Pos Silvia Restani.
Fui muitas vezes durante minha infância para Mongaguá, no litoral paulista.
Na época ,meu avô havia construído uma casa distante dois quarteirões da praia e longe uns bons quilômetros do centro da cidade. Um dos nossos vizinhos era um caiçara, cuja casa era de madeira, bem simples.
Vi muitas vezes ele conversar com meu pai e meu avô sobre vários assuntos.
Ele tinha muitas histórias interessantes, a maioria relacionada ao mar.
Certa vez, quando tinha por volta de dez anos de idade , fui queimado por água-viva, no tórax. Bem no meio do peito.
Logo surgiu uma imensa bolha rosada que se parecia com a própria água-viva, depois veio uma dor lancinante e a febre. Não havia posto de saúde próximo.
Passei vários dias convivendo com a dor. Meus pais até quiseram me levar para um hospital no centro de Mongaguá, mas não tínhamos carro e sempre surgiam os palpiteiros de plantão.
Lembro-me de terem sugerido passar creme dental, óleo de cozinha, álcool puro, álcool com fumo, água de sereno, maionese …
A dor não parava e até piorava de acordo com as sugestões. Até que aquele caiçara foi me ver e resmungou: “Vocês vão matar o menino! Ele foi atacado pela noiva do mar, precisa lavar com vinagre…”
Meu pai perguntou o porquê de se usar o vinagre.
Ele já havia me visto sofrer tanto, que não queria mais me usar de cobaia das maluquices que o povo inventava.
Então, o caiçara contou , que a Noiva do Mar era uma jovem, filha de um dos grandes mercadores náuticos de Portugal, prometida para o filho de um homem rico da região de Mongaguá.
O pai do rapaz preparou tudo para que o casamento fosse o maior de todos já vistos, comprou muita comida e vários tonéis de vinho para que não faltasse bebida para a festa que duraria uma semana. Quando tudo estava pronto para a chegada dela de Portugal, aconteceu o pior.
Próximo à costa brasileira , uma tempestade afundou o navio e a noiva morreu. O rapaz, que se casaria por obrigação, ao saber da morte da noiva sorriu, abriu uma barrica de vinho, se serviu e disse que todos fizessem o mesmo.
Assim que a última taça se encheu, ele caminhou descalço até o mar e, quando a água já tocava seus joelhos, ergueu a taça que segurava e brindou sua viuvez de um casamento que nunca aconteceu.
Nesse momento, o espírito da noiva que subia aos céus assistiu a tudo e rogou para que o santo dos marinheiros, São Erasmo, lhe desse uma chance de vingar-se da insensibilidade do noivo.
E assim se fez.
Primeiro o santo azedou o vinho, transformando-o em vinagre, depois lançou uma descarga elétrica que esfacelou o corpo da Noiva do Mar e a transformou em várias águas-vivas , capazes de injetar um veneno que poderia até matar.
Assim que se transformou em águas-vivas, a noiva foi até a praia numa espécie de procissão de animais gelatinosos, até onde seu ex-noivo pisava e as várias águas-vivas lhe causaram graves queimaduras que pareciam descargas elétricas.
Quando notou que o castigo já era suficiente, São Erasmo , o santo dos marinheiros, orientou a noiva que parasse com o castigo, contudo, com o ódio aflorado, ela não obedeceu, levando o seu algoz à morte.
Como punição pela desobediência, o santo dos marinheiros também a castigou e a deixou na forma de água-viva até a eternidade. Segundo o caiçara, a Noiva do Mar ainda está irritada, se julga injustiçada,e cega de ódio não vê a quem ataca.
Por isso, o vinagre serve como antídoto, que a faz lembrar de que sua vingança já aconteceu há muito tempo e assim, tomada de arrependimento, seu veneno aplicado perde o efeito.
Apesar de todo conceito lendário, o vinagre foi um santo remédio, em dois dias eu já estava recuperado.
Isso se explica, pois a substância expelida pela água-viva tem caráter alcalino, que é neutralizada pelo caráter ácido do vinagre.
Até hoje não sei qual espécie de água-viva ou medusa me queimou, mas a lesão provocada, levou um bom tempo para cicatrizar e deixou manchas que ainda carrego na pele.
(Fonte: Lendas urbanas e Folclore brasileiro.)