De Ailton Martins
Nesta última sexta-feira (22/02) ocorreu a segunda Audiência Pública na Câmara Municipal de Santos para discutir os impactos da Cava Subaquática construída no canal Piaçaguera, em Cubatão. Organizada pelo vereador Fabrício Cardoso (PSB) a Audiência contou com a presença de diversos movimentos sociais/ambientais, partidos, parlamentares da região, representantes do Ministério Público e do Tribunal de Justiça de São Paulo, institutos, Ongs e associações de pescadores. A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e VLI Multimodal S.A, empresa responsável pelo empreendimento, também compareceram.
Na primeira parte da Audiência foi disposto à Cetesb e à VLI apresentar as devidas justificativas a respeito do processo de licenciamento e da segurança que envolve o material confinado. José Eduardo Bevilacqua, químico e especialista da Cetesb foi quem iniciou a apresentação e pontuou que há muita desinformação a respeito da Cava, portanto, estava ali para desmitificar e garantir à comunidade da Baixada Santista que o empreendimento licenciado pela Cetesb é totalmente seguro.
“Um equívoco quem vem acontecendo insistentemente […] na interpretação dos fatos […] material dragado é um material oriundo de corpos d’ águas […] portanto este material faz parte dessa composição de corpos d’água […] tem se falado muito e, é importante seja eliminado, é a questão: resíduo […] material dragado, a matéria é Conama 454/12 […] resíduo é tudo aquilo que é acompanhado pela norma brasileira NBR 10004 […] são coisas totalmente diferentes, a composição do material dragado é fundamentalmente o quê? Sedimento. E a composição de resíduo é um material resultante da atividade industrial, hospitalar e doméstica… São coisas totalmente diferente que devem ser eliminados dessa interpretação. A segunda questão é a destinação desse material […] o EIA RIMA levou em conta 16 opções de destinação […] e o resíduo se destina a aterros industriais, então são coisas completamente diferentes […] então não tem nada a ver uma coisa com a outra […] o sedimento daquele local nada tem com resíduos, essa é comparação é errada […] Sobre a Cava, esse material não pode ser levado para o oceano, por quê? Porque ele expõe a biota à riscos ecológicos […] Então, tecnicamente esse material tem que ser confinado. Não há uma solução melhor do que essa, pra essa qualidade de material […] esse é o ponto”.
Representante da VLI na Audiência também falou da impossibilidade de um rompimento da Cava devido o monitoramento geotécnico e da importância de sua construção tendo em vista que, essa foi a melhor solução para se efetuar a dragagem do canal Piaçaguera após décadas de material disposto pelo processo de industrialização, em Cubatão.
“graças a dragagem foi possível movimentar navios maiores pelo canal […] e o ano passado cresceu 30% o fluxo de navios […] contudo, a VLI entende que é possível sim trazer benefícios para a comunidade, ambientais, ao fazer uma obra de aprofundamento do canal, como foi feito […] e o mais importante que a profundidade, é a limpeza do canal. O objetivo era a limpeza do canal, que era o mais importante, foi feito […] há documentos que comprovam que nenhum impacto ambiental foi causado com a dragagem”.
Contraponto
Élio Lopes, especialista em Engenharia de Controle de Poluição contrapôs os argumentos da VLI e da Cetesb, apresentando argumentos também técnicos sobre os riscos da Cava. De acordo com Lopes todo o processo de industrialização sempre deixou um passivo gigantesco para a população Cubatense, e as empresas têm por hábito quando questionadas apresentar argumentos como se estivessem produzindo um “bem” para a população, quando a realidade mostra o contrário, acrescentou: “uma imagem vale mais que mil palavras”, apresentando uma foto áerea da região industrial de Cubatão com manguezais e rios poluídos e as fumaças lançadas na atmosfera pela indústrias, alertando:
[…] não há nenhum documento com RT (Responsabilidade Técnica) do engenheiro responsável pelo projeto da construção, e o acompanhamento […] e se amanhã acontecer qualquer coisa com essa Cava, quem será o responsável? […] este material não está confinado, está contido […] e o que há nesta Cava? […] esses materiais no sedimento, todo esses metais pesados foram disponibilizados e contaminando os peixes, ostras, principalmente, eles são filtradores, com valores altíssimo, muito acima do permitido, e essa fonte é da Cetesb 2002 […] aqui, vejam, dioxinas de furanos, poluentes, talvez, mais temidos da face da terra, a gente conhece a questão de dioxina de furanos que remonta a guerra do vietnam, a contaminação do agente laranja […] que até, hoje, causa problemas lá na região […] bom, acho que dá pra situar o que nós vamos ter daqui pra frente”.
Lopes também questionou equívocos administrativos, disse que havia uma deliberação aprovada de construir a Cava num local degradado, contudo, o local onde foi construída, não é um local degradado, tanto que o material retirado para construção foi lançado em alto mar, além de o subsolo marinho da União estar sendo utilizado para depósito de sedimentos, pois a área não é da Ultrafértil, e sim de bem comum da população.
Ministério Público
O procurador da República, Antonio Daloia, presente na 1° Audiência (
leia aqui) voltou a reafirmar a forma como a Cetesb licenciou o empreendimento ignorando as recomendações do Ministério Público.
Tribunal de Justiça
Presente na Audiência, o desembargador Ivan Sartori do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que ouviu atentamente todas as explanações técnicas de ambos os lados, e considerou bastante preocupante o fato da Cava ter sido construída numa área da União, com todas esses equívocos administrativos apontados
“me preocupa a utilização da área da União, sem licitação, sem absolutamente nada […] essa falta de regularidade […] e tem a questão da prescrição […] eu sei que a Cetesb é um órgão de muita responsabilidade […] outra questão é esse conflito entre desenvolvimento econômico e o meio ambiente, nós temos que ter uma desenvolvimento sustentável como manda a Constituição […] de modo que nós precisamos analisar a fundo […] vou levar ao presidente do Tribunal […] me preocupa muito essa questão d do uso do bem da União, um bem comum, sem nenhuma licitação, sem nenhuma vantagem para União, sem nenhuma formalidade […] que pode até configurar improbidade administrativa”.
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Foto: Ailton Martins |
Pescadores artesanais
Marly Vicente do ISAC VP (Instituto Sócio Ambiental e Cultural da Vila dos Pescadores) pontuou em sua fala que muitos dos discursos teóricos apresentados pela Cetesb e pelo empreendedor soavam palatáveis, no entanto, a realidade vivenciada pelos pescadores da região, era completamente diferente, além da poluição no mar que afeta a pesca e obriga cada vez mais os pescadores buscarem seus pescados em locais mais distantes, e muita vezes voltam no término do dia com quase nada da pesca, sem contar o odor presente que somente quem vive próximo ao local pode falar com propriedade. Para Marly o mangue é sinônimo de vida, um berçário e o que está sendo produzido novamente em Cubatão é um ataque à vida.
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Foto: Ailton Martins |
“Cubatão foi conhecida como vale da morte […] morei na Vila Paris e, hoje, estamos vendo Cubatão voltando para trás, não temos nada contra o desenvolvimento, o progresso, eu desejei muito esse momento pra olhar pro empreendedor, e pedir um mínimo de consciência, pense que ali tem cerca de vinte mil pessoas, tem vidas, e tem gente morrendo”
Movimentos
Os movimentos sociais e ambientais que participaram, alguns por meio de seus representantes também fizeram suas considerações, basicamente todos criticando a falta de transparência do empreendedor e questionando a Cetesb pelo licenciamento da Cava como de outros empreendimento nocivos para o meio ambiente.
“essa Cava não tem segurança, essa Cava não tem segurança ela já é o impacto ambiental, é muito complicado vir aqui e ficar escutando toda essa retórica da Cetesb […] tentando fazer com que se perenize esse verdadeiro lixão tóxico no nosso estuário. Cetesb nós não aceitamos isso de vocês, nós pagamos o salário de você para proteger o meio ambiente, para proteger os cidadãos, para proteger a fauna e a flora, então, causa-me indignação ver a Cetesb aqui, postulando contra a população de Santos, é inaceitável isso […] é como já foi falado, o processo tem várias coisas erradas, um processo completamente esdrúxulo, não dá pra confiar em nada do que está escrito ali, então doutor Ivan, eu espero que o Tribunal venha em socorro da Baixada Santista, nós precisamos de uma ação enérgica do Tribunal, isso não pode se repetir em área pública”. coordenador da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), Jeffer Castelo Branco,
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Foto: Ailton Martins |
Um dos pontos mais polêmicos do debate durante a Audiência, foi o fato do local onde a Cava estar construída pertencer à União. De acordo com a advogada e coordenadora da Comissão de Meio Ambiente da OAB Santos, Luciana Schindwein Gonzalez, a informação de que um empreendimento dessa magnitude foi construído em território da União, sem autorização fere a soberania nacional.
Débora Camilo, Psol de Santos, questionou a participação de parlamentares da região que, precisam se comprometer, pois não é somente a Cava que há como um “problema” para a região, por exemplo, existe a questão da transposição de águas do Rio Itapanhaú, em Bertioga, e indagou a deputada federal Rosana Valle e o vereador Fabrício Cardoso, ambos do PSB, pelo fato de Caio França, deputado estadual de São Paulo, parlamentar da mesma legenda, no ano passado ter se posicionado contrário a CPI da Cetesb e de pouco interesse pela discussão, além de se colocar numa entrevista como favorável. Fabrício Cardoso, mediador da Audiência disse que o deputado será questionado pela sua posição, e será registrado em ata a solicitação.
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Foto: Ailton Martins |
A deputada federal Rosana Valle, (PSB) usou da fala para dizer que ambas as teses são convincentes, mas, que está do lado de um desenvolvimento sustentável, com isso tem procurado aprofundar-se no debate.
Fabrício Gandini, diretor do Instituto Maramar, questionou a falta de transparência e prestação de contas da Cetesb ao licenciar um empreendimento ignorando as comunidades pesqueiras da região e permitindo ocupação irregular e danosa no ambiente aquático.
Outros questionamentos foram levantados por parlamentares e militantes sociais e ambientais, logo abaixo Audiência na íntegra.