Situada no município de Tomazina, no Norte Pioneiro do Paraná, a Terra Indígena Pinhalzinho – comunidade onde vivem cerca de 160 indígenas Guarani – se consolida em um espaço de resistência na região que abriga a maior quantidade de latifúndios do Estado e caracterizado pela monocultura, pela produção mecanizada e pelos altos índices do consumo de agrotóxicos.
Com o objeto de recuperar a floresta degradada e o sistema tradicional de produção baseado na ancestralidade, a comunidade Guarani Ñandeva, que habita o território de aproximadamente 600 hectares, criou um sistema agroecológico focado na sustentabilidade e na produção 100% livre de transgênicos e agrotóxicos.
Desde 2011 é realizada na Terra Indígena a Feira de Sementes Crioulas e Mudas Nativas de Pinhalzinho. Nos dias 25 e 26 de agosto, a comunidade recebeu parentes de outras terras indígenas e visitantes para a quinta edição da feira. Realizado em parceria como o Instituto Federal do Paraná (IFPR), o evento nasceu da necessidade de recuperar sementes tradicionais consideradas sagradas para o povo Guarani.
A feira apresentou a diversidade da produção de sementes; com variedades de milho, feijão, arroz, amendoim e também a produção de tubérculos e ramas como mandioca, batata doce, inhame. “Eu aprendi a guardar sementes com meu pai, que aprendeu com o pai dele. Desse jeito sempre tinha, não preciso comprar sementes, consigo manter a qualidade e posso ajudar outros doando ou trocando as sementes”, diz o guarani Orlando Albino Gabriel.
Resistência
Para compreendermos o significado da Feira para os indígenas é necessário uma retomada do processo histórico da TI Pinhalzinho. Território demarcado em 1986 pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Tekoha tem o DNA da resistência.
Sebastião Mario Alves, cacique da TI Pinhalzinho, explica que os indígenas tiveram um longo trabalho de retomada da produção tradicional. A terra foi alvo de conflitos mesmo após a demarcação devido a invasão de posseiros que criavam gados. “Participei do grupo de resistência que expulsou o último posseiro que aqui morava. Os grileiros impediam que nós tivéssemos acesso a parte de nossa terra demarcada. Fomos perdendo o direito de uso e nossa riqueza cultural, sobretudo a alimentar”.
Até a retirada dos posseiros, a comunidade tinha reduzida a possibilidade de praticar o sistema agrícola tradicional, uma produção que está intimamente ligada ao aspecto de organização social e cosmologia do Povo Guarani na busca da chamada “terra sem mal”. “Nossa proposta é a recuperação de nossa floresta, da manutenção e preservação de sementes fundamentais para garantia da soberania alimentar e o fortalecimento cultural e religioso de nosso povo”, explica Reginaldo Alves, filho do cacique Sebastião e coordenador da feira.
Agrofloresta
A TI Pinhalzinho também se tornou uma referência do sistema de agroecologia por meio do projeto de agrofloresta desenvolvido pela comunidade e a Escola Estadual Indígena Yvy Porã, um sistema de produção baseado no manejo sustentável de recursos florestais, como madeira, cipós, palhas, remédios e também na produção de alimentos para a fauna.
No espaço se desenvolve o projeto Yvy Marae’y, que tem como referência como referência o pesquisador Ernest Gotsh. “O termo agrofloresta é um termo novo para uma prática antiga já utilizada pelos nossos ancestrais. É uma forma de trabalharmos a terra, aproveitando pequenos espaços, produzindo diversas culturas e fazendo a recuperação e conservação do solo”, explica Jefferson Gabriel Dominguez, diretor da escola indígena.
O próprio passo da comunidade escolar será a elaboração de um banco de dados e uma biblioteca de sementes produzidas na terra indígena. “As sementes crioulas são símbolo de resistência, elas resistiram ao contato com outras sementes, a adversidades, aos ataques do agronegócio. As sementes são um movimento de resistência do nosso território, resistem assim como nosso povo”, acrescenta Jefferson.
Marco temporal
A Feira de Sementes Crioulas e Mudas Nativas também foi uma oportunidade das lideranças Guarani de comunidades do Norte Pioneiro fazerem debates sobre o atual momento de ofensiva aos povos tradicionais e a atual ameaça do Marco Temporal, tese político jurídica que estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
A tese ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas. “Nunca fomos prioridade para o Estado, toda conquista e avanço do nosso povo se deu com muita luta e enfrentamento, porém a atual conjuntura é preocupante, pois hoje temos inimigos dos direitos indígenas também no Judiciário”, comenta Marciano Rodrigues, liderança Guarani e coordenador geral da Associação dos Povos Indígenas da Região Sul do Brasil (Arpin Sul).
Edição: Ednubia Ghisi