Por Márcio Aurélio, médico sanitarista
Todos os especialistas insistem, e com razão, que fiquemos todos em casa.
“Fiquem em casa”, soam das caixas de som nas praias.
“Saiam das praias”, grita o policial do alto de um helicóptero, que voando baixo, espalha areia para expulsar os banhistas.
Inúmeros são os depoimentos transmitidos pelas redes sociais vindos da Itália lamentando a decisão tardia do governo em colocar o país em quarentena, o que está levando o sistema de saúde ao colapso, principalmente na região da Lombardia.
Portanto, a experiência internacional é clara: o isolamento social é a única alternativa efetiva no bloqueio da transmissibilidade do vírus.
Mas nossas realidades são bem diferentes. É incomparável a distância entre uma região rica da Itália e a periferia de nossos grandes centros. Os italianos já ultrapassaram os graves problemas que vivemos. O sistema de saúde por lá é em grande parte público. Não existem problemas como fome, desabrigados, moradores de rua, miséria, gente vivendo em condições indignas que saltem aos nossos olhos. Ao contrário de nossa realidade.
ÜVamos ater à cidade de Santos. Somos 424 mil habitantes, dos quais um terço em situação de alta vulnerabilidade social, vivendo com até meio salário mínimo.
“Fiquem em casa”. Reafirmo. Mas qual casa? Temos centenas de moradores de rua. Milhares de pessoas moram em cortiços, onde vivem inúmeras famílias num mesmo espaço dividindo cozinha e banheiro. Outros milhares vivem nos morros e em palafitas sobre o mangue, uma parte delas ainda sofrendo consequências da falta de planejamento público para o enfrentamento às chuvas de fevereiro.
“Fiquem em casa”. Mas sabemos que por viverem abaixo de nível de pobreza, são nutricionalmente fracos, e mais submetidos a estresse mental e a violência, situações que enfraquecem a capacidade do organismo em responder a situações como a invasão de um microrganismo.
“Fiquem em casa”, mas a experiência recente na Itália está mostrando que 5% dos infectados vão necessitar de uma unidade intensiva. Os cálculos são simples. Vamos lá.
Número de habitantes na cidade: 424 mil.
Expectativa de transmissão viral, 70%: 292.800 pessoas.
Deste 85% evoluem de forma assintomática. Portanto, 44 mil pessoas devem apresentar sintomas.
A experiência italiana é que 5% delas, apresentem a forma mais grave da doença e necessitarão internação em UTI, ou seja: 6.600 doentes.
Informação pública dá conta de que temos 263 leitos de UTI instalados na cidade. Ou seja, 0,6 leitos por cada 10 mil habitantes, uma condição inferior ao preconizado pela OMS – Organização Mundial de Saúde, que é de, no mínimo 1 leito por 10 mil habitantes.
Temos que bloquear a transmissão do vírus. “Fiquem em casa”.
Para isso, continuamos aguardando a manifestação das autoridades quanto a providências em relação aos moradores em situação de rua, de cortiços e favelas em palafitas. Não podemos fechar os olhos para aqueles que não tem como se isolar, usar álcool em gel ou mesmo lavar as mãos.
Como médico sanitarista, proponho que tais pessoas sejam recolhidas imediatamente para locais seguros, como alojamento de clubes e/ou hotéis. Eles são as mais vulneráveis à doença e, potencialmente, mais transmissoras.
Marcio Aurelio Soares é Médico sanistarista. Presidente do MCDR – Movimento Cultural Darcy Ribeiro – PDT Santos.
CRM 71.765. RG 28.325.432-3