Por João Marcos Rainho
Fascista! Fascista! Esse é o termo que apavora os ultradireitistas nas redes sociais e em suas – cada vez mais parcas felizmente – manifestações nas ruas. Os bolsomínions, herdeiros ideológicos do fascismo, vêem o termo como um palavrão, um xingamento, mas não sabem direito o que significa. Julgam ser algo como o nazismo, termo perigoso para eles, por conta da repercussão negativa que causa no público em geral, mas cuja doutrina admiram e professam abertamente ou sutilmente. Se você fala que odeia judeus e quer que eles morram, você é um nazista, mesmo que negue isso, que diga que nunca leu nada a respeito de nazistas, não frequenta reuniões nazistas nem tem o Mein Kampf na prateleira (os neonazistas têm o livro como um souvenir, mas não leem, porque ninguém consegue ler essa trolha mal escrita). Se você admira ditaduras, afirma que a violência é justificável contra seus inimigos, e fala em fechamento de congresso e prisão de juízes (só aqueles que não defendem suas causas, claro), você então é um fascista.
O fascismo, mais que uma ideologia confessável, é uma maneira de ser e de pensar. O termo foi criado e ostentado pelo fascista Mussolini, na Itália, em 1915. Era o nome de seu partido político – Partido Nacional Fascista – e até antes disso, de seu movimento Fasci d’Azione Rivoluzionaria. A palavra fascismo vem de “fascio”, uma espécie de feixe, uma arma usada na Roma antiga e que era vista como símbolo de poder. Musssolini resgatou esse símbolo. Semelhante aos nazistas se apropriarem de diversos símbolos do panteão nacionalista, cultural, imaginário, místico da Alemanha e de outros países, deturpando significados para se encaixar em sua doutrina racista, violenta e autoritária. Por isso são conhecidos como nazi-fascistas, porque o fascismo vai se adaptando à cultura autoritária de cada país e acrescentando novos componentes preconceituosos e violentos. Parecido com o que é feito no Brasil com nossa bandeira, símbolo nacional sempre roubado pelos ultradireitistas para associar aos símbolos de seu autoritarismo. É o neofascismo.
Em tese o fascismo propõe isso: um governo de punho forte, autoritário, violento, ditatorial, que defenda valores deturpados de moral, religião, bons costumes e patriotismo – apesar de serem todos vendilhões do templo e das riquezas nacionais -. Querem o fim da democracia e de suas instituições: fechamento de congresso, de judiciário, fim de eleições e de partidos, imprensa, e de qualquer oposição. Odeiam professores, intelectuais e artistas. Quem protesta é preso, morto, torturado, desaparecido. Interessante que os fascistas combatem o que chamam de “esquerda” justamente pelo seu pretenso autoritarismo… ditadura…etc. Por isso que algumas pessoas parcamente iletradas acham que o fascismo e nazismo são coisas de comunistas de esquerda. Até porque, o fascismo e o nazismo apregoam o que eles condenam no comunismo-esquerdista, que também não sabem o que significa direito, só se baseiam no que “aprenderam” vendo o filme Doutor Jivago.
No Brasil o fascismo fincou raízes profundas e pouco declaráveis. Os ultradireitistas nunca utilizaram o termo aqui, mas defendem toda essa ideologia detestável. Assim, podemos encontrar o fascismo na TFP (Tradição, Família e Propriedade), um grupo tragicômico com vestes medievais e bandeiras monarquistas que eram vistos na capital paulistas distribuindo santinhos do diabo. O ideólogo fascista nacional, mesmo sem usar o termo, foi Plínio Correa de Oliveira, idealizador da TFP, com seu discurso falso-moralizador contra o aborto, contra os padres progressistas e os que querem tomar as propriedades dos ricos e até o terreninho do pobre. São iscas para atrair ricos e pobres para suas causas totalitárias e monárquicas inconfessas. Ele morreu em 1995, mas seu fantasma ainda assombra seguidores que disputam seu legado – e dinheiro da TFP. Plínio era uma pessoa inteligente, sedutor nas palavras e na escrita, e não deixou herdeiros de sua questionada intelectualidade. Depois, a “cara nova” de Enéas, com seu discurso totalmente fascista, sem usar o termo claro, que ele, médico, porém analfabeto político, não conhecia direito, mas adorava tudo que vinha do fascismo.
Aí surge o oportunista Olavo de Carvalho, que percebeu esse vácuo na ultradireita brasileira e se lançou como candidato a líder ideológico com seu livro que não merece nem ser citado de tão mal escrito e mal fundamentado. A ultradireita brasileira, por falta de opção, e aproveitando o golpe parlamentar de 2016, acolheu o falso guru e falso filósofo de nível médio incompleto, como uma referência teórica e ideológica. E essa é uma característica inovadora do fascismo brasileiro: a burrice. São contra todos que pensam: intelectuais, artistas, cientistas, professores, jornalistas. Todos “comunistas”. O mesmo discurso de Mussolini e Hitler.
A neodireita no Brasil e no mundo abandonou apenas seu caráter expansionista, de invadir países, uma outra característica do fascismo. A experiência na Itália e na Alemanha mostrou ser contraproducente provocar guerras e ter contra si o resto do mundo. Então o negócio é destruir outra coisa: a democracia.
E aí entram os monarquistas. Um elemento que não aparece com clareza para o grande público nesse processo de golpe que vem sendo ensaiado há mais de 20 anos no Brasil e que destituiu o governo eleito de Dlma Roussef. Desde o plebiscito de 1983, que provou que o cidadão brasileiro não quer o retrocesso monárquico, os monarquistas enlouqueceram. Resolveram não tomar mais o poder, porque isso daria trabalho. Resolveram destruir os parâmetros democráticos e os avanços civilizatórios só para ridicularizar a democracia, causar o caos político, social e econômico, e tentar a volta de pelo menos um governo autoritário de direita, seja por golpe ou pelas urnas – como foi feito na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, e como já disse, em Portugal e na Espanha, no passado. E no Brasil bolsonarista atual, claro. Publicitários e profissionais de marketing que trabalharam na campanha monarquistas continuam seu trabalho regado com dinheiro farto da ultradireita.
Nos anos 90 surge um elemento que fortalecerá o processo fascista: a internacionalização das agências de comunicação. Pequenas assessorias de imprensa e marketing e também de propaganda passaram a fazer parte de poderosas redes internacionais. Empresas de comunicação nacionais que não se alinharam nas redes, quebraram ou perderam clientes multinacionais. Algumas tinham e têm como clientes governos e empresas de pensamento totalitário e golpista. Assim, as experiências internacionais se somam, se acumulam e servem para serem levadas para outros países. A própria experiência do golpe parlamentar brasileiro já é um ‘case’ internacional para ser replicado em outros locais. Assim, criaram uma fábrica de mentiras, antes do que conhecemos como Fake News e redes sociais. E aos poucos foram minando a sociedade brasileira com informação falsas, preconceituosas, para confundir, dividir e depois reinar pós-golpe. Reinar significa roubar o povo brasileiro, destruir o patrimônio de grandes empresas estatais, reduzir o meio ambiente a pó, trazer todo o tipo de veneno e remédios proibidos na comunidade internacional, tirar direitos dos trabalhadores e até dos trouxas pobres de direita, promover ampla corrupção, favorecer empresários inescrupulosos, manter privilégios e castas na gestão pública e nos três podres.
Quem deseja conhecer melhor o Fascismo deve ler George Orwell (sim, aquele do livro 1984), no ensaio “O que é o fascismo”. Orwell lutou na guerra civil espanhola, como voluntário. Sim, O ditador espanhol Franco e seu clone Salazar, em Portugal, eram fascistas e seus discursos de inimigo interno levou seus respectivos países a um fratricídio. Aliás, a retórica fascista também caracteriza essa gente. Normalmente um líder com poder da fala que consegue hipnotizar as massas com discursos fortes, másculos, de punho em pé e nariz empinado, e conteúdo sem conteúdo. O fascismo no Brasil atual não tem essa característica porque seus líderes são semianalfabetos. Nem o poder do discurso dominam porque falta vocabulário – isento pelo pouco consumo de leitura.
O fascismo é como um vírus, vai contaminando aos pouco a sociedade, porque cresce em momentos de crise social, econômica e política com sua explicação simplificada do que está acontecendo e quem são os culpados. E igual ao personagem Voldermort, em Harry Potter, vai atraindo seguidores para as trevas. Até a devastação total. Cuidado, é um perigo iminente.