Por que nós sempre fizemos exatamente a mesma pergunta: como pode o surfista ser fascista?
A jornalista e colunista da Folha de S.Paulo Tati Bernardi escreveu um texto que nos pôs a refletir o que já habitava nosso inconsciente de surfista fissurado.
Por que nós sempre fizemos exatamente a mesma pergunta: como pode o surfista ser fascista?
Afinal, nós nunca entenderemos como um estilo de vida permeado pela liberdade em meio à natureza e marcado por episódios históricos épicos de desobediência civil pode ser sustentado por verdadeiros exterminadores retrocedidos que…pegam onda.
“Como pode um surfista apoiar o Bolsonaro?,” é a pergunta que Tati escreve na primeira linha.
“Quer coisa mais insurgente, livre e deslumbrante do que ser um surfista? Não faz sentido. Você imagina um liquidificador batendo uma vitamina irada de banana com couve e o livro do coronel Ustra ao lado? Sucão com tortura às cinco da manhã? Gente! Me dá uma tristeza, uma sensação de que está tudo fora do lugar. E não é errado apenas social, intelectual e humanitariamente. É uma parada de cosmos mesmo. Deu ruim nos primórdios da criação de qualquer coisa que venha depois do nada. E desculpa se escrevo um pouco chapada, mas minha capacidade cognitiva desistiu do Brasil um pouco antes do Natal e ainda não recuperei totalmente,” diz Tati.
É, Tati, a gente não sabe se você já tentou o surf, mas, nem precisa. Você já entendeu tudo e mais um pouco e vai além: já repetimos essa sua pergunta inicial como um mantra budista recitado fielmente todas as manhãs. Seguimos incrédulos sem resposta.
Nós não conseguimos entender o paradoxo absurdo do surfista que defende um governo que sustenta um discurso de preconceito; que é contra as minorias e já revelou isso publicamente, assim como disse que nunca houve escravidão dos negros por parte dos portugueses.
Assim como você, Tati, nós tampouco entendemos os jogadores de futebol que apoiam o Bolsonaro.
“Quer coisa mais destemida, idolatrável e gloriosa do que driblar uma dezena de gringos e marcar o gol que inspirará milhares de garotos pobres e negros e marcar o gol que inspirará milhares de garotos pobres e negros a acreditar em dias melhores (apesar das crianças mortas por balas que, sinto muito, não são “perdidas”. Perdida está a humanidade,” escreve Tati.
Sim, Tati, é tudo isso. Nós sentimos na pele a dor lacerante certa vez quando publicamos a matéria
e fomos tirados de preconceituosos; justamente quando decidimos contextualizar toda a injustiça social sofrida pelos negros (e ainda hoje muito mal reparada por anos de escravidão), somos aturdidos pelo panelaço dos surfistas “livres”. Só que não.
A gente compreende muito e assinamos embaixo do seu raciocínio da Tati. Não tem como se exercitar com uma professora que apoia um governo que já sentenciou que mulher precisa receber salários menores porque engravida.
Essa coluna da Tati fez lembrar a história de quando estávamos pegando carona para o litoral norte paulista, por meio de um desses aplicativos de carona compartilhada.
Foi assim: o cara começou a contar das suas façanhas incríveis de velejador e nós já estávamos prontos para pedir para compor a tripulação e ajudar como fosse na próxima expedição, afinal, como é livre e magnífica a experiência de velejar, né?
Mas, quando se iniciou a próxima pauta da conversa e o velejador se revelou um apoiador incondicional de um governo que defende o desmatamento da Amazônia, toda nossa vontade de nos mandarmos além mar com ele foi por água abaixo assim como as cataratas do Niágara.
“Você entende esse monte de médico que jurou defender a vida e elegeu um exterminador? Não faz sentido prescrever ansiolítico com arma de fogo, antibiótico com negacionismo e energético com pau de arara,” Tati clama.
Pois é, Tati, nós também não entendemos esses “jovens tão preocupados com a saúde que ignoram por completo o descaso com a Amazônia”, assim como tampouco entenderemos essa esmagadora maioria de surfistas que defendem um exterminador.
Apesar de tudo embrulho no estômago que sentimos ao constatar que muitas pessoas defendem ideias reaçonárias, o final do texto da Tati nos deixa uma centelha de esperança.
Ela nos conta, afirmando-se esperançosa, que começou a fazer ginástica funcional com uma professora que defende ideias de uma maior igualdade social. Ou seja, uma professora que se preocupa com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e que tem consciência que há desigualdades injustificadas que devem ser reduzidas ou abolidas.
((Por Alexandra – Hardcore)