A Pegada Caiçara

Rumo ao Paraíso, livro de Osmar Gomes, histórias do velho macuco, em Santos

De Ailton Martins

23 de abril, dia do livro, decidi escrever um pequeno texto sobre a data, principalmente para falar de um escritor santista que escreveu uma obra que vale a pena ser lida e relida pela sua riqueza cultural, postei no Facebook na data citada acima e, hoje, republico aqui para não o perder, mas, principalmente para guardar esse registro, essa memória, neste momento de tanto repúdio ao conhecimento e enaltecimento da ignorância, temos que marcar posição, não?

Sim, urge a necessidade de defendermos os livros, esses instrumentos maravilhosos que servem para afastar os seres humanos da mediocridade e os libertarem da estupidez.

Portanto, sem mais delongas, direto ao assunto, gostaria de sugerir como leitura o livro de um escritor santista, que tive a oportunidade de o conhecer uns anos atrás, durante uma entrevista, e que escreveu um livro de contos e causos reais e imaginários ( não estou bem certo) de como era viver no bairro Macuco, em Santos, lá no idos da cidade vermelha, das grandes greves; terra de ensacadores, doqueiros, marinheiros, estivadores, migrantes e imigrantes, trabalhadores… com seus grandiosos eventos de blocos carnavalescos de bairros, vida noturna e vivências populares horizontais, bom, estou falando de Osmar Gomes da Silva, comunista do partidão, e de sua obra literária, Rumo ao Paraíso e outras histórias, um livro riquíssimo de histórias do bairro, um tempo em que a vida tinha outro tempo, outra cadência, outro ritmo… Onde jovens como Badalhoca, Joca, Papagaio, Vacalhada, Isaura dentre outros personagens do livro percorrem e constroem suas histórias e memórias cheias de espertezas pelas ruas João Guerra, Padre Anchieta, Vinte e oito de Setembro, Borges… vivendo amores, decepções, carnavais sem fim, malhação do Judas e lindas festas juninas onde um balão de cólon lançado no ar tinha tanto o efeito de despedaçar corações quanto de os encher de esperanças e de sonhos.

Jovens que em seu tempo, em suas vidas simples e quase esquecidas, as viviam intensamente, mesmo com os parcos recursos que possuíam, viveram; pelos bares do porto, no samba da Borges, em rodas de boemia, na esperteza pra driblar a polícia, e sempre vestidos com o melhor linho, melhor sapato bico fino, duas cores… pela Bacia Bagaço como chamavam seu território, que um dia já foi também o Grande Macuco.
Aqui um trecho:
“Allah-lá-ô ôôôôôô M
que calor ôôôôôô
Viemos do Egito, atravessamos o deserto do Saara, o Sol estava quente, queimou a nossa cara
Os foliões ficavam circulando em cordões, faziam rodas dançado ou paravam junto às amplas janelas do salão conversando, bebendo e recebendo o ar fresco. Outros se divertiam no balcão varanda com vista para a Catedral e a praça. Ali estavam as tradicionais barraquinhas que vendiam máscaras carnavalescas, confete, serpentinas e lança-perfume. Do outro lado, carrinho de pastéis e garapa, barracas com limonada, groselha e sanduíches de queijo com presunto. Bem!… mas ela sempre tinha o cuidado de levar um pedaço de pão sovado com carne assada, que ele comia na saída do baile. […]
O campo todo iluminado. Olhei para cima. Lá estava o Balão de Cólon, entre outros, entre as estrelas e a lua do Persa. Continuei. Corri mais. Entrei na Borges. Subi as escadas. Eles conversavam alguma coisa e me esperavam na sacada do alpendre. Estava escuro, mas a claridade do poste de iluminação da rua definia as silhuetas inesquecíveis. Ela sorriu. Afagou meus cabelos crespos.
Olha pro céu, meu amor
Vê  comoele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Acredite foi tudo verdade, sem tirar nem pôr”.
Fonte: Frequencia Caiçara
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