Em tempos de parâmetros forjados em torno da consciência de que todos somos rigorosamente iguais e de que toda forma de preconceito é algo execrável, um filme como “Freaks” parece ter sido feito hoje em dia (2023) sob encomenda. Todavia, trata-se de uma produção de 1932, ou seja, produzido em uma época na qual os conceitos e sobretudo a intenção dos produtores eram bem diferentes.
o que foi afinal das contas que tal filme causou na opinião pública de 1932?Incrível, mas tratou-se de uma história ambientada em um circo cujas maiores atrações estariam concentradas entre pessoas especiais que ganhavam a vida a exibir as suas deformidades físicas. Muito popular na América do Norte e na Europa, os “Freak Shows” misturavam atrações circenses tradicionais com a exibição de pessoas com terríveis deformações, exibidas cruelmente como formas chocantes, daí o nome do filme, “Freaks”, que popularmente designava: “aberrações”, sob o sentido completamente pejorativo.
Na trama, descobre-se que o artista circense, Hans (interpretado por Harry Earles), um anão, é herdeiro de uma fortuna. Rapidamente, a trapezista Cleopatra (interpretada por Olga Baclanova), o seduz e apesar dos apelos de outra anã que percebe o ardil, ele deixa-se levar pela beleza de uma “mulher normal”, ao mostrar o quanto o preconceito era forte, a minar a autoestima dessas pessoas.Amante do gigante, “Hercules” (Henry Victor), Cleopatra fica noiva de Hans e, em meio a uma festa de noivado entre os “freaks”, acontece uma das mais impressionantes cenas do filme, quando ao demonstrar união, as “aberrações” aceitam Cleopatra, uma dita mulher normal (se não se considerar a sua deformidade moral), entre eles, a entoar o côro: -“We accept you, one of us, one of us” (“Nós a aceitamos, uma de nós!”).
formadores de opinião naquela época, ou seja, pessoas com deficiências físicas sofriam esse tipo de humilhação, a exibirem um padrão de crueldade e sordidez medieval e sendo assim, mostrá-las na tela do cinema, seria em sua concepção, uma oportunidade mórbida para humilhá-las, publicamente.
Mas os anos passaram e os conceitos mudaram, ainda bem. O tiro saiu pela culatra nesse sentido, porque “Freaks” notabilizou-se como um exemplo pungente de humanidade, solidariedade etc.Aquelas pessoas que trabalhavam no âmbito do circo eram (são) honradas, honestas, puras de coração e a pergunta final é inevitável: quem são as verdadeiras aberrações humanas? Eu recomendo o filme: “Freaks”, sem reservas. Em meu entendimento, esta obra assinada pelo diretor, Tod Browning, é um libelo sobre a dignidade humana.
Por Luiz Domingues – Músico e Escritor.