Por Luiz Carlos Azenha
Aos 92 anos de idade, o intelectual Noam Chomsky apurou ainda mais sua fala.
É um poeta da análise crítica: escolhe as palavras cuidadosamente, impede que elas sejam usadas para encobrir a verdade e distribui adjetivos sem piedade.
Em entrevista exclusiva ao Viomundo, desde o Arizona, onde vive com a esposa brasileira Valeria, Chomsky revelou a mesma argúcia pela qual ficou famoso em todo o planeta — ex-professor do Massachussets Institute of Technology, ele é considerado o pai da Linguística moderna.
Na tradição intelectual dos contrarians de origem judaica, é um dos mais ferozes críticos da usurpação da Palestina por Israel.
Hoje, dois assuntos o preocupam muito: em primeiro lugar, a crise climática, que considera uma ameaça existencial à Humanidade.
Em segundo lugar, a retomada pelo governo dos Estados Unidos, sob Joe Biden, de maneira mais militante, do chamado pivô que o governo Obama fez em direção à Ásia, quando o então presidente decidiu que a China era a maior ameaça à hegemonia de Washington.
[Na verdade, as políticas de Estado norte-americanas são formuladas entre o Pentágono e o Departamento de Estado e aplicadas, no que exige trabalho clandestino, pela CIA. Isso talvez ajude a explicar a recente visita do diretor da CIA, William Burns, ao presidente Jair Bolsonaro, em Brasília]
Chomsky considera que os Estados Unidos estão agindo de forma cada vez mais provocativa em relação aos chineses, preocupados em preservar seu monopólio sobre setores da economia nos quais Beijing hoje nada de braçada.
Ele teme um incidente no entorno da China que leve à guerra nuclear, num cenário que nos leva de volta à insegurança da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.
O que mais surpreende Chomsky é que a Internacional Reacionária montada por Donald Trump não foi desfeita por Biden.
Trump montou um eixo de apoio internacional que incluía grandes detentores de matérias primas pelas quais a China é sedenta e países estrategicamente localizados como pontas-de-lança — todos com governos autoritários ou semi-autoritários.
Parte da Internacional Reacionária
Na Internacional de Trump, figuravam o Brasil e a Colômbia como representantes do Hemisfério Ocidental, o Marrocos por ter grandes reservas de fosfato — essencial para a produção de fertilizantes –, a Índia de Narendra Modi como contrapeso à China e à Rússia, a Hungria como entreposto europeu, o Egito do ditador Al-Sisi pela posição estratégica, Israel como o músculo militar no Oriente Médio e os regimes autoritários do Golfo Pérsico para conter o Irã — Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Bahrain, todos ricos em petróleo.
Nesta internacional, Chomsky destaca não apenas a importância de Bolsonaro como alinhado 100% aos Estados Unidos — mesmo com a derrota de Trump –, mas o papel decisivo que o brasileiro pode jogar na questão que mais o preocupa, a climática.
As políticas do presidente brasileiro para a Amazônia são consideradas por ele uma ameaça existencial que vai muito além da mudança do regime de chuvas que pode prejudicar a agricultura no país.
Trata-se de uma mudança sem volta a partir do momento em que a Amazônia se transformar de sugadora de gás carbônico em produtora, se de fato grande parte da floresta tropical se transformar em uma savana.
Como repórter que viajou fartamente pela Amazônia, não quis preocupar o professor Chomsky com previsões funestas. Porém, nem as imagens de satélite captam o que a gente vê viajando pelo solo: a lenta e constante degradação da floresta virgem pela retirada de madeira dia e noite, sem qualquer controle, sem preservar as matrizes.
As dezenas de milhares de pessoas que a ditadura militar transferiu para a Amazônia com falsas promessas e com planejamento escasso, equivalente ao exposto pelo ministro-general Pazuello durante a pandemia, agora cobram o preço da floresta.
Os argumentos de Noam Chomsky são de uma simplicidade gritante. Sem rodeios, ele põe os dedos nas feridas, como se pode ver na entrevista do topo.