Por Ailton Martins e Paloma Vasconcelos
Samba-enredo do bloco carnavalesco Eureca (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente) denuncia a violência policial
A pirralhada se uniu para protestar pelos direitos das crianças e dos adolescentes e contra as opressões do Estado na orla da praia de São Vicente, litoral de São Paulo, durante o desfile do bloco carnavalesco Eureca (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente), em 16 de fevereiro.
O samba-enredo deste ano, “Como vocês se atrevem? Apagar minha história, limitar minha memória, massacrar nossa nação”, se baseou em um artigo escrito pela jornalista Eliane Brum que analisa como as infâncias morrem junto com as democrias, fazendo um paralelo entre Greta Thunberg, ativista sueca de 16 anos que fez discursos sobre a emergência climática, chamada pelo presidente Jair Bolsonaro de pirralha, e Ágatha Félix, 8 anos, assassinada pela PM do governador Wilson Witzel (PSC).
A letra do samba levou para as ruas críticas contra as violências sofridas por crianças e adolescentes nas periferias: “somos os desagradáveis, favelados, invisíveis, alvo a ser exterminado. Para o Estado, descartáveis: pretos pobres, os matáveis”.
O bloco Eureca nasceu em 1992 na cidade de São Bernardo do Campo (Grande SP), idealizado pelo Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo. Chegou a São Vicente em 2006, organizado pelo Instituto Calunga Camará. Desde 2012, o desfile ocorre também em Sapopemba, zona leste da capital paulista.
A psicóloga Tayna Alencar, 36 anos, lembra que o Eureca é mais do que um bloco de carnaval, é um movimento social: “O dia do desfile vem coroar um movimento que acontece o ano todo”. Ela avalia que trabalhar com temas pesados, mas de forma lúdica e com brincadeira, é uma metodologia que aproxima as famílias.
“É um movimento de formação, político e cultural, nesse município que representa o país todo, de miséria, com demandas de fome, de falta de moradia, de violência institucional, principalmente de Estado, violência policial, a falta de infraestrutura das escolas aparece muito na fala das crianças”, detalha Tayna.
O objetivo do Eureca é fortalecer a expressão própria das crianças e dos jovens no reconhecimento dos direitos e da luta pelos direitos. João Carlos, presidente do Instituto Camará Calunga, responsável pela organização do Eureca, explica o projeto.
“O lugar da infância tem sido o maior desafio para gente. Queremos mostrar as crianças como produtoras de histórias, de vida, de memória e de lutas pelas conquistas dos seus direitos”, conta João.
Debora Silva Maria, fundadora do movimento Mães de Maio, fala sobre a importância do enredo. “Eles gritam pela vida, a juventude quer viver e o Estado não entendeu ainda, não dá educação, não dá moradia digna, não dá saneamento e renega todos os direitos do cidadão e da criança. Temos que lutar pela vida dessa juventude”.