Ainda pago para ver o jardim florescer, qual você não queria. Pagamos. E o jardim floresceu. Final da década de 70, início dos anos 80. Cantávamos Chico nas marchas contra a ditadura, nas manifestações exigindo a redemocratização do país, nos comícios e passeatas pelas Diretas Já.
Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza, de desinventar. Era o nosso alerta aos velhos de farda. Éramos jovens. Tínhamos todos os sonhos do mundo. Chico e Pessoa em cada um de nós. Cobramos com juros o amor reprimido e o grito contido. Fizemos a manhã renascer e esbanjar poesia. Eles viram o céu clarear e não puderam abafar o nosso coro. Pois é.
Quatro décadas depois, quando imaginávamos superadas as arbitrariedades e violência de um estado de exceção, eis que os caras, agora com outra cara, ressurgem e trazem com eles a escuridão. Voltamos a andar de lado, olhando pro chão. Eles reinventarem o pecado.
E a canção de Chico, por anos guardada, com açúcar e com afeto, como lembrança de um tempo em que a maldade tinha nascido, se faz novamente hino. Outros tempos, mesmo inimigo. Os coturnos diferem pouco. Agora, as fardas pretas, de cetim e brim, acompanham as camufladas.
Mas os jovens? Não, esses não mudam. Ontem, fomos nós. Hoje, são nossos filhos. Essa molecada linda, forte, corajosa que se insurge contra a usurpação de seus direitos de hoje e de amanhã.
A juventude que persiste em nós nos une nessa luta. É ocupar com eles escolas e universidades. Juntos, lado a lado. Resistir e derrotar a canalha que ousa novamente roubar sonhos, alegria, liberdade, justiça.
O galo insiste em cantar, chamando-nos para um outro dia. Água nova brota em cada sala de aula ocupada. Amigos, vamos todos resistir e ocupar. Essa luta é de todos nós. (Valeu, Chico Buarque de Hollanda!)
Chico Buarque venceu o prêmio literário francês, Roger Caillois, na categoria Literatura Latino-Americana. O escritor e compositor brasileiro foi escolhido pelo conjunto da sua obra. Seus livros são publicados na França pela editora Gallimard. Revista Fórum, 27.01.2017