Gustavo Gomes*, de Niterói (RJ)
Neste dia 22 de março, comemora-se mais um Dia Mundial da Água. Tornou-se senso comum que a crise hídrica é um dos maiores riscos da humanidade no século XXI. A escassez é discutida desde as escolas até o Fórum Mundial da Água, que acontece em Brasília (DF).
A solução para a crescente falta de água apontada pela grande mídia empresarial e amplamente difundida é aumentar a conscientização para o desperdício doméstico. Fechar as torneiras, diminuir o tempo de banho, não lavar a calçada, em suma, economizar água seria a maneira de se resolver o problema.
Todavia, esse remédio diagnosticado por grande parte dos especialistas encobre a verdadeira causa para a escassez de água. Segundo dados oficiais, o uso doméstico é responsável por menos de 10% do consumo mundial de água enquanto a indústria (principalmente a agroindústria) é responsável pelos outros 90%.
Apesar desses números gritantes, a TV passa frequentemente comerciais defendendo a economia doméstica enquanto nada fala sobre, por exemplo, a indústria automobilística, que gasta 400 mil litros de água para produzir apenas um carro. A individualização do problema serve ao objetivo ideológico de legitimar o constante aumento das tarifas que engordam os lucros bilionários das companhias de abastecimento e distribuição de água. Empresas estatais, como a CEDAE no Rio de Janeiro, cada vez mais despertam a cobiça de multinacionais defensoras da privatização dos serviços.
Desse modo, a política nacional de recursos hídricos (Lei 9.433/1997) não consegue assegurar o direito fundamental de acesso à água para a maioria da população em seus usos prioritários para abastecimento humano e para matar a sede dos animais. Enquanto o agronegócio recebe incentivos fiscais e isenções no pagamento pelo uso de grande quantidade de água das bacias hídricas, milhares de famílias de pequenos agricultores da Baixada Litorânea Fluminense ficam privadas de seu sustento pela barragem de Guapiaçu, em Cachoeiras do Macacu (RJ).
Enquanto populações pobres inteiras são criminalizadas por usar água gratuitamente de seus poços artesanais, a Nestlé explora de forma predatória as águas subterrâneas de São Lourenço (MG) sem pagar pelo seu uso e causando danos ambientais irreversíveis, o que levou a ocupação da sede da empresa no início deste mês por 600 mulheres do MST.
Protesto por água em Correntina (BA), em dezembro de 2017
Enquanto sete mil habitantes ficaram sem água para beber em Correntina, no oeste da Bahia, a Fazenda Igarashi foi autorizada pela Agência Nacional de Águas a utilizar 106 milhões de litros de água por dia na mesma cidade, o que gerou a ocupação da fazenda e protestos com mais de 10 mil pessoas que tomaram as ruas do pequeno município em novembro de 2017.
Apesar de tantas evidências que demonstram como a “mão invisível do mercado” agrava a injustiça ambiental e a desigualdade na distribuição da água, bem essencial fundamental, o senador Tasso Jereissati (PSDB) apresentou projeto no Senado com objetivo de ampliar a privatização da água. O PLS 495/2017 cria o mercado de águas ao permitir a compra e venda de outorgas de uso o que, na prática, significa dar mais um passo para transformar a água em mercadoria como outra qualquer. O direito à água encontra-se, assim, ainda mais ameaçado, pois a cessão onerosa da outorga do direito ao uso dos recursos hídricos cria, em nome da falsa eficiência do mercado, uma verdadeira “especulação hídrica”. Apesar da forte rejeição ao projeto, sua tramitação segue no Congresso Nacional.
Culpar a maioria da população pela crise de abastecimento é mentir sobre as reais causas da crise hídrica, ou seja, a transformação crescente da água em mercadoria e a priorização do lucro das grandes empresas vendedoras de água em detrimento da população que necessita da água como elemento essencial da vida no planeta.
* Gustavo Gomes é advogado, historiador, professor da Escola de Serviço Social da UFF, militante da Nova Organização Socialista (NOS) e autor do livro “Conflitos socioambientais e o direito à água”.
Fonte: Esquerda Online