Celso Barbieri Colunistas

Não precisamos nos desesperar, mas há outras incógnitas no covid-19

Tradução exclusiva do inglês, pelo AC Barbieri, correspondente em Londres do Baixada de Fato

– Eric Topol é entrevistado por Robert Bazell e revela sua visão cautelosa, mas otimista da situacão atual em relação ao COVID-19.

Eric Topol é um diretor de pesquisa médica. Escrito por Robert Bazell para o site Nautilos. Traduzido e adaptado por A. C. Barbieri.

*NOTA DO BARBIERI : Gostaria que soubessem que sempre leio um texto direto na língua inglesa e o avalio para saber se ele será do interesse dos caros leitores. Só então eu o traduzo. Aqueles que realmente entendem a língua inglesa, já devem ter percebido que a tradução literal de um texto nem sempre é possível portanto, para facilitar o bom entendimento, sempre tomo a liberdade de adapta-lo (ou complementa-lo)!

A página de Eric Topol no Twitter, com quase 300.000 seguidores, tornou-se um dos locais de referência para atualizações confiáveis ​​sobre está pandemia. Topol é o fundador e diretor do Scripps Research Translational Institute, professor de medicina molecular e vice-presidente executivo da Scripps Research. Entrevistei Topol pela primeira vez no início dos anos 2000, quando ele era chefe de medicina cardiovascular na Clinica Cleveland. Ele virou notícia como um dos primeiros e mais públicos críticos dos perigos do analgésico Vioxx, que seu fabricante Merck retirou do mercado em 2004. Topol é o autor do recentemente livro chamado “Deep Medicine: How Artificial Medicine Can Make Healthcare Human Again” (Medicina Profunda: Como a medicina artificial pode fazer o sistema de saúde humano novamente). Ele também é editor-chefe do Medscape, um site de notícias médicas. Em nossa conversa, Topol explicou o que podemos e não podemos esperar das vacinas, o que significou a falha de comunicação sobre a pandemia e, surpreendentemente, por que podemos confiar numa saída positiva para este problema. Abaixo segue a minha entrevista:
Pergunta: O que está em sua mente hoje?

Eric Topol: Estou furioso por estarmos nesta situação nos Estados Unidos. Todos os dias, penso em como poderíamos ter evitado centenas de milhares de mortes, mortes que foram desnecessárias e evitáveis. Como vamos sair dessa bagunça em que não deveríamos estar? Existem várias frentes que são encorajadoras. Estamos aprendendo a tratar melhor e usar medicamentos melhores. Nossa abordagem vai ficar cada vez melhor e fazer o número de mortes diminuir antes que haja uma vacina.

Pergunta: E quanto a “Longo COVID”, o nome agora aplicado a sintomas graves que atingem quase todos os órgãos do corpo após a recuperação da infecção aguda por COVID? Em muitas pessoas, a deficiência já dura meses e, como a doença é nova, ninguém sabe por quanto tempo esses sintomas podem persistir.

Eric Topol: Estou otimista, vamos ter menos mortes, mas, sim, o “Longo COVID” é muito preocupante. Jovens saudáveis ​​sofrem de “COVID prolongado” e apresentam sintomas bastante debilitantes. É realmente vital entender isso agora. Como o vírus pode afetar muitos órgãos diferentes por longos períodos de tempo? É bastante desconcertante.

Pergunta: Você já viu um vírus assim? Um que pode ser assintomático, matar pessoas rapidamente, permitir que algumas se recuperem e causar uma variedade de problemas crônicos e debilitantes?

Eric Topol: Não, não conheço. Agora vemos que essa condição inflamatória multissistêmica pode ser fatal para as crianças, com uma média 8 anos de idade. Quase 2 por cento das crianças com diagnóstico de COVID-19 nos Estados Unidos, que desenvolveram uma doença inflamatória multissistêmica, morreram disso, e a maioria delas acaba tendo que serem colocadas na UTI do hospital. Vemos isso também em alguns adultos. É debilitante e apesar não requer hospitalização, eles têm dificuldade para respirar e dores nas articulações – que são realmente reveladoras – dor no peito e outros sintomas que afetam a função cerebral.

Pergunta: Com tantos sistemas de órgãos envolvidos, parece que pode ser um distúrbio imunológico ou algum tipo, certo?

Eric Topol: Sim. Achamos que há alguma reação imunológica e inflamatória. Isso levanta a questão, devemos pensar em usar um não esteróide ou algum outro tipo de droga como um preventivo para o “Longo COVID”? A incidência é de 10 a 80 por cento, mesmo em jovens que se recuperam de um leve ataque de COVID-19. Então, sim, precisamos entender o histórico do sistema imunológico e da inflamação e, com sorte, prevenir isso.

Pergunta: O que essa resposta inflamatória perigosa diz sobre os possíveis efeitos colaterais de uma vacina?

Eric Topol: Uma boa resposta imunológica combate a infecção e ajuda a prevenir que ela nunca tenha “pernas” e se propague novamente. Mas uma vacina apresenta outro conjunto de preocupações. Pode desencadear uma reação imunológica de um tipo diferente.

Esperançosamente, a troca é favorável, mas não estamos fora de perigo. É algo que temos que manter em nossas mentes quando chegarmos ao estágio de vacina, o que estou convencido de que provavelmente faremos no próximo ano. Temos que ficar de olho no risco de acelerar o sistema imunológico de uma forma perigosa. Depois que alguém toma a vacina – semanas ou meses depois -, ele pode ter uma reação imunológica desfavorável. É uma grande incógnita.

Pergunta: Em termos de vacinas e anticorpos monoclonais, que andam juntos em alguns aspectos, estamos gastando muito tempo olhando para a proteína do pico, quando poderia haver outros alvos que são mais críticos?

Eric Topol: Sim, essa é uma ótima pergunta. Há muitos dados sobre como a biologia estrutural se destacou nesta pandemia. Átomo por átomo, molécula por molécula do vírus foi estudado e cristalizado ao enésimo grau. A proteína de ponta é um alvo, mas não necessariamente o melhor alvo. Empresas como a Regeneron estão procurando um coquetel de anticorpos monoclonais para atacar em vários pontos. A ideia é que pode haver variantes de escape. Sabemos que o vírus está evoluindo lentamente e não queremos que uma pessoa receba um anticorpo neutralizante, que deve ajudá-la por dois, três meses, mas ao longo do caminho pode haver alguma evolução do vírus, de modo que o anticorpo eles conseguiram não é mais neutralizante.

Pergunta: Os anticorpos monoclonais não são difíceis de produzir e caros? Os que estão no mercado como medicamentos para doenças autoimunes e câncer costumam custar 100.000 dólares por ano ou mais.

Eric Topol: Vamos colocar desta forma. Eles não são tão caros quanto o que as empresas cobram. Mas, ainda não estamos em condições de fabricar rapidamente grandes quantidades dessas drogas para milhões de pessoas, mesmo com o investimento que as empresas estão recebendo do governo. Portanto, os medicamentos serão relativamente escassos. Mas eles podem ser potencialmente muito úteis para pessoas recém-diagnosticadas ou em alto risco. Assim que conseguirmos uma produção em grande escala, eles não deverão ser caros. É realmente uma questão de subsídio do governo e controle de custos, o que nunca fizemos neste país. Não precisaremos ter 100.000 dólares. Poderá ser 100 dólares ou menos. Estas drogas estão com preços ridículos porque não existe supervisão. É um absurdo. Não deveríamos estar tão deprimidos. O que realmente precisamos é de paciência.

Pergunta: Você notou que os interferons, moléculas que ajudam a controlar o sistema imunológico, podem constituir outros tratamentos potenciais. Onde estamos agora sobre isso?

Eric Topol: É emocionante. Eles são a primeira linha de defesa em nosso sistema imunológico e são intrinsecamente importantes. Algumas empresas estão reaproveitando esses medicamentos, que podem ser inalados. Todas as pessoas em risco podem ter um inalador com interferões.

Pergunta: Que perguntas precisam ser respondidas o mais rápido possível por seus colegas de imunologia?

Eric Topol: Grande parte diz respeito às células T (as células do corpo que combatem as infecções juntamente com as moléculas de anticorpos). Sabemos que algumas pessoas que foram expostas a coronavírus do resfriado comum desenvolvem uma resposta de células T excelente a esses coronavírus. Quando são expostos ao SARS-CoV-2, eles desenvolvem uma resposta imunológica muito forte. Suspeitamos que, quando as pessoas não apresentam sintomas, isso tem a ver com suas células T. Aprendemos isso com o SARS original há 16 anos. Nós realmente precisamos entender isso com essa doença. Por que as pessoas morrem? A maioria das pessoas que morrem de COVID-19 tem essa resposta imunológica desregulada. Eles têm uma tempestade de citocinas e seu sistema imunológico entra em desregulação. Para onde quer que você olhe – crianças, por que a maioria das pessoas morre, o grupo assintomático, a previsão de vacina, o aumento de anticorpos – você verá que todos os caminhos levam à imunologia.

Pergunta: Quase todos os indivíduos e famílias na América do Norte (e no mundo) têm que tomar decisões todos os dias que dizem respeito ao COVID-19. Vou ao supermercado? Vou a um restaurante? Mando meus filhos para a escola? Posso ir trabalhar com segurança? Eles estão fazendo isso com base em tweets como o seu, ou lendo esse tipo de conversa, ou o que quer que eles confiem para notícias. O que podemos fazer sobre isso? Ou isso é necessariamente uma coisa ruim?

Eric Topol: Se o Sistema de Saúde Norte Americano tivesse um CDC (Centro de Controle de Doenças e Prevenção) real, como fizemos no ano passado, quando você e eu poderíamos esperar as melhores informações de saúde pública, o CDC seria um recurso indispensável e não haveria supressão de tal entidade. Seria liderar toda a resposta à pandemia, em vez de nos dar mensagens contraditórias. O que queremos é uma comunicação consistente. Veja os países que tiveram sucesso: Nova Zelândia, Vietnã, Tailândia, Taiwan, Estônia, Islândia, Coréia do Sul. Eles têm uma comunicação consistente com o público, uma voz que dá informações precisas, e eles constroem a confiança do público em vez da desconfiança. Nós não fizemos isso.

Pergunta: O que estamos perdendo sem uma comunicação consistente?

Eric Topol: Sem a voz certa e precisa, acabamos com informações incorretas e mensagens confusas. Você reabre estados que não estão prontos, que vão contra as diretrizes que funcionam em qualquer outro lugar do mundo. Quando você tenta forçar a abertura de escolas em uma zona não preparada, você perde a confiança das pessoas, mesmo aquelas que estavam ansiosas para reabrir ou ver seus filhos irem para a escola. Precisamos conquistar a confiança do público e, para isso, é preciso fazer as coisas de forma consistente, seguindo cuidadosamente as diretrizes simples. Esta não é uma cirurgia cerebral. Isso é muito simples. Mas, infelizmente perdemos muito tempo nos EUA.

Pergunta: O que você achou do artigo do Times, co-escrito por Michael Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, e Neel Kashkari, presidente do Federal Reserve Bank de Minneapolis, que argumentou que um bloqueio de seis semanas em todo os EUA poderia acabar com a propagação do vírus?

Eric Topol: Não seria bom se pudéssemos ter um bloqueio nacional e chegar a menos de 1 caso por 100.000 pessoas? Esse é o objetivo. O problema é que é uma fantasia. Não vamos fazer isso porque não temos vontade. A economia superou o impulso de suprimir a propagação. Assim, ao reabrir, obtivemos o que prevíamos, que é um aumento enorme e casos. Um bloqueio pode interromper a propagação, mas isso não vai acontecer. Você tem que ser realista.

Pergunta: Você vê sinais positivos?

Eric Topol: Sim. Temos que nos preocupar com os efeitos biológicos da doença. Mas, também devemos ser capazes de informar a população por que com com o uso de anticorpos neutralizantes e testes rápidos e outras tecnologias, devemos ter otimismo de que soluções estão chegando para nos ajudar. No momento, estamos em um modo bastante sério de desespero. Precisamos entender por que isso não é necessário. Não deveríamos estar tão deprimidos. O que realmente precisamos é de paciência. Não precisamos reabrir a sociedade tão rapidamente. Só precisamos dar um tempo porque muitas coisas boas estão acontecendo a partir de agora.
Robert Bazell, o responsável por esta matéria é professor adjunto de biologia molecular, celular e do desenvolvimento em Yale. Por 38 anos, ele foi correspondente chefe de ciências da NBC News.

 
Leia a matéria original aqui: http://nautil.us/issue/88/love–sex/we-dont-have-to-despair?utm_source=pocket-newtab-global-en-GB

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