Recentemente eu tenho feito um curso de audiodescrição. Em resumo, essa atividade serve para ajudar que pessoas que não enxergam a acompanhar um vídeo, uma exposição ou qualquer outra coisa que necessite de recurso visual para ser compreendida. A parte mais interessante desse curso é que, para realizar bem o seu papel, um audiodescritor tem que se colocar no lugar da pessoa cega. Parece simples, mas na prática a coisa complica. Termos comuns para um ‘enxergante’ não fazem o menor sentido para um DV*. Tente explicar o que significa “faixa de areia” para um cego, por exemplo.
Mas a nossa dificuldade de se colocar no lugar do outro só acontece em casos de deficiência? Infelizmente, penso que não! Em conversas com pessoas de diferentes níveis socioeconômicos, de diferentes realidades de vida e trabalho e diferentes construções de vida, há uma grande tendência a tomar a sua visão de mundo como a única possível, não abrindo espaço ao diferente. Vejo amigos que acham que ‘bandido bom é bandido morto’, mesmo quando se trata apenas do ladrão de celular da favela. Eu conheço pessoas que já realizaram assaltos, furtos e, apesar de não defender essas práticas, consigo entender minimamente a lógica e a ‘ética’ que essas pessoas assumem para justificar os seus atos. Da mesma forma, vejo gente que trabalha, se esforça, mas se acha no direito de humilhar trabalhador quando está ‘do outro lado do balcão’.
Fico pensando se essa tendência ao conflito e a incompreensão do outro é algo natural do ser humano ou se esse sistema em que vivemos, de extrema competição e agressividade, é que trouxe isso para as pessoas. Mas o fato é que essa postura é evidente na maioria das pessoas, ainda que em maior ou menor grau. Penso que outro fator que contribui com isso é o individualismo, que vai apagando a importância de trabalhar em conjunto para transformar a realidade. Ultimamente, a galera só vem se juntando quando a Rede Globo convoca.
É fundamental que cada um de nós faça um esforço de ‘enxergar o outro’ para além dos estereótipos, preconceitos e críticas que tenhamos. O bom e o ruim de sermos humanos é que nenhum de nós é perfeito. Em primeiro lugar, temos que reconhecer que cada um de nós é um grande livro de história, com momentos bons e ruins que formaram o que cada um nos tornamos. É uma riqueza imensa em cada um! Reconhecer isso já é, de certa forma, enxergar o outro com outros olhos. Daí pra frente, com boa vontade, respeito e trabalho em conjunto, o mundo se tornará um lugar melhor para se viver.
*DV: deficiente visual