O Espírito da Coisa Seções

A Pesquisa Interdisciplinar da Ayahuasca e da DMT

Por Marcelo Bolshaw Gomes

Nos últimos anos o fenômeno social e religioso do Ayahuasca, devido a sua enorme complexidade, vem atraindo vários pesquisadores de diferentes especialidades: antropólogos, juristas, psicólogos, biólogos, farmacêuticos, entre outros. Poucas pesquisas, no entanto, alcançam uma visão interdisciplinar de conjunto, se prendendo as particularidades de seu enfoque específico. Por exemplo, há hoje pesquisas de etno-música e de lingüística sobre a poética investigando os cantos do ayahuasca sem se preocupar com sua química ou com suas interações sociais dos cultos atuais. O presente texto pretende fazer uma introdução resumida destes estudos específicos, não só para orientação dos que se iniciam neste assunto multifacetado, mas, sobretudo, para tentar sistematizar de um modo mais abrangente, os resultados dessas diferentes investigações científicas em uma perspectiva interdisciplinar comum.

 

 

A PESQUISA NA ÁREA DA ANTROPOLOGIA

A bebida conhecida como Ayahuasca ou Iagé é preparada através da infusão do cipó do Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha da Rainha ou Chacrona (Psychotria viridis) – naturais da região amazônica. A bebida teria origem do Império Inca e seu uso teria se difundido entre várias tribos indígenas, das quais se tem razoável conhecimento antropológico. Ingerindo o chá, os índios absorvem o espírito da planta e, em transe, têm experiências psíquicas e vivenciam fenômenos paranormais, tais como a telepatia, a regressão a vidas passadas, contatos com os espíritos dos seus antepassados mortos, presciência e visão à distância. Há relatos de xamãs usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la. Diversos antropólogos, inclusive, tomaram o chá e descreveram seus efeitos parapsíquicos.
Ainda hoje, várias tribos praticam rituais com o uso do Ayahuasca no Brasil, como as dos Kampas e dos Kaxinawás, localizadas perto da fronteira com o Peru. Desde o início do século, nos contatos culturais entre seringueiros e índios, a Ayahuasca passou a ser usada pelos migrantes nordestinos, que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram diversos grupos que associaram o uso da bebida a um contexto religioso cristão-espírita, dos quais a União do Vegetal, no estado de Rondônia, o Santo Daime e a Barquinha, no Acre, são os maiores expoentes.

Na Internet, é possível levantar bastante informação sobre o assunto em sites especializados(2). Também é possível ler alguns importantes trabalhos científicos em arquivos pdf. Dentre as diferentes opções, indicamos a tese de doutorado de Sandra Lucia Goulart, Contrastes e Continuidades em uma Tradição Amazônica: as religiões da ayahuasca, dá uma visão panorâmica dos cultos atuais. Especificamente sobre o culto da Barquinha, há o trabalho de Marcelo Simão Mercante, Ecletismo, Caridade e Cura na Barquinha da Madrinha Chica e Ensaio sobre a cura no contexto de um grupo da Barquinha , de Rafael Guimarães dos Santos.
Sobre a história da União do Vegetal (UDV), há poucos trabalhos acadêmicos, mas, na internet, existem pelo menos dois documentos relevantes: um com a versão oficial da entidade e outro com uma visão mais histórica.

Já sobre o Santo Daime, há muita coisa escrita e publicada, sugerimos o trabalho de Débora Carvalho Pereira Gabrich, O Trabalho oculto e exotérico de Raimundo Irineu Serra, sobre as origens do culto e de Armênio Celso de Araújo, Teodicéia Brasileira: Uma Breve História do Santo Daime sobre seu desenvolvimento. Há ainda alguns trabalhos antropológicos sobre aspectos específicos, que transversalmente alcançam patamares universais, como o de Leandro Okamoto da Silva Marachimbé veio foi para apurar. Estudo sobre o castigo simbólico, ou peia, no culto do Santo Daime(3) ou de Arneide Bandeira Cemin, O “Livro Sagrado” do Santo Daime .

Um dos trabalhos antropológicos mais significativos é o pioneiro Guiado pela Lua – Xamanismo e uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime, de Edward MacRae (1992). Atualmente, há também os livros de Beatriz Caiuby Labate (4): O Uso Ritual da Ayahuasca (2002, em conjunto com Wladimyr Sena Araújo), A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos Centros Urbanos (2004) e O Uso Ritual das Plantas de Poder (2005, em conjunto com Sandra Goulart).

No âmbito internacional, destacamos o trabalho de pesquisa interdisciplinar desenvolvido por Ralph Metzner, Ayahuasca – Human Consciousness and the Spirit of Nature (Tradução Márcia Frazão: Gryphus, 2002). O livro é subdividido em quatro partes: a experiência da Ayahuasca (composta por 25 depoimentos pessoais de pesquisadores com ênfase em descobertas espirituais fora dos paradigmas religiosos tradicionais): Ayahuasca: uma história etnofarmacológica, de Denis Mckenna; A psicologia da Ayahuasca, de Charles S. Grob; e Fitoquímica e neurofarmocologia da Ayahuasca, de Jace C. Callaway. Além, da introdução e conclusão do próprio Metzner, sintetizando os resultados dos textos da coletânea, há também uma revisão histórica completa dentro de um contexto mais amplo da pesquisa da consciência e a espiritualidade.

 

 

A PESQUISA NA ÁREA DO DIREITO

Paralelamente ao crescimento dos cultos e à expansão do uso religioso da Ayahuasca, uma forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira se formou, pressionando o governo para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. Porém, no dia dois de junho de l992, o conselho decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), Ester Kosovsky, “a investigação, desenvolvida desde l985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas”.

O relator do processo de investigação, Domingos Carneiro de Sá, explicou que o fato fundamental para a liberação da bebida foi o comportamento dos daimistas e a seriedade dos centros que utilizam o chá em seus rituais: “Não foram observadas atitudes anti-sociais dos participantes dos cultos, ao contrário, podemos constatar os efeitos integrados e reestruturantes do Daime com indivíduos que antes de participarem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos”. (SILVA SÁ, Domingos Bernardo Gialluisi. Ayahuasca, a consciência da expansão, in: Discursos sediciosos. Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, 1996, pp. 145-174).

DATA / DOCUMENTO
30/07/1985 RESOLUÇÃO Nº 4 DO CONFEN
04/02/1986 RESOLUÇÃO Nº 6 DO CONFEN
31/01/1986 PARECER DO CONFEN SUBMETIDO À PLENÁRIA
17/08/1998 PORTARIA Nº 117 DO IBAMA
24/11/1991 CARTA DE PRINCÍPIOS DAS ENTIDADES
02/06/1992 ATA DA 5ª REUNIÃO ORDINÁRIA – CONFEN
16/10/2001 PORTARIA Nº 4 DO IBAMA
04/11/2004 RESOLUÇÃO Nº 5 DO CONAD
17/08/2004 PARECER DO CATC
30/05/2006 COMPOSIÇÃO DO GMT-CONAD
e 06/11/2006 RELATÓRIO FINAL DO GMT-CONAD
Fonte: ayahuascabrasil

Com a expansão do Ayahuasca para outros países, surgiram questões jurídicas internacionais referentes a utilização e transporte da bebida. Dentre os vários processos de legalização, uma referência internacional importante é o texto Religious Freedom and United States Drug Laws: Notes on the UDV-USA Legal Case (MEYER, 2005). O site do Santo Daime na Itália também disponibiliza uma página com literatura jurídica internacional, com material sobre vários países.

 

A PESQUISA NA ÁREA DA BIOLOGIA

O Projeto Hoasca foi uma iniciativa organizada pela União do Vegetal (UDV) sobre a toxidade do Ayahuasca do ponto de vista clínico. Durante o verão de 1993, um grupo multinacional de pesquisadores biomédicos dos Estados Unidos, Finlândia e Brasil encontrou-se em Manaus para conduzir o mais completo exame dos efeitos bioquímicos e psicológicos da bebida. Participaram desta pesquisa interdisciplinar: Grob; McKenna; Callaway; Strassman, entre outros. Mas, além dos resultados atestando a baixa toxicidade do Ayahuasca para usuários de longo prazo, o Projeto Hoasca também deslocou o foco da pesquisa interdisciplinar da bebida para neuroquímica de seus principíos psicoativos, principalmente a DMT.

N,N-DMT ou N,N-dimetiltriptamina (C12H16N2) é um psicoativo que causa intensa emergência visual quando fumado, injetado ou ingerido oralmente. Na Ayahuasca, está presente na folha Psychotria viridis e em combinação com as enzimas MAOI (harmina e harmalina) existentes no cipó Banisteriopsis caapi permite um mais efeito prolongado e potencializado do que se utilizado sozinho em altas dosagens sem inibidores. N,N-DMT é muito chamou freqüentemente só “DMT”, embora este nome cause confusão algumas vezes com seu primo químico 5-MeO-DMT. A DMT é também um neurotransmissor químico presente naturalmente no corpo humano bem como em plantas muitas e em outros mamíferos. Não há registros que ele cause dependência física ou psicológica, mas há contra-indicações: os efeitos do N,N-DMT são dramaticamente aumentado se usados em altas dosagens (fumado, por exemplo) por indivíduos usando MAOIs. MAOIs são enzimas comumente encontradas nos anti-depressivos (phenelzine, tranylcypromine, isocarboxazid, l-deprenyl e moclobemide). Indivíduos propensos à esquizofrenia, com tendências à psicose depressiva ou ainda em estado emocional vulnerável devem ter cuidado com a DMT pois ela pode funcionar como um ‘gatilho’ para a manifestação desses desequilíbrios. Hoje, na internet, encontram-se alguns sites com informação detalhada sobre a substância (http://dmt.lycaeum.org/ e http://www.erowid.org/chemicals/dmt/dmt.shtml).

A DMT e as beta-carbolinas são similares em sua estrutura molecular a Serotonina, um neurotransmissor responsável por vários processos cognitivos. Isto levou a uma série de especulações sobre qual seriam os efeitos do Ayahuasca em nosso organismo?
Para Ralph Miller(5), por exemplo, em Ayahuasca – Universidade de Gaia:

A Pineal irá produzir DMT em grandes quantidades em pelo menos dois momentos das nossas vidas: no nascimento e na morte. Talvez ela prepare a chegada e a partida da alma. Pessoas que experimentam “situações de quase morte” – vendo luzes fortes, portais, ícones religiosos – relatam efeitos semelhantes aos das experiências com DMT. As moléculas de DMT são similares às moléculas da Serotonina e se encaixam nos mesmos receptores do cérebro. Isto é extraordinário porque, assim como a Serotonina, a DMT é uma chave específica que naturalmente se encaixa nesta “trava” do cérebro. Assim, você tem a DMT se encaixando aos receptores do cérebro, o que produz visões, enquanto as propriedades pró-Serotonina e pró-Dopamina do chá criam um estado de alerta e receptividade.

Do ponto de vista científico, há várias hipóteses sobre o papel da DMT no cérebro humano. Uma hipótese é de que esta substância estaria relacionada com a manifestação da esquizofrenia e dos distúrbios psicóticos. No entanto, ao se encontrar níveis semelhantes de DMT em sujeitos sadios e em esquizofrênicos, esta hipótese vem sendo abandonada. (FISCHMAN, 1983). Outra hipótese, postulada por Richard Strassman em seu livro, A Molécula do Espírito, diz que a DMT é produzida pela glândula Pineal e está relacionada com experiências de “pico” (nascimento, experiências de quase-morte, morte etc). Uma terceira hipótese feita por Callaway, que se relaciona com as duas primeiras, é que a DMT está relacionada com a regulação do sono, especificamente, na produção das imagens nos sonhos: o sono REM. Neste caso, se a DMT fosse produzida em excesso poderia ocasionar alucinações.

Atualmente, várias pesquisas investigam a utilização de medicamentos a base de DMT para tratamento químico de depressão, neuroses, fobias, síndromes neurológicas, bem como sua utilização como potencializador da consciência em processos terapêuticos psicológicos.

 

A PESQUISA NA ÁREA DA PSICOLOGIA

Enquanto os pesquisadores das áreas biológicas dão um enfoque enquadrado particularmente aos efeitos químicos da DMT no cérebro, os pesquisadores das áreas clínicas e psicológicas estudam a mudança nos estados de consciência e de percepção, distribuindo sua atenção em três fatores: a bebida, o ambiente (setting) e a intenção (set. A hipótese denominada em inglês de ‘set and setting’, formulada inicialmente por Timothy Leary com LSD nos anos 60, foi adotada pela maioria dos pesquisadores da área. A hipótese afirma que o conteúdo de uma experiência com substancia psicoativa é uma resultante da interação desses três fatores básicos.

Charles S. Grob, também participante do Projeto Hoasca, fez a mais ampla revisão bibliográfica sobre o Ayahuasca na área da psicologia clínica e neuro-psiquiatria (METZNER, 2002, p. 195) e considera a hiper-sugestionabilidade como um dos efeitos psico-químicos, detalhando o aspecto ambiental (setting) em vários fatores (o papel do líder, do grupo, do local). Ele é um dos pesquisadores que concluem que “o contexto, o roteiro e o propósito” são mais importantes do que os efeitos químicos de substância psicoativas (nos processos de “cura” e de autoconhecimento propiciados pela bebida).

Em relação às características dos estados de consciência quimicamente alterados pelo Ayahuasca, Grob aponta: a) Diminuição ou expansão da consciência reflexiva, com alterações de pensamento, mudanças subjetivas na concentração, na atenção, na memória e no julgamento podem ser induzidas voluntariamente em vários níveis de uma mesma experiência. b) Aumento da imaginação visual. Grob também identifica, dentre as experiências de milhares usuários entrevistados, várias recorrências psicológicas durante o transe: medo de perder o controle; resistência do ego (bad trip) e transcendência para estados místicos (entrega); aumento da expressão emocional – tristeza, alegria, desespero, fé; entre outras menos freqüentes.

Bastante significativa é a descrição do transe feita pelo Dr. Regis Barbier, no artigo Ayahuasca como opção espiritual (6)

A Ayahuasca revela que o conhecimento que temos do mundo, da existência, é um estado ou processo psicossomático. (…) A percepção, habitualmente embotada, permite apenas aprender e acessar uma fração distorcida de realidade; uma realidade revestida de projeções pessoais e pressuposições. (…) A Ayahuasca amplifica a capacidade psicossomática de responder a gradações mais sutis de estímulos além de muitas vezes integrar as diversas faculdades sensoriais em processos sinestésicos. Esse efeito de aumentar a capacidade de experienciar, de avaliar e apreciar por si mesmo, é central para a compreensão do seu significado. Esta amplificação, como uma lupa, permite uma (re)visitação intensiva e absorta dos conteúdos mentais – recordações, idéias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperanças, sensações em gerais. Na dependência da ética e valores morais atuais do indivíduo, além de influir na intensidade e no foco das percepções, a experiência pode motivar a re-significação dos conteúdos sendo observados. Valores morais e atitudes são revistas. Aqui temos uma tecnologia que alterando a composição bioquímica do instrumento e dos meios de processamento da informação, permite a inativação temporária dos filtros culturais e psicodinâmicos que nos bastidores da mente agem determinando, formatando e hierarquizando, nossas experiências quotidianas. Pode se de fato aprender muito, crescer e liberar energia psíquica e vendo, transformando, eliminando, aceitando e se reconciliando com conteúdos incômodos. (…) O grande valor da Ayahuasca, trazidos à nossa atenção pelas sociedades indígenas, é que ela dissolve os limites da mente inconsciente; ela dá acessos aos conteúdos reprimidos e esquecidos. Ela possibilita o reconhecimento das configurações universais da psique, os arquétipos de humanidade, junto com um leque mais abrangente de conhecimentos e maneiras de conscientizar, até eventualmente a vivência dos diversos aspectos da união mística. Na medida em que o indivíduo consegue ver as coisas de uma maneira não distorcida, vendo claramente não apenas o seu passado mais também a presunção e cegueira da sua própria cultura e grupos de referencias, ele necessita, além de tolerar a decepção e o sofrimento, superar sentimentos de desamparo. Nem sempre é fácil ter de ver e aceitar que não somos assim tão vítimas, mas sim responsáveis pelas nossas vidas; aceitar ser capaz, reconhecer o seu potencial e a responsabilidade que isso requer implica coragem e determinação. Podemos até recusar crer que fazemos jus a muita beleza e alegria, bem estar profundo, sem nada ter de pagar além de ser o que já se é; apenas sendo o que já somos. O gerenciamento emocional produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente de equilíbrio e bom senso para que se tomam atitudes judiciosas sem precipitações.

Outra grande contribuição ao estudo psicológico do Ayahuasca é o trabalho de Benny Shanon, O Conteúdo das Visões da Ayahuasca, em que além de trabalhar um levantamento das imagens das mirações e da hipótese de aceleração e desaceleração da percepção do tempo durante o transe, se discute também a pesquisa da mente através do ayahuasca (e não mais o efeito da ayahuasca na mente humana).

Shanon já havia escrito sobre o Ayahuasca como instrumento de investigação da mente (in LABATE, 2002; pág. 631), através dos parâmetros teóricos da psicologia cognitiva. Para ele, há questões fenomenológicas de primeira ordem (o que está sendo experimentado?) e de segundo ordem (Há uma ordem e um sentido no que está sendo experimentado?). Há também questões de dinâmica, de contexto e teóricas gerais a serem discutidas sobre o uso do Ayahuasca. Por exemplo, em relação às questões fenomenológicas de primeira ordem, Shanon distingue as questões de conteúdo das de domínio e de estrutura. Assim, felinos, pássaros e répteis são as imagens mais recorrentes nos transes, seguidos de perto pelos palácios, tronos e imagens arquitetônicas celestiais.

A pesquisa destaca que as imagens são ‘universais da mente’ (semelhantes ao que Jung chamou de arquétipos), pois surgem em indivíduos sociais e culturalmente diferentes. Esses conteúdos podem surgir de diferentes formas ou domínios e o encadeamento dessas formas com estes conteúdos forma estruturas narrativas paralelas aos rituais. E Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro aspectos relevantes em relação ao efeito do Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, e as experiências desindentificação pessoal e de tempo não-linear. Ou seja: quando tomam Ayahuasca as pessoas percebem que seus pensamentos não são individuais, mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são freqüentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a sensação de eternidade) temporal. Quando baixamos arquivos no computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com o cérebro, mas só é perceptível sob o efeito do Ayahuasca.

Acredito que o desenvolvimento das pesquisas na área da psicologia se dará a partir do aprofundamento neurocientífico das teses de Shanon. Ou seja: não apenas estudar o efeito químico da substância no organismo, mas, sobretudo, compreender quais dimensões de consciência que este efeito propicia (telepatia, regressões mentais a traumas infantis, visualização de imagens do inconsciente profundo, mudanças na percepção do tempo e da realidade). Além de investigar o efeito da DMT no cérebro, observando o aspecto reverso, estudar a mente através da DMT – este será o propósito central das pesquisas psicológicas da ayahuasca.

 

ANTEPROJETO

Além, de pesquisas psicológicas, antropológicas, jurídicas e biológicas (incluindo aqui estudos neuroquímicos, farmacêuticos e clínicos), há também várias pesquisas sobre a música das cerimônias, a poesia dos cantos, as danças do ritual, a arquitetura dos templos, enfim, toda descrição semiótica e lingüística da arte dos cultos, bem como suas concepções doutrinárias. Nosso objetivo aqui, como dissemos no começo, é o de introduzir as diferentes investigações sobre a ayahuasca, buscando observar o que cada tem de essencial em relações às demais. Mais do que uma síntese entre essas pesquisas, o que se pretende é o de estabelecer uma atualização sistemática dessas investigações e observar as suas inter-relações. Teríamos, assim, nesta perspectiva, uma pesquisa interdisciplinar do Ayahuasca cinco linhas específicas de observação e acompanhamento: Antropologia, Direito internacional, Biologia (subdividido em várias áreas), Psicologia e Comunicação Social. Cada linha de pesquisa deve ser coordenada por doutor e, na prática, consistiria na investigação e na sistematização de um aspecto específico da pesquisa inter-disciplinar.

O projeto inter-disciplinar de pesquisa do Ayahuasca e da DMT prevê ainda: a) realização de encontros anuais em diferentes universidades e centros de estudos, em que os pesquisadores, organizados em Grupos de Trabalho segundo as linhas de pesquisa, apresentarão artigos e resenhas sobre a literatura internacional sobre o tema; e b) a criação de uma publicação acadêmica nacional, impressa e na internet, com a produção científica dos pesquisadores e informações sobre as pesquisas internacionais semelhantes

 

Notas:

(1) Marcelo Bolshaw Gomes < marcelobolshaw@ufrnet.br> é jornalista, professor de comunicação e doutor em ciências sociais pela UFRN, mas o presente texto é resultado da interação de vários pesquisadores através da lista: http://br.groups.yahoo.com/group/pesquisadores_da_ayahuasca/.

(2) V. principalmente www.santodaime.orgwww.ayahuasca.com e http://yage.net/

(3) Há um capítulo especialmente interessante: A Peia de todos e a peia de cada um.

(4) Mestre e doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos e coordenadora do instituto Alto das Estrelas .

(5) Tradução: Sergio Garcia Paimoriginalmente publicado em http://www.heartoftheinitiate.com/articles_gaia.htm

(6) Originalmente publicado no site: http://www.panhuasca.org.br

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Fonte original: Blog Arca da União

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