Simone Salles

Repousará em paz, esquerda brasileira?

O Exército faz sua primeira vítima no ES. A PM do Rio manda um secundarista para o centro cirúrgico, ferido gravemente por uma bala de borracha. Silêncio. Ao fundo, a malta fascista, lobotomizados pela mídia, baba ódio e escarra ignorância. Tanques, fardas, coturnos já desfilam pelas ruas de nossas cidades, guardiões da Segurança nossa e do Estado sob os aplausos e bênçãos da população.

 

E nós? Bem, nós mal observamos o caos à nossa volta. Estamos ocupados demais apontando, dedo em riste, os ‘erros’ e ‘traições’ de nossos semelhantes, aqueles que deveríamos ter como aliados. Não basta criticar. É preciso deslegitimar, achincalhar, destruir, enlamear a história de nossos ‘adversários’.  Estamos tão empenhados na mútua aniquilação, que não percebemos (ou já não nos importamos?) que somos todos igualmente esmagados por nosso inimigo comum.

Somos semelhantes. Porém é fácil ser pedra, quando jamais se foi vidraça. Cômodo e falacioso apontar erros e, sobretudo, ‘traições’, quando no momento crucial nos eximimos de fazer parte da solução. Tão mais confortável esconder-se da realidade, perigosa e imediata, em sua limitada importância e peso sob o manto protetor de alegações de ‘pureza ideológica’, ‘projeto de país alternativo’. Mas a execução do(s) outro(s) como meio de afirmação beira a hipocrisia de argumentos e a deslealdade de intenções. Fato é que alguns nunca estiveram na mesma situação, não arcaram com o ônus das escolhas e o peso das decisões. Pretensão a Torquemadas, destino de Savanarolla.

Precisamos novamente de um projeto de poder. Porque projeto de país nós temos, tivemos e teremos. Uma geração amadureceu e outra floresceu nesse projeto que se tornou realidade – ainda que incompleta, carente de expansão e aperfeiçoamento. Não se alcançou tudo o que se pretendia. Porém em pouco mais de uma década avançou-se mais que em 500 anos de  desigualdades abissais, marcas indeléveis do Brasil colonizado, escravocrata, oligárquico. Quem há de negar?

Erramos  todos, muito, ao longo do caminho. Reavaliar, admitir falhas e equívocos, corrigir erros fazem parte de qualquer processo sério de reconstrução e crescimento. Críticas, portanto, são bem-vindas. Necessárias. Entre todos, sem exceção. Dedicamos tempo precioso na lavagem da roupa suja em público. Passou da hora de reagrupar e seguir em frente. Do contrário, quando apenas sobrar meia dúzia de nós, em meio às cinzas de fogueiras de egos e vaidades, então nos daremos conta de que o momento passou. E quando não houver nada, além dos cadáveres de direitos e liberdades trucidados, só nos restará enterrar em covas rasas os mortos de todos nós. Sem lágrimas. Sem réquiem.

Repousará em paz, esquerda brasileira ?

Fontes:

11/02/2017/ G1 – ‘Adolescente é morto pelo Exército em bairro da Grande Vitória‘ 

09/02/2017 / Jornalistas Livres – ‘Estudante secundarista é baleado pela PM no Rio

Compartilhar