Pandora Papers mostra predomínio do capital que não retorna em produção, observa Ladislau Dowbor. “Escândalo pouco é bobagem”, diz Eduardo Moreira
Por Gustavo Mesquita
Os dois principais responsáveis por combater a desigualdade no país e fiscalizar o sistema financeiro têm conta em paraísos fiscais. E nessa condição, não se pagam impostos e escondem-se recursos, observou o economista Eduardo Moreira nas redes sociais. Moreira referia-se ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e a Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. “E estão promovendo mudanças na lei a seu favor. Escândalo pouco é bobagem”, acrescentou, a respeito das informações sobre contas offshore reveladas por um pool de veículos de informação, na Pandora Papers. Entre eles a revista brasileira Piauí, o espanhol El País e o site Agência Pública, participantes do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês). O escândalo mostra o potencial de acúmulo de riqueza do capital improdutivo, sem retorno algum para as economias e a sociedade.
Não é ilegal ter bens no exterior, desde que sejam declarados no Imposto de Renda. Se o patrimônio superar US$ 1 milhão, deve-se comunicar também o Banco Central. Mas a situação é diferente no caso de servidores públicos como, por exemplo, Guedes e Campos Neto.
Informação privilegiada
O Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000, diz no artigo 5º: “É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo”. Já a Lei 12.813, de 2013, afirma que configura conflito de interesses (no serviço público) “exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas”.
Em artigo publicado em 2020 no Outras Palavras, o economista e professor Ladislau Dowbor, um estudioso do que chama de “capital improdutivo” (tema de livro lançado em 2017), cita dados que apontam a existência de US$ 520 bilhões de procedência brasileira em paraísos fiscais pelo mundo. Ou, como destaca o estudioso, “mais de 2 trilhões de reais que nem produzem, nem pagam impostos”.
Mais riqueza, menos economia
Ao apontar a existência de bilionários cada vez mais bilionários, Dowbor ressalta a relação entre o enriquecimento crescente desse seleto grupo e a paralisia da economia. “O dinheiro não pode simultaneamente alimentar ganhos especulativos e evasão fiscal e financiar investimentos produtivos”, define. Ele observa ainda que, apenas entre março de 2018 e igual mês do ano seguinte, os ricaços brasileiros aumentaram a fortuna em R$ 230,2 bilhões. Ou oito vezes o Bolsa Família. Enquanto a economia brasileira cresce menos de 1%, “nem sequer acompanha a progressão demográfica, implicando uma queda do PIB per capita do país”.
Assim, lembra o professor, atribuir os problemas brasileiros “aos velhinhos que envelhecem demais e criariam problemas no orçamento é francamente um insulto à inteligência elementar”. A menor parte da força de trabalho está formalmente empregada. Cinquenta milhões dos trabalhadores estão “fora do sistema”. Por isso, em vez de (mais) austeridade, a solução passaria por cobrar impostos do capital improdutivo. Isto é, dos que ganham sem produzir.
Produção e consumo
“O empresário efetivamente produtor não precisa de discurso ideológico ou de ‘confiança’: precisa de famílias com poder de compra, para ter para quem vender, e de juros baixos para poder investir. Neste Brasil de grandes parasitas, ele não tem nem uma coisa nem outra”, arremata Ladislau Dowbor.
Durante o dia, as redes sociais – as que sobreviveram à queda generalizada de WhatsApp, Instagram e Facebook – registraram críticas ao comportamento da imprensa tradicional na cobertura do caso. “Já imaginaram o carnaval que a mídia estaria fazendo se um ministro da Economia e um presidente do Banco Central, de um governo do PT, fossem pegos com milhões de dólares em paraísos fiscais?”, questionou o professor Laurindo Lalo Leal Filho.
Pela manhã, Paulo Guedes participou da abertura de evento promovido pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Silenciou sobre o episódio que o vincula a uma conta (Dreadnoughts International Group) nas Ilhas Virgens, aberta em 2014 e mantida mesmo depois de sua entrada no governo. Sua assessoria divulgou que a empresa foi declarada à Receita. Já Campos Neto esteve em atividade da Associação Comercial de São Paulo.
Fonte: Informativo do Sindicato dos Bancários de Santos e Baixada Santista