Olá, caros leitores da Baixada de Fato.
Foi com grande prazer que aceitei o convite do meu amigo Jasper pra escrever uma crônica nesse portal. Jasper e eu somos da mesma geração e temos uma bela trajetória comum entre o final dos anos 70 e começo dos 80, tanto na música quanto no militantismo, engajamento cultural, filosófico e social.
Sai do Brasil em 1983 para estudar no Conservatório Nacional de Paris, e acabei ficando aqui pela França até hoje.
A temática dessa minha primeira crônica, será uma breve retrospectiva da minha trajetória profissional. Espero que ela não soe como um exercício nombrilista, mas simplesmente como um relato de uma experiência interessante que possa trazer informações uteis para artistas e pessoas sensíveis à Arte e Cultura.
Estamos atravessando um período extremamente violento, e creio sinceramente que os valores atemporais da Arte e da Cultura são alicerces fiáveis para reconstruir e restaurar.
Comecei a me interessar pela musica na Praia Grande e obtive meu primeiro diploma de violão no Conservatório da cidade em 1974. Logo em seguida, como meu interesse era grande e que tive o privilégio de ter tido uma mãe musicista, fui para Santos estudar violão clássico, e continuei meus estudos na capital e na Fundação das Artes de São Caetano. Em 1979, comecei a estudar Composição e Regência na Unesp- São Paulo.
Paralelamente aos estudos de violão e de musica, estive na iniciativa da criação de uma escola de arte em Praia Grande. É dessa escola que vou falar nessa crônica de hoje. Posteriormente em Paris também criei uma outra escola de Musica que acabou se tornando a mais importante escola de musicas atuais da França, mas isso sera tema de uma próxima crônica.
Estúdio Expressão 1979-1981
O Estúdio Expressão foi uma espécie de minicentro cultural, que criei juntamente com minha mãe que era uma artista poli instrumentista e uma das figuras de proa da vida artística da Praia Grande nos anos 70.
Já havia começado minha atividade de professor de violão alguns anos atrás, como auxiliar e substituto dela no Conservatório Municipal de Praia Grande, e como minha avo tinha uma casa grande e bem localizada no Boqueirão, decidimos implantar a escola nela, e tornar o Estúdio Expressão um lugar cuja vocação seria favorecer encontros e difusão das artes na nossa cidade, que na época era bastante árida nesse setor., e geograficamente, se situava longe da metrópole rica em atividades artísticas. Sentíamos naquele momento, por um lado uma grande carência e por outro um total desinteresse do município em mudar esse panorama.
Reunimos então alguns dos principais artistas da cidade- Dna Maria Portaro, Jule Barreto, Gilberto Winter, Dona Leni Morato, entre outros, e começamos uma ação comum cujo epicentro era a casa da Dona Amélia, minha avo’.
Nessa época, eu tinha vários colegas talentosos na Unesp, que também entraram na aventura ( ha de se salientar que eu disponha de um argumento de peso: eles podiam passar o final de semana numa agradável cidade balnearia!)
No mês de março de 1979, com apoio integral dos artistas locais e dos meus colegas de faculdade, lançamos o Estúdio Expressão.
O princípio de base era simples: Propúnhamos aulas de vários instrumentos – violão, piano, bateria, baixo, saxofone, flauta, clarinete, mas também pintura, dança e arte infantil. Nos finais de semana, organizávamos também concertos, feiras de poesia, exposições de pintura, conferencias sobre temas de atualidade, cafés filosóficos etc. Organizamos também vários festivais de musica e apresentações em clubes e outras salas da cidade, já que a varanda da casa da vovó era…modesta.
Todas essas atividades eram realizadas sem o auxilio da municipalidade. Talvez teria sido possível que o prefeito da época, nos tivesse ajudado, mas éramos demasiado orgulhosos para pedir. A única atividade que fazíamos em parceria com o município eram as aulas coletivas de musica e violão assim como os festivais que organizamos para o Mobral. Minha mãe era professora de musica municipal, e essa era uma das suas missões.
O Estúdio Expressão foi uma aventura maravilhosa que restara como uma das mais belas paginas da minha existência, onde pude exercer desde os meus 20 anos, as funções de professor de musica, diretor, organizador de eventos e artista solista e acompanhante, no seio de uma equipe competente e plenamente investida em um belo projeto comum.
Com uma certa nostalgia, realizo agora que além do aspecto artístico, foi um grande momento de ação cidadã e de conscientização e integração social
Era o Brasil dos anos 70/80, em plena ditadura, mas com uma profundidade e qualidade artística que vislumbrado com olhos de hoje, me parece coisa de um outro mundo, de uma outra dimensão.
Em 1981, eu ainda estava inscrito na Universidade de São Paulo, e minhas atividades de estudante em Composição e Regência conjugadas com as aulas de violão clássico, absorviam todo meu tempo livre, e com bastante tristeza e remorso, tive que abandonar o Expressão, mas essa incrível aventura ficou gravada em mim e me serviu como pedra angular para construir minha carreira.