Baianos levaram na chacota a fuga de um boi que foi parar na praia em Salvador, mas ela é uma crítica severa à indústria agropecuária
FOTO: DOUGLAS PEDROSA/REPRODUÇÃO FACEBOOK
Por André Uzeda para o site Socialista Morena.
A história do “boi afogado” em Salvador foi tratada como –mais– um caso jocoso do cabedal de histórias afeitas ao realismo fantástico desta cidade (a mais Macondo das urbes latino-americanas).
No entanto, enxergo essa narrativa bovina mais pelo viés do drama, do que por uma linha cômica e divertida, como usualmente acomete estas plagas.
Sigamos o fio por este pasto adubado.
O boi tinha 3 anos (idade que um animal desta monta já é considerado adulto). Veio da cidade de Teodoro Sampaio, no centro norte da Bahia. Era um boi de reprodução.
Ou seja, passava vida numa fazenda cruzando com outras vacas ou tendo o sêmen recolhido para produzir bezerros puros, fortes e saudáveis –na lógica dos produtores, não pode haver erro nestes cruzamentos. A gestação do boi é muito longa. 283 dias. 9 meses e meio (maior que do ser humano). E, diferente de outros mamíferos, não há ninhada. Apenas um filhote por vez. Daí o porquê dessa eugenia darwinista escancarada.
No último sábado, nosso herói de 600 kg foi levado para a Fenagro para ser exposto como um boi de reprodução. Num lance de até 12 mil reais. Estava lá como um produto a ser exposto e colocado em leilão. Esperto, aproveitou o vacilo do transporte no desembarque e fugiu.
Num primeiro momento, os donos até tentaram recapturá-lo, mas ele se embrenhou mata adentro para (desejo dele) não ser mais encontrado.
O boi queria a liberdade. Passou cinco dias vagando como um animal livre, vadio, se alimentando de mato selvagem (ao invés da ração proteica, balanceada e servida com hora marcada nas baias).
Quando o avistaram perto do aeroporto, a cavalaria montada da polícia foi chamada para a diligência. O boi correu para o mar (poético).
“Ele queria ver o mar”, canta Renato Russo. O mar aqui é uma metáfora da liberdade. A imensidão do oceano em contraste com a prisão interiorana em uma fazenda de corte, leite e curtume.
O boi preferiu o exílio da morte que a recaptura. O mergulho definitivo que ceifou sua vida arrebentou o último laço que o prendia. O suicídio era uma prática comum entre os escravos quando recapturados pelos capitães do mato.
“A gente conseguiu trazê-lo para a areia três vezes, mas ele voltava. Parecia que queria cometer suicídio”, disse ao jornal Correio o fotógrafo Douglas Pedrosa, autor das fotos e vídeos do animal que circularam Brasil afora.