Por Leandro Barbosa e Paloma Vasconcelos
Povos Guarani lutam pela preservação de árvores nativas e reivindicam parque ecológico onde deverão ser construídos 800 apartamentos
Depois de 40 dias de ocupação, os indígenas Guarani decidiram deixar terreno onde a construtora Tenda pretende erguer pelo menos 800 apartamentos ao lado das Terras Indígenas Jaraguá, nos arredores do Parque Turístico do Jaraguá, na zona norte da cidade de São Paulo.
Foram nove horas de negociação e tensão até que os Guarani decidiram, às 15h desta terça-feira (10/3), desocupar a área localizada a menos de 100 metros da aldeia Guarani.
Nas primeiras horas da manhã, os Guarani já estavam posicionados, aguardando a chegada da Polícia Militar. Às 6h, horário marcado para que a reintegração acontecesse, eles começaram a cantar e celebrar a vida das árvores, a quem chamam de irmãs.
Quinze minutos depois, às 6h15, a PM se aproximou da ocupação ao lado da oficial de Justiça para expedir a ordem de reintegração de posse. Nesse momento, as negociações começaram. Estavam com os Guarani os vereadores Juliana Cardoso (PT-SP), Eduardo Suplicy (PT-SP), Gilberto Natalini (PV-SP) e Eliseu Gabriel (PSB-SP), que ajudaram nas negociações.
O prazo inicial dado pelo coronel PM Bento, que estava no comando da operação, era de que às 6h30 a área deveria ser desocupada, mas as negociações se estenderam ao longo do dia. A exigência dos povos Guarani e dos vereadores era de que o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), se manifestasse e entrasse em contato com a construtora Tenda para suspender a reintegração de posse. Além disso, eles tentavam barrar a reintegração via Justiça estadual.
Os indígenas decidiram ocupar o terreno depois que a construtura derrubou mais de 500 árvores, entre elas exemplares de cedro, árvore sagrada para os Guarani.
Ao longo dos dias, a ocupação ganhou o nome de Yary Ty e diversas atividades culturais foram realizadas. No lugar da construção da Tenda, os Guarani pedem que seja feito um Parque Ecológico gratuito para realização de bioconstrução, agrofloresta, espaço de educação ambiental e preservação da história de seu povo.
A expectativa era de que a PM faria a reintegração de forma violenta, como disse à Ponte a advogada Juliana Valente, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo). “Pedimos que nenhuma violação de direitos humanos acontecesse, mas eles não responderam nem que sim nem que não. Na verdade, foram bastante ríspidos. Notamos que muitos PMs, os que estão com as armas nas mãos, estão sem identificação”.
Sônia Ara Mirim, liderança Guarani, também temia que houvesse repressão policial. “Eles querem reintegrar um povo que resiste há 520 anos, somos populações indígenas. Esse número de policiais para reintegrar uma área onde só estamos preservando a vida…”, lamentou à Ponte.
Os povos Guarani afirmam que a Tenda não respeitou duas legislações federais iniciando a derrubadas das árvores: a Portaria Interministerial nº 60 de 2015, que determina que nenhuma obra possa ser feita a 8 quilômetros de uma terra indígena sem o estudo de impacto ambiental e sociocultural, e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, que garante a consulta prévia aos indígenas sempre que uma obra causar impacto na comunidade.
Outro líder indígena, Thiago Henrique Karai Jekupe, 25 anos, anunciou por dois momentos que haveria resistência dos Guarani. No início da manhã, ele chegou a dizer que a juíza estadual que decretou a reintegração havia decretado a morte dos Guarani. Mais tarde, ele e outros indígenas subiram em uma árvores e afirmaram que resistiriam: “Se a árvore tombar, a gente tomba com ela”.
Às 15h, foi Thiago quem anunciou que os Guarani tinham chegado em um acordo com a PM e que sairiam de maneira pacífica do local. Mas, como a ordem judicial falava apenas do lado interno do terreno, eles decidiram, então, construir um acampamento em frente à ocupação.
“Eu liguei para o celular do prefeito Bruno Covas, mandei mensagem, mas ele não quis atender, foi omisso. Era interesse da Prefeitura e da Tenda que houvesse um conflito aqui, para nos criminalizar, nos colocar em uma situação de risco”, explicou a liderança à Ponte.
“Quando o prefeito virou as costas, como um bandeirante que ele é, a gente decidiu não confrontar a polícia. Decidimos que iríamos trazer a ocupação para o lado de fora e vamos continuar na resistência para que a Tenda não agrida mais o meio ambiente”, ponderou Thiago.
A advogada Gabriela Pires, que representa os povos Guarani, explicou à Ponte quais são os próximos passos. Ela conta que foi acordado com a PM que uma viatura ficasse em frente ao local para garantir que as ordens judiciais, tanto do lado dos Guarani quanto da construtora, fossem cumpridas.
Uma das ordens, segundo Gabriela, proíbe que a Tenda faça qualquer manejo arbóreo, ou seja, não poderia derrubar nenhuma árvore do local até segunda ordem. A outra, que é do âmbito federal, fala sobre o comprometimento da construtura em não realizar nenhuma atividade até o dia 6 de maio, dia da próxima audiência na Justiça federal.
“Nesse dia, falaremos sobre essas ações, que versam sobre a competência da Justiça federal no tema, sobre direito ambiental e direito indígena, além de falar sobre todas a entidades que deveriam ter sido ouvidas antes, como o Ibama, a Funai, a Cetesb, entre outras”, explica a defensora.
“Até essa data eles têm que ser ouvidos e vamos juntar outros contextos comprobatórios para mostrar a intransigência da Justiça estadual e da Tenda”, conclui Gabriela.
O rapper guarani Wera MC, 24 anos, que faz rimas contra a violência do Estado contra os povos indígenas, critica a decisão de reintegração de posse. “Nenhuma árvore será tomada com um guerreiro de pé”.
“Eles não respeitam as leis que foram criadas. Isso era uma questão política, não de polícia. Estamos aqui em defesa da natureza, do meio ambiente e vamos resistir sempre. É pensando no futuro da sociedade que lutamos. Se acabar as árvores, já era. A gente tá lutando contra o próprio fim da humanidade”, defende Wera.
‘É preciso mudar a política habitacional da cidade’
Para Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, é preciso mudar urgentemente a matriz da política habitacional da cidade. “Mesmo nas áreas mais distantes do centro consolidado, está ficando cada vez mais difícil encontrar áreas para a política habitacional. Este modelo está esgotado. Funcionou no século 20, com acertos e erros”, aponta.
Entre as soluções, Caldana argumenta que é preciso consolidar os instrumentos já previstos no Plano Diretor: o adensamento regulamentado e acessado pela comunidade, locação social, incentivo à facilitação do acesso ao crédito para quem já possui terreno e política intensiva de regularização fundiária.
O professor avalia que os terrenos escolhidos pela Prefeitura são de baixo custo e já não tem mais terra. “O poder público avança para áreas que são duvidosas, que estão em disputas, ou como aconteceu com os Guarani, que são de difícil solução. Se tivesse outra região mais fácil, iriam pra ela”, explica Caldana.
Outro lado
A Ponte procurou a construtora Tenda e a Prefeitura de São Paulo, mas, até o momento de publicação, não obteve retorno.