Kultura Viramar

A Deusa e a Mulher

Conheça a história de Dora Vivacqua, a mulher que infernizou a vida da família tradicional brasileira durante as décadas de 1940 e 1950

Adepta do naturismo e com histórico de frequentes enfrentamentos ao sistema de costumes da época, Luz Del Fuego, como ficou conhecida, chegou a ser presa e internada em clínicas psiquiátricas, reclusões ocorridas em consequência de suas posições perante a sociedade conservadora brasileira.

Dora Vivacqua nasceu em 21 de fevereiro de 1917, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Décima quinta filha de uma influente família da região, cresceu em meio a políticos, empresários e intelectuais e, desde a infância, chamou a atenção por seu jeito rebelde e por não seguir os padrões esperados por sua família. Na adolescência, era conhecida por provocar os rapazes e criticar o jeito recatado das irmãs.
Tornou-se conhecida nos anos 40 e 50, apresentando-se como bailarina em circos e teatros e realizando espetáculos marcados pela sensualidade, nos quais aparecia nua ou seminua e com cobras enroscadas no corpo. Adotou o nome artístico Luz Divina, o qual acabou modificando, por sugestão do palhaço Cascudo, para Luz del Fuego, marca de um batom argentino recém-chegado ao país. É com esse nome que se tornará uma das vedetes mais conhecidas dos anos 50 no Brasil, uma precursora do feminismo e a primeira defensora do naturismo no país.
Era uma mulher impetuosa, que sabia se impor não só nos palcos, mas também fora deles, defendendo opiniões ousadas para a época, como o divórcio, por exemplo. Vestindo-se com ousadia e envolvendo-se em diversos relacionamentos, seu comportamento causava constrangimento à tradicional família da qual fazia parte e acabou levando-a a duas internações psiquiátricas. A primeira delas, no início dos anos 30, quando morava com sua irmã Angélica e foi assediada pelo cunhado. Flagrada pela irmã, ela foi considerada culpada e internada em um hospital psiquiátrico de Belo Horizonte, onde passou dois meses internada e foi diagnosticada como esquizofrênica. A segunda internação ocorreu algum tempo depois, quando morava com seu irmão Archilau. Certo dia, apareceu em casa com apenas três folhas de parreira cobrindo os seios e duas cobras-cipós cobrindo a púbis, ao ser repreendida pelo irmão, jogou-lhe um vaso de cristal na testa e foi internada em uma clínica psiquiátrica no Rio de Janeiro.
Tornou-se famosa em 1944, momento em que passou a se apresentar no Circo Pavilhão Azul, no qual se apresentava de forma muito sensual em companhia de duas jiboias. Ela foi a primeira artista a aparecer nua no palco, o que lhe rendeu uma prisão e o pagamento de multa na delegacia, além de uma longa ficha de atentado ao pudor.
Dentre as muitas manchetes que fazem referência a Dora Vivacqua em jornais da época, é possível encontrar menção ao dia em que foi expulsa do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, durante um baile de Carnaval no qual se fantasiou de “Noivinha Pistoleira” e deu tiros de revólver no teto do teatro, ou, ainda, o dia em que parou o Viaduto do Chá, em São Paulo, por apresentar-se nua, com cabelos e pelos tingidos de verde-esmeralda, para a divulgação de um show no qual interpretava Iemanjá.
Em 1947, Luz del Fuego lançou o romance autobiográfico “Trágico Black-Out”, fazendo duras críticas ao casamento e apresentando descrições sexuais. A obra enfureceu seu irmão, o senador Attilio Vivacqua, que mandou queimar grande parte dos exemplares do livro.
Em 1949, publicou seu segundo romance, “A verdade nua”, e começou a defender explicitamente o naturismo. No mesmo ano, lançou o Partido Naturalista Brasileiro (PNB), que tinha como principais bandeiras o divórcio, a defesa da mulher e o naturismo. Embora não tenha conseguido o registro do partido, pediu ao então ministro da Marinha, Renato Guilhobel, a concessão de uma ilha para criar um clube de nudismo.
Del Fuego conseguiu a concessão e passou a ocupar a ilha Tapuama de Dentro, localizada próxima de Paquetá, na baía de Guanabara. O lugar, rebatizado como Ilha do Sol, passou a sediar o primeiro clube naturista da América Latina, tornando-se um lugar frequentado por astros de Hollywood e contando com mais de 200 sócios.
Após o golpe de 64, o clube de Luz Del Fuego começou a entrar em decadência e, em 1967, ela o fechou, mas continuou vivendo lá com seu caseiro Edgar. Após denunciar à polícia pescadores que estavam fazendo uso de explosivos ao redor da ilha, Luz e seu caseiro foram assassinados pelos irmãos Alfredo e Mozart Teixeira Dias, no dia 19 de julho de 1967. Morta com golpes de remo, seu corpo foi aberto à faca, amarrado em pedras e jogado ao mar. Os corpos foram encontrados apenas em agosto e os pescadores acabaram confessando o crime e sendo presos.
Atualmente, a Ilha do Sol está abandonada, mas a história de Luz del Fuego foi eternizada em um filme de 1982, nos versos de uma música de Rita Lee e na memória de muitos daqueles que acompanharam sua vida ousada e a sua determinação em defesa de suas ideias e projetos.
“Eu hoje represento o segredo/ Enrolado no papel/ Como Luz del Fuego/ Não tinha medo/ Ela também foi pro céu, cedo!”

Texto – Adriana de Paula / Joel Paviotti

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