Santos

Promotoria apela contra autorização para os ‘navios-bomba’ em Santos

Ministério Público reforça alertas dos perigos desses imensos navios que vão descarregar gás perto de centro urbanos, terminais petroquímicos e trechos de intensa navegação. O potencial energético de cada um é de 55 bombas de Hiroshima

São Paulo – O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) recorreu da decisão do juiz Andre Luis Maciel Carneiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Santos, que autoriza a operação dos “navios-bomba” no estuário. Em sua decisão, o juiz permite o funcionamento de um terminal que, na prática, terá uma grande embarcação capaz de receber o gás importado, que chegará em baixíssima temperaturas (-165ºC), em um outro navio. Ambos serão acoplados e o primeiro fará o processo de regaseificação e distribuição para gasodutos. O empreendimento é da Comgás.O magistrado considerou improcedente a Ação Civil Pública movida anteriormente pelo Ministério Público. Para ele, o projeto está totalmente dentro da regularidade e foram cumpridos os requisitos estabelecidos pela legislação. Além disso, apresenta vantagens sociais, como a geração de empregos, arrecadação de tributos e desenvolvimento da economia da região.Na sentença, Carneiro diz também que não cabe ao poder público determinar a forma de execução de negócios particulares, “sob pena de caos administrativo, insegurança jurídica e prejuízos inestimáveis tanto ao empreendedor quanto à sociedade, em face dos impactos econômicos e sociais ao empreendimento”. E escreveu ainda que haverá ganhos ambientais devido “ao incentivo da produção de energia limpa”, referindo-se ao “gás natural”. Mas esqueceu-se que o “chamado gás natural” tem origem fósssil. E que, portanto, emite gases de efeito estufa causadores do aquecimento global assim como a gasolina e o diesel. Assim, esse combustível não contribui para as metas de redução das emissões desses gases nocivos.Pela sentença, está tudo nos conformes, com harmonia entre os interesses do empreendedor, outros setores e as medidas de precaucação ambiental. Mas a situação não é bem assim segundo a promotora Almachia Zwarg Acerbi, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), da Baixada Santista, e o promotor Carlos Cabral Cabrera, da 16ª Promotoria de Justiça de Santos para Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente. Não que sejam do contra, assim como a sociedade organizada, mas apontam sérios problemas que devem ser sanados para evitar tragédias.

Sujeito a explosões, terminal deveria ter sido construído longe de centro urbano

E todos eles estão ligados principalmente à localização do terminal da Comgás, que aumenta o risco desses navios-bomba: o estuário de Santos. Para complicar, as demais opções locacionais apresentadas pelo empreendedor ficavam na mesma região. Era trocar seis por meia dúzia. Outro grande problema do negócio dos navios-bomba em Santos: as falhas no processo de licenciamento, que não fez análise adequada dos riscos.Segundo o texto da apelação do MP ao qual a reportagem teve acesso, o terminal será implantado a apenas 700 metros da linha da costa, paralelamente ao alinhamento do canal de navegação do porto de Santos, no Largo Caneú, entre a ilha dos Bagres e o Canal Piaçaguera.Trata-se de um local inserido na zona de expansão portuária, próximo a trechos de intensa navegação e de terminais químicos e petroquímicos. Isso aumenta a chance de acidentes e explosões. Outro complicador é a proximidade com centros urbanos densamente povoados. São os diversos bairros de Santos, e Vicente de Carvalho, no de Guarujá. E tem ainda a população que trabalha nas atividades portuárias. “O levantamento dessas populações não foi realizado pela interessada (Comgás), muito menos foi solicitado pela Cetesb; estima-se que poderá acarretar várias centenas de fatalidades”, destacam os promotores em trecho da apelação.“Não há como não reparar nas imagens o perigo iminente da proximidade de uma estação tão perigosa, com potencial de até 193 bombas de Hiroshima, ser posicionada tão próxima de região tão densamentepovoada, com riscos ambientais, sociais e econômicos para toda a economia do país”, diz em parecer o químico e engenheiro industrial Elio Lopes dos Santos, que representou Associação de Combate aos Poluentes (ACPO) como Amicus curiae em uma ação em que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu liminar determinando a paralisação da implantação dos navios-bomba. No entanto, a Procuradoria do Estado conseguiu derrubar a liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Navio-bomba têm potencial de mais de 50 bombas de Hiroshima

A comparação do potencial desses navios com o poder de destruição da bomba atômica foi feita pelo físico, advogado e escritor estadunidense Amory Bloch Lovins. Em seu livro “Power Brittle”, ele afirma que “o conteúdo de energia de um único navio metaneiro GNL padrão (de 125 mil metros cúbicos) é equivalente a sete décimos de um megaton de TNT, ou cerca de 55 bombas de Hiroshima”.Ainda segundo o engenheiro, há, ainda, outra significativa omissão no estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) e estudo de análise de risco (EAR): a ausência de análise do risco social relacionado à passagem do navio metaneiro pelo canal de Santos. “Parte operacional da atividade a ser licenciada consiste no deslocamento do navio, que transportará o gás importado, ao longo de aproximados quinze quilômetros do canal, até o terminal destinado ao recebimento do gás, situado dentro do estuário”, lembrou o especialista em parecer.Além disso, segundo o Ministério Público, uma possível explosão podem alcançar distâncias de mais de um quilômetro, e que isso não foi considerado em análise de risco social mesmo com a população existente ao longo do canal de Santos. Diante da gravíssima constatação, o MPSP indagou o empreendedor sobre a falta dessas avaliações de risco social referente à passagem dos navios metaneiros pelo Canal de Santos. A resposta foi a inexistência de metodologia, bem como qualquer outra normatização nacional – exceto as existentes para as instalações fixas e sistemas lineares (dutos).Por meio de nota enviada à redação pela assessoria de imprensa, a Cetesb disse que “durante o processo de licenciamento ambiental, levou em conta os efeitos adversos associados a implantação e operação do empreendimento, para evitar, minimizar ou compensar os impactos negativos, que foram objeto de ajustes de projeto e exigências técnicas”. A íntegra do posicionamento poderá se lida no final da reportagem.

Navios-bomba’ ficarão nos destaques vermelhos, muito próximos ao porto e grande adensamento populacional, cujos impactos não foram considerados pela Cetesb. Foto: GoogleMaps

Vazamentos no sistema podem virar nuvens incandescentes

Segundo literatura internacional, devido ao potencial inflamável do gás natural, possíveis vazamentos em equipamentos desses navios e em seus sistemas de transferência podem resultar em diversos desfechos. A dispersão na atmosfera, se perto de fontes de ignição, causa jato de fogo, nuvem incandescente, bola de fogo e até explosões. A propagação de radiação térmica, que pode ser intensa, representa elevado potencial de riscos à saúde humana e ao meio ambiente.Não é descartada também a “ruptura catastrófica” ou grande vazamento com ignição do gás natural liquefeito armazenado nos tanques criogênicos dos navios-bomba, ou mesmo em caso de colisão com outras embarcações, devido ao grande fluxo local. Por isso a assessoria técnica do MP projeta “quantidades significativas de fatalidades, além de prejuízos às atividades portuárias cujos estudos não foram exigidos pela Cetesb” para qualquer das regiões próximas ao canal de Santos: Ponta da Praia, Estuário, Macuco, Vila Mathias, Vila Nova, Paquetá, Centro, Valongo situados no município de Santos e dos bairros Jardim São Manoel/Vila Santa Rosa, Jardim Conceiçãozinha, Itapema e Vicente de Carvalho no município de Guarujá.É justamente para evitar tragédias que países desenvolvidos têm normas para a instalação desses terminais bem afastados da costa. Nos Estados Unidos depende de autorização da Administração Marítima do Departamento de Transporte e da Guarda Costeira. São esses órgãos do governo que determinam a distância, que não deve ser inferior a 3 milhas da costa. Ou seja, equivalente a 4,8 quilômetros. Isso justamente para proteger vidas.Como se fosse pouco todo esse conjunto de risco à população e à estrutura portuária devido à operação de descarga dos navios-bomba, tem ainda o gasoduto. Com 8,5 quilômetros de extensão, transporte uma substância inodora, odorizada apenas quando chega em Cubatão. Com isso há perigo aumentado durante as operações de descarga e o transporte. O gasoduto, aliás, passará próximo de uma comunidade e uma empresa que utiliza carga elevada de eletricidade para a eletrólise, o que aumenta o risco em caso de vazamento de gás, segundo especialistas.

Tem ainda os riscos aos ecossistemas

Para além dos riscos à segurança, e não menos importante, a instalação do terminal dos navios-bombas em grande área de mata atlântica é nociva ao bioma e outros ecossistemas. O processo de regaseificação utiliza água do mar para aquecer o gás, recebendo produtos químicos para proteção dos vaporizadores, como o hipoclorito de sódio. Isso atinge diretamente locais de alimentação de aves, atividades de forrageio e de reprodução de espécies aquáticas marinhas e fluviais e os bancos de sedimentos.Segundo alertou a ACPO, há ainda o risco de, em caso de explosão de navios-bomba, uma vasta região da cidade e do porto vir a ser atingida, assim como a cava subaquática carregada de substâncias químicas tóxicas;Com base na análise dos documentos que instruem o licenciamento ambiental, o MP concluiu que o faltou à Cetesb examinar integralmente todos os aspectos ambientais inerentes ao temrinal dos navios-bomba. Isso porque admitiu que a maior parte dos seus impactos possam ser posteriormente monitorados, visando avaliações quanto a necessidade de medidas corretivas. “Portanto, questiona-se por qual motivo a Cetesb deixou de estabelecer igual procedimento para avaliação dos riscos sociais, uma vez que, em face do grande adensamento populacional existente nas regiões lindeiras ao canal de Santos, pode haver um número significativamente elevado de fatalidades”, diz trecho do documento.

Por Cida de Oliveira, da RBA

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