da câmera eu já tinha achado que a foto dele estava melhor do que a minha. A P600 tem um zoom equivalente a 1.400mm, enquanto meu equipamento DSLR tinha 420mm.
A compacta é mais difícil para focar, principalmente em situações de menos luz, e em geral você terá menos agilidade nas cenas de ação (como pegar os papagaios em voo e depois pousando). Mas pra uma cena como a do papagaio sob o sol, ela é bem superior a uma DSLR com 400mm.
O Guaraú é Mata Atlântica de restinga, e no bairro há várias ruas cruzando a mata (é um loteamento), ou seja, em geral você estará em ambientes com mais luz. A trilha onde vimos o bico-assovelado era mais fechada e escura, em compensação foi o lugar onde vimos o guará no final da trilha, e aquele caramujo lindo com concha branca.
Mesmo com toda essa luz, não deixa de ser Mata Atlântica, e várias das minhas fotos estão com ISO 4.000 e velocidades abaixo de 200, às vezes abaixo de 100.
Notícias sobre a termoelétrica de Peruíbe
As audiências públicas estão acontecendo com prazos e frequências incomuns, a ponto do Ministério Público Federal abrir uma investigação. Mesmo com pouco tempo de divulgação, como o tema é grave e afeta a vida de todos os moradores da região, a população tem participado das audiências e se manifestado contra o projeto. Professores universitários da USP, o Ibama, entidades ligadas ao meio ambiente e às causa indígenas expõem diversos argumentos:
– O superintende do Ibama, o engenheiro José Edilson Marques Dias declarou numa das audiências públicas: “Qual é o benefício para a população que mora ali, que vive em paz em seu meio ambiente controlado, quando de repente vem um empreendimento desse porte, com tamanho impacto? Teria de haver uma razão muito forte para isso, como a necessidade de geração de energia, mais ainda não há nada muito claro. É tudo muito fechado em relação a esse projeto. Por isso, o Ibama se manifesta contrário a esse empreendimento. Não existe justificativa técnica conforme a realidade ambiental da região. Esse processo está fadado a erro”http://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2017/08/ibama-e-contra-projeto-de-construcao-de-termoeletrica-em-peruibe
– “A professora Sonia Hess dá aula de gestão ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina e elaborou uma parecer próprio sobre os impactos atmosféricos da termelétrica. Ela diz que o estudo de impacto apresentado pela Gastrading não menciona que a operação da usina vai provocar chuva ácida na região de Peruíbe, degradando um dos últimos pontos do estado de São Paulo onde ainda se encontra Mata Atlântica com cobertura nativa: a Estação Ecológica da Juréia, que fica a poucos quilômetros do local onde serão instaladas as chaminés da usina”. http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/meio-ambiente/2017/08/14/MPF-INVESTIGA-LICENCA-AMBIENTAL-DE-TERMELETRICA-PROXIMA-A-ESTACAO-ECOLOGICA-EM-SP.htm
– Favelização da região, como aconteceu em Belo Monte e Suape. Todas as obras desse tipo atraem muitos migrantes que esperam conseguir emprego, mas não há emprego nem infraestrutura para receber essas pessoas. Expectativa de 15 mil pessoas, sendo que a população de Peruíbe é de 64 mil.
“Diferentemente do que prometiam os governos, a grande maioria dos empregados das construtoras contratadas não eram da região, vinham de toda parte do Brasil. E nada foi feito para realocá-los em outras atividades econômicas. O que gerou, e tem gerado um alto desemprego, resultando em graves problemas nas áreas urbanas dos municípios onde se encontra o Complexo Suape, como a favelização, violência, prostituição, aumento significativo da criminalidade. Além de déficits em áreas como saúde, saneamento, moradia, etc, etc. Nada diferente do que ocorreu em Altamira.”https://www.brasil247.com/pt/colunistas/Heitorccalambrinicosta/293313/Suape-Belo-Monte-esquecida.htm
“Entretanto, para compreender a questão em toda sua complexidade é necessário ir além e se atentar ao encadeamento dos acontecimentos que conduziram à situação de precariedade na região. É analisando, pois, a questão como um todo que não há miopia que impeça de enxergar o efeito da guetização/favelização causado pela chegada da UHE de Belo Monte à região.” http://www.dpu.def.br/noticias-para-slideshow/32737-situacao-de-impactados-por-belo-monte-e-discutida-em-reuniao-em-altamira
– A termoelétrica também vai acabar com a vocação da região para o Ecoturismo. “Em um sistema que estava vocacionado para o turismo e preservação, talvez fosse importante não uma usina de eletricidade, mas um centro de capacitação para atuar na rede hoteleira e no turismo ecológico. A ideia de que você vai construir uma termelétrica do lado de uma reserva preservada não me parece saudável do ponto de vista da vocação histórica do local.”http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/meio-ambiente/2017/08/14/MPF-INVESTIGA-LICENCA-AMBIENTAL-DE-TERMELETRICA-PROXIMA-A-ESTACAO-ECOLOGICA-EM-SP.htm
– “Existem, além disso, questionamentos acerca da concepção do complexo. O químico e engenheiro Elio Lopes, que trabalhou por 25 anos na Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e foi gerente da companhia em Cubatão, esteve numa apresentação recente do projeto na Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos, onde contestou diversos pontos. Um deles é o sistema de refrigeração da usina –aberto, e não fechado–, que utiliza a água do mar para arrefecer o maquinário, e é considerado não só ultrapassado como também “frágil do ponto de vista ambiental”. “Se houver qualquer acidente ou vazamento, os produtos da usina vão direto para o mar”. De acordo com Lopes, o projeto também não detalha como se dará o controle das fontes de poluição do ar. “O parâmetro mais importante nesse tipo de discussão é a capacidade da turbina. Quando questionei o representante da empresa sobre isso, ele me disse que o modelo ainda não estava escolhido”. “Não é possível saber o impacto na qualidade do ar sem que você saiba qual turbina será utilizada”, diz Lopes.” http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/09/1918261-projeto-de-termeletrica-no-litoral-de-sp-gera-preocupacoes-ambientais.shtml