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Bidu Sous, a voz feminina do Vale do Paraíba

Por Eugênio Martins Jr

Nos últimos anos tenho reparado que alguns dos jovens artistas que apareceram no mundo do jazz e do blues são oriundos de suas igrejas. Católicas e evangélicas. É a música achando seus caminhos.

Posso citar alguns aqui, o pianista de jazz Amaro Freitas, lá da capitania de Pernambuco; os rapazes das Just Groove, que acompanham por todos os cantos o guitarrista Igor Prado; os jazzistas aqui da minha terra, André William (piano) e o Elizeu Custódio (baixo).

Do vale do rio Paraíba, região prolífica para o blues nacional, veio a Bidu Sous que, desde menina se apresenta no coral de sua igreja, em Jambeiro, a meia hora de São José dos Campos.

Do vale do Paraíba, vem toda uma geração de blueseiros, Lancaster, Flávio Naves, Marcelo Naves, Fred Barley, Danilo e Nicolas Simi (os Simi Brothers) e tantos outros.

Nesse momento Bidu está trabalhando em seu CD solo, produzido por Lancaster, um dos guitarristas mais importantes da cena, criador de bandas que estão por aí fazendo barulho até hoje, Serial Funkers e Blues Beatles. Você já deve ter ouvido falar.

E pelo que eu ouvi do disco Don’t Wake Me Up Early até agora, a moça está no caminho do blues. Usa a voz a serviço da emoção e a determinação para fazer o que gosta. A banda conta com caras da pesada, Adriano Grineberg (piano), Thiago Cerveira (gaita), Maurício Gaspar (bateria) e Raoni Brascher e Lucas Espildora. os dois últimos parte de sua banda.

É assim mesmo. Quando você cisma com esse negócio de blues não há outra saída. Como dizia os irmãos Allman: “Ain’t but one way out baby, lord I just can’t out the door”.

Bidu Sous representa uma cena musical que vem se renovando sempre. E, mais do que acumulando influências, misturando, renovando e criando afluentes onde os ritmos se encontram, no Mississippi e no Paraíba.

 

 

Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?

Bidu Sous – Meu pai é violeiro, então eu cresci ouvindo música raíz, moda de viola. Ele sempre fazia umas rodas em casa com os amigos e sempre estava por perto. Sempre gostei de cantar. Lembro que na minha infância, uns 5 anos, nas nossas viagens de ônibus, eu ia cantando na viagem inteirinha, imaginava que a janela era um palco e ficava acenando pras pessoas na rua (risos)!

Minha mãe ficava pedindo desculpas para os outros passageiros porque eu não parava nunca. Eles diziam: “deixa, ela tá cantando bonitinho”. (risos)
Quando comecei a catequese aos oito anos de idade já entrei pro coral da igreja. Só parei de cantar na igreja com 19 anos. Saí do coral e fui cantar na noite. (rs). Mas a música sertaneja e o coral da igreja foram minha grande escola.

EM – Na adolescência você cantava temas de sertanejo raiz na igreja? Conta essa história.

BS – Eu e minhas irmãs montamos um coral gospel! Dividíamos as vozes, ficava muito bonito. E começamos a fazer paródia com os cânticos. Pegávamos uma música sertaneja famosa e colocávamos a letra das músicas da igreja. Começamos a chamar a atenção de muita gente, principalmente dos jovens e a missa começou a encher, eles gostavam de ouvir a gente. Mas aí uma das ajudantes do padre fez uma reclamação, disse que não era certo fazer aquilo com as músicas. Acabamos com o coral. Mas nossa técnica estava dando certo, levar os jovens pra igreja. (rs)

EM – E quando o blues entrou na tua vida e quando você decidiu se profissionalizar?

BS – O blues entrou na minha vida quando eu tinha uns 17 anos. Sempre gostei de conversar com pessoas mais velhas, nunca gostei do som que as pessoas da minha idade estavam ouvindo. Me lembro de ficar na marcenaria do meu avô com meus tios, ouvindo música e trocando idéia enquanto eles trabalhavam. E eles ouviam várias coisas, entre Janis Joplin, Roling Stones, Eric Clapton… e eu comecei gostar. Mas eu queria saber o que eles ouviram pra chegar naquele som, queria saber o que a Janis ouvia, o que os Stones ouviam. Foi assim que cheguei ao blues. Descobri Muddy Waters, Big Mama, entre outras coisas… e me apaixonei. Mas não sabia o que era “blues”, não diferenciava o estilo musical. Pra mim era um som, uma cadência que mexia mais comigo.

 

 

EM – O Vale do Paraíba tem uma cena blues bem forte. Como isso te influenciou? Ou isso não aconteceu?

BS – É verdade. Essa cena e os músicos da região, renomados no Brasil inteiro, me influenciam, com certeza. Mas isso não aconteceu no início. Me lembro de ter visto um show da Irmandade do Blues (uma banda de SP) em São Francisco Xavier e fiquei maravilhada. Fui conversar com o guitarrista, que era o Edu Gomes, acho que ele nem lembra disso, mas fui pedir um conselho. Falei que queria cantar blues e queria saber o que eu poderia colocar no repertório. Ele me falou de Etta James, Koko Taylor, Nina Simone, Billie Holiday. Nunca cantei Nina Simone e Billie Holiday, mas ouvi bastante (rs). E mais tarde conheci o Lancaster Ferreira, um grande guitarrista de blues e produtor, que se tornou um grande amigo. Mas o gosto pelo blues já estava aqui.

EM – Você está preparando o primeiro disco. O que podemos esperar dele? Teve algum fio condutor? Pelo menos nas três músicas que ouvi percebi que está bem puxado para o blues.

BS – Podem esperar um disco de blues (rs). Quando conversei com o Lan (Lancaster, produtor do disco) que queria gravar um disco, ele me perguntou:

– Você quer fazer um disco de sucesso ou fazer um disco de blues?

– Quero fazer um disco de blues.

– Ah bom! Se me dissesse que queria fazer um disco de sucesso eu não ia topar essa empreitada, porque o sucesso é imprevisível. Mas quando a gente faz o que a gente gosta, com alma, isso já nos trás o sentimento de realização, porque acreditamos naquilo de verdade. E ainda corremos o risco de fazer sucesso. Será o primeiro disco de blues tradicional lançado por uma mulher no Brasil.

EM – Você foi pega no meio dessa produção pela pandemia de Covid-19. Como afetou esse trabalho?

BS – Isso atrasou bastante o processo, porque estamos tomando todos os cuidados necessários, evitando proximidade etc. Então não podíamos gravar no estúdio, eu não podia ir na casa do Lan nem na casa de ninguém. Pra você ter uma ideia, o Lucas Espildora gravou os arranjos de slide em duas músicas com um celular da casa dele. Não tínhamos como esperar isso passar pra depois gravar. Depois você escuta e me diz o que achou. O menino é talentoso.

 

Bidu Sous e Lancaster

 

EM – Gostaria que falasse mais sobre a parceria com o Lancaster e sobre a banda que te acompanha.

BS – Agradeço a Deus por colocar pessoas como o Lan no meu caminho. Além de ser um grande músico, é uma grande pessoa. Um cara generoso e verdadeiro. Quando conheci o trabalho dele já fiquei fã de cara. Acompanhava nas redes sociais, ouvi muito o disco “Say Goodbye to Trouble”. No segundo show que assisti dele, ele já me convidou pra dar uma canja e a partir daí nos tornamos amigos. No disco, todas as músicas são autorais, compostas pelo Lan com co-autoria minha. Ele fez as letras e eu ajudei nas melodias. Mas as letras foram feitas baseadas no que ele conhece de mim. Hungry Woman, por exemplo, eu super me identifico. É que eu me alimento bem (rs). Mas esse processo de composição foi muito rápido. Quando começamos a compôr, em menos de duas semanas tinhamos todas as músicas. Foi uma conexão muito especial. Pra gravação no disco foi o Lan quem escolheu os músicos e eu fiquei muito feliz porque além de meus amigos, são pessoas que admiro muito. E por acaso, o baixista Raoni Brascher e o guitarrista Lucas Espildora, que gravou slide, fazem parte da banda que me acompanha hoje.

EM – Os festivais de blues e jazz no Brasil sobrevivem graças à Lei Rouanet e Sescs. E atualmente a cultura brasileira vem sofrendo um ataque sistemático do atual governo e essas duas frentes estão sendo muito afetadas com cortes e até uma certa marginalização. Qual a sua opinião sobre essa situação?

BS – Acho que isso é falta de informação de quem faz esse tipo de ataque. As pessoas tem preguiça de ler, de buscar a veracidade das coisas e se apegam em notas curtas e resumidas sobre muitos assuntos. O fake news que agrada é melhor que a verdade que derruba os argumentos. Ninguém vive sem arte.

EM – São tão poucas as mulheres blueseiras no Brasil. Você não escolheu um caminho fácil. Como encara isso?

BS – Já ouvi de muitas pessoas que deveria circular pelos vários estilos de música; pra não ficar presa a um rótulo; que o universo do blues é machista; que não ia durar se for só por nessa vertente; entre outras coisas.

Mas é que eu só canto o que eu gosto. É assim que eu encaro. Não fico pensando em fazer um som “comercial”, pra abranger um público maior. Preciso gostar, sabe? Pode ser que isso mude um dia… mas me dou esse privilégio, de fazer o que gosto e eu gosto de blues. (rs).

 

Fonte: Manishblog

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