Pelo Munícipe Maurício Menezes Vilela.
Uma das gratas surpresas que tive ao me mudar para São Vicente foi a descoberta da Encenação da fundação da Vila de São Vicente. Não que eu já não tivesse visto cenas curtas dessa encenação no passado, mostrado pelo noticiário, mas não tinha ideia das dimensões do evento.
Para quem não sabe, trata-se do maior palco de areia do mundo, registrado inclusive no Guinnes, livro dos recordes.
No meu primeiro ano, minha mudança foi exatamente durante a apresentação e não tive forças para ir. Já no segundo ano, fiz questão de comparecer e fiquei impressionado com a grandiosidade do evento e com a beleza.
No terceiro ano acabei perdendo pois atendi um paciente que disse ser o diretor e que me prometeu ingressos. Nunca confirmei se era verdade, mas os ingressos não vieram…
Foi aí que começou aquilo que chamo de Era Amauri Alves. O novo Secretário de Cultura do município resolveu inovar e transformar a Encenação em um grande musical, com trilha composta inclusive por um compositor brasileiro radicado nos EUA, responsável por trilhas sonoras de Hollywood. Com isso, a Encenação atingiu um novo patamar, muito difícil de ser superado. Amauri é um perfeccionista e, na sua última montagem, chegou a usar videomaping sobre as areias. Uma coisa maravilhosa.
As dificuldades financeiras do município fizeram com que a Encenação fosse cancelada nos últimos anos, ou melhor, transformada num evento bem menor, nos jardins da Casa do Barão.
Com prefeito novo, esse ano tivemos a volta da Encenação ao seu lugar original, as areias da Praia do Gonzaguinha. Porém, a despeito de sempre ser um evento grandioso, a montagem desse ano ficou longe de qualquer outra que eu já tenha visto.
Eu concordo que é um desafio imenso ter que criar um novo enredo todo ano para encenar a mesma coisa. Mas se você não tem jeito para isso, não deveria se meter.
A Encenação desse ano aproveitou um fato novo, a canonização de um padre nascido em São Vicente, para fazer um paralelo com o que? Com a candidatura de um outro nascido na cidade nas próximas eleições estaduais. O tema “Santo de casa faz milagre” era obviamente política e visando estimular os moradores a votarem no vice-governador Márcio França, ex-prefeito e nascido na cidade.
Para isso, resolveram contar – muito mal – a história de André de Soveral, sacerdote nascido em São Vicente e morto num dos dois massacres do Rio Grande do Norte, quando índios sob o comando de holandeses calvinistas mataram com requintes de crueldade dois padres e dezenas de fiéis que assistiam à missa.
André de Soveral nasceu 4 décadas depois da fundação da Vila de São Vicente, portanto sua história nada tinha a ver com Martim Afonso. A solução foi misturar as duas narrativas da forma mais caótica possível. Quem não conhece BEM ambas as histórias saiu totalmente confuso.
A Encenação começou com um cortejo estranhíssimo, com os atores e figurantes segurando desenhos com imagens de vicentinos famosos, enquanto um narrador dizia quem eram eles. Misturados ao recente santo André de Soveral, tivemos desde Robinho, até figuras que nunca soube serem nascidas aqui (e que parecem não ter muito interesse pela cidade) como Roberto Shinyiashiki e o estilista de sapatos Fernando Pires. No meio do texto, o narrador informou que um dos homenageados havia morrido ontem, o que, junto com a música tetrica, deu um ar de cortejo fúnebre.
Mas o que me incomodou MESMO foi a inclusão do politicamente correto e da lacração. Logo de cara tivemos uma cena ridícula onde um índio ataca uma menina índia. É isso mesmo? De onde tiraram que um índio adulto atacaria covardemente uma criança dessa maneira? Mas o pior é que a criança é defendida por uma índia que dá o maior pau no índio e bota ele pra correr. Onde que essas pessoas ouviram falar que as índias no Brasil eram capazes de bater nos homens?
Ai, talvez para cumprir cota, tivemos uma cena totalmente formada por negros com roupas de escravos ou africanas falando que a cor da pele não é importante. Detalhe: o tráfico de escravos só começou anos depois da fundação da Vila de São Vicente e ainda por cima no nordeste…
O bacharel Cosme Fernandes, figura já esquecida da nossa história, se torna um personagem ainda menos importante, com no máximo três frases. O engraçado é ver João Ramalho, com uma filosofia dos anos 70, dizendo para fazer mais amor e menos a guerra.
Quando chega a frota de Martim Afonso, um dos pontos altos de todas as encenações, as caravelas já estavam na frente da praia, ao contrário dos outros anos quando elas chegavam causando uma grande surpresa. Aí, para nosso espanto, desembarcam mais padres do que o necessário para um concílio ecumênico. A impressão que dava é que as caravelas não tinham marinheiros, só padres.
Para espanto de qualquer pessoa que tenha estudado história, surge um Padre Anchieta fazendo comentários, sendo que ele nem tinha chegado ao Brasil nessa época.
A essa altura, só não saí porque a desorganização permitiu que pessoas do setor de ingressos populares tivessem invadido o setor de ingressos mais caros e sentado nas escadarias.
Acreditem se quiser, Thammy Gretchen se limitou a dizer uma frase com três palavras e só. Fiquei curioso de saber qual o cachê que ela recebeu.
A cena mais importante de toda encenação ao longo das décadas, que é a fundação da vila de São Vicente, passou quase despercebida.
E, para completar, começou a ter uma mensagem subliminar de propaganda política a favor da candidatura de Marcio França ao governo do estado. Com frases como “santo de casa também faz milagre” e “essa terra foi destinada a dar grandes administradores públicos”, a ideia era já colocar o público a favor de França.
Eu, sinceramente, acho que a prefeitura deveria fazer uma análise dos erros e acertos para que ano que vem a encenação seja, pelo menos, um pouco melhor.