Paradigmas Filosóficos

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Entrevista

 Luiz Meirelles, presidente do Centro de Estudos Filosóficos de Santos (Cefs)

A importância do estudo da Filosofia para a formação de cidadãos mais conscientes

A reforma do ensino médio proposta pelo Governo Federal, via medida provisória – e ainda dependendo da aprovação ou não do Senado -, foi um novo golpe na disciplina de Filosofia. Não é a primeira vez que tentam removê-la da grade estudantil. A ditadura militar tirou esse estudo da pauta das escolas por 20 anos e ficou mais 10 anos fora até retornar oficialmente. Pensar é perigoso para governos totalitários. E nossa frágil democracia está revendo o filme que parecia ter superado. “É um retrocesso”, critica Luiz Meirelles, presidente do Centros de Estudos Filosóficos de Santos (Cefs), instituição que se dedica há 16 anos (fundada em março de 2000) a promover cursos livres e cafés filosóficos na Baixada Santista. A procura atrai pessoas de todas as idades e diferentes formações acadêmicas, e até sem formação. O que vai na contramão na tola ideia de nossos governantes de que Filosofia não é importante. Graduado em Direito, Letras e Filosofia pela UniSantos, e mestre em filosofia pela PUC, Meirelles trabalha como oficial de justiça federal. Seu emprego estável permite investir em sua proposta cultural sem ser afetado por canetadas irrefletidas dos burocratas de plantão. Mais de mil pessoas assistiram as aulas e palestras do Cefs. Luiz Meirelles define a Filosofia como “A busca desinteressada pela verdade”. Nestes tempos de intolerância e certezas burras de gente que gosta de replicar nas redes sociais mentiras convenientes para suas convicções, a busca pela verdade parece estar meio fora de moda para coxinhas e mortadelas. Um prato feito para uma boa discussão filosófica.

BAIXADA EM REVISTA – Qual a importância da Filosofia?

LUIZ MEIRELLES – A importância passa pela ideia do que seja a Filosofia:  a busca desinteressada pela verdade. Para isso é preciso saber refletir. E a disciplina nos colégios não deveria ser propriamente centrada nas questões históricas da Filosofia. Deveria ser centrada no raciocínio, no desenvolvimento das habilidades racionais. Se estudassem dessa forma, desde os primeiros anos da vida escolar, não haveriam tantos vícios e engodos de raciocínio nos adultos.

BAIXADA EM REVISTA – Pode explicar melhor esses vícios e engodos?

MEIRELLES – Por exemplo, quando um professor fala: “Alguns alunos foram mal na prova”. Isso significa na verdade que outros foram bem.  Mas fica entendido que a maioria foi mal. É um engodo. Quando me refiro à parte não me refiro ao todo. Assim, somos levados pelo discurso oficial. As pessoas compram um discurso não dito. É assim que se desvirtuam números de estatísticas. Pinçam um número e fazem desse número “A” estatística. É apenas um número num contexto.

             

BAIXADA EM REVISTA – O discurso oficial agora, do governo, diz que a Filosofia não é tão importante e não deve mais ser matéria obrigatória no ensino médio.

MEIRELLES – A Filosofia faz parte de todas as graduações de ciências humanas. E essa disciplina voltou no ensino médio após mais de 30 anos de hiato, que iniciou na época da ditadura. Entretanto, voltou e os cafés filosóficos se expandiram e ganharam a mídia. Vários filósofos viraram popstar e best sellers. Apesar que a Filosofia perde um pouco com a proliferação desses popstar de filosofia de mídia. E muitos professores se esforçam para que a Filosofia seja algo de real valia para os alunos, e não apenas uma aula para decorar nomes de filósofos e datas. Isso porque algumas escolas também não valorizam a disciplina de Filosofia; é aquela aula que fica nos últimos horários da sexta-feira. De qualquer forma, as faculdades mal começaram a preparar professores para lecionar filosofia em larga escala e agora o governo acena com esse retrocesso.

                      

BAIXADA EM REVISTA – O governo induz que o que interessa é apenas o conhecimento técnico, principalmente de exatas. Entretanto, diversos países desenvolvidos valorizam a graduação de humanas, como filosofia e letras, por exemplo, na contratação de executivos de grandes empresas.

MEIRELLES – Quando falamos de administração, a atividade de gestor não se constrói apenas com a técnica. Deve-se navegar em todas as áreas e a filosofia proporciona esse olhar mais amplo. Quando fiz o mestrado em São Paulo vi professores de Filosofia atuando com aulas particulares para grupos de gestores de empresas. No caso do ensino médio, muitas escolas hoje estão formando alunos apenas para passar no vestibular. Mas filosofia também cai no vestibular! A redação do vestibular da Fuvest deste ano abordou o iluminismo e a filosofia de Kant. Derrubou muita gente!

BAIXADA EM REVISTA – E o público que procura os cursos do Cefs, vem em busca de que tipo de conhecimento?

MEIRELLES – As pessoas aqui buscam um conhecimento extra, enriquecimento cultural. Os grupos são bem heterogêneos, com pessoa de idade entre 15 e 80 anos, mas a maioria está na faixa de dos 30 anos. A partir do ano passado notei uma grande presença de médicos, que sabem dos desafios de entender os medos e insegurança dos pacientes. Muitos psicólogos também começam a se interessar pela Filosofia. Fechamos uma turma só com estudantes de Filosofia da Unip. Então, quando um profissional, de qualquer área, pensa em ir além do pensamento científico, a Filosofia proporciona uma boa base.  A ciência avança quando a ciência deixa de pensar como a maioria dos cientistas. Quando um pesquisador procura um fato que não se enquadra na pesquisa tradicional, nas exceções, sua pesquisa avança para encontrar novas soluções não convencionais. A Filosofia não oferece respostas. Ensina a perguntar. A Filosofia serve para gente encontrar as perguntas certas.

BAIXADA EM REVISTA – Qual seu objetivo ao fundar o Cefs?

MEIRELLES – Fundei o Cefs com um grupo de alunos de Filosofia. A ideia inicial era de um grupo de estudos, mas migramos para uma associação. Nosso objetivo foi falar de filosofia fora da academia. E disseminamos os estudos de Filosofia em cursos, seminários e cafés. Nos cursos, os módulos possuem 4 aulas, e nosso eixo central é história da Filosofia. Centramos os cursos em metafísicas, teoria do conhecimento e ética. Alguns são eventos gratuitos, as aulas são pagas e divididas em módulos. Os seminários anuais e cafés filosóficos são gratuitos.

BAIXADA EM REVISTA – Os eventos gratuitos, mesmo ocorrendo em lugares bem acessíveis e confortáveis como o Sesc, não atraem grandes públicos. A que fator isso ocorre?

MEIRELLES –   As pessoas não estão acostumadas com esse tipo de tema. Falta hábito. E muita gente acha que Filosofia é um assunto complicado. Por isso nosso público não é muito extenso.

                      

BAIXADA EM REVISTA – A Filosofia consegue tornar as pessoas melhores?

MEIRELLES – Se as pessoas se tornam melhores é algo que depende só delas. Pode existir alguém que conhece bem filosofia e seja uma pessoa péssima, do ponto de vista de relacionamento humano. A questão de ser melhor é pior é relativo e a Filosofia proporciona ferramentas para que as pessoas se posicionem melhor perante a vida, com mais segurança diante dos fatos.

BAIXADA EM REVISTA – Esse hiato de 30 anos sem o ensino de Filosofia nas escolas comprometeu uma geração. Hoje em dia, saber pensar faz falta.

MEIRELLES – Ficamos um longo tempo sem o ensino de Filosofia nas escolas. Se tem mais gente estudando Filosofia, são mais pessoas pensando em inovações, o que é bom para o País. Mal nos acostumamos com a Filosofia depois de muito tempo fora da escola. Por isso a Filosofia no Brasil ficou segmentada a ideologias políticas. “Se você não pensa como eu você não sabe pensar”.  Ainda não tivemos tempo para um amadurecimento filosófico. É uma deficiência devido a essa lacuna na nossa formação acadêmica, na formação de professores de Filosofia. Ficamos um bom tempo limitado pela quase exclusividade de religiosos se graduando em filosofia. Tivemos uma influência do ensino de filosofia da escola francesa, que tem uma linha mais ideológica.

BAIXADA EM REVISTA – Temos bons livros e autores de filosofia nacionais em sua opinião?

MEIRELLES – Temos bons livros de bons pensadores. Filósofo é um termo complicado. Todo mundo tem reflexão crítica da realidade de algum modo, não apenas o que denominamos filósofos. Formar-se em filosofia não significa que você será diferente. A graduação é apenas um começo. Um filósofo é aquele quem consegue interferir no debate filosófico, nas grandes questões da filosofia, de modo relevante. Participar do debate. Veja por exemplo o caso de Newton da Costa, (matemático, lógico e filósofo brasileiro. Professor de matemática e filosofia na USP e Unicamp (sua formação é engenharia civil e licenciatura em matemática), um nome desconhecido para muitos por aqui, mas que tem projeção internacional. Ele conseguiu interferir no debate internacional da lógica. E é contemporâneo. Mora no Rio Grande do Sul. Além disso, temos também grandes pensadores, estudiosos e autores específicos de temas de filosofia, mas não alcançaram esse ponto de interferir no debate filosófico.

BAIXADA EM REVISTA – Qual o futuro da Filosofia?

MEIRELLES – O futuro da Filosofia é promissor devido às crises que a humanidade enfrenta. “A alegria dos filósofos é a crise da sociedade”, costuma-se brincar. Porque sem crises os filósofos não têm papel nenhum. Os países mais desenvolvidos valorizam muito a filosofia. É um componente essencial para o desenvolvimento humano. Permite uma leitura melhor dos acontecimentos. Oferece estrutura de pensamento, posicionamento melhor. Ideologia todos têm a sua. Com a Filosofia, o indivíduo tem mais condição de ver o mundo e se posicionar. A ciência tem perguntas em questões de fundo em suas pesquisas e são perguntas filosóficas. A moderna filosofia da ciência discute a ética. O cientista desenvolvendo sua pesquisa tem uma preocupação ética. E isso já é Filosofia.

BAIXADA EM REVISTA – Devido ao ensino de Filosofia no passado estar muito ligado a colégios e faculdades católicas, inclusive na formação de professores, como fica a religião na filosofia?

MEIRELLES – Quando eu fui estudar Filosofia muita gente me perguntou se eu ia ser padre. Hoje, essa confusão persiste, e além de achar que o estudante de Filosofia será um religioso profissional, as vezes também é tachado de ateu. Dois opostos. Ou o estudante de Filosofia é ateu ou religioso, no pensamento comum. O debate religioso, a questão da existência de Deus é algo complicado e tem a ver com crenças das pessoas. Para se pensar Filosofia, exige-se que se suspenda todas as crenças. Só assim é possível filosofar e pensar um mundo que não é nosso mundo atual. Uma hipótese que não é a que vivemos.

BAIXADA EM REVISTA – A intolerância que assistimos hoje nas discussões do Facebook também são questão filosóficas?

MEIRELLES – Eu não participo de debates no Facebook, mas acompanho diariamente. A intolerância disseminada no Facebook é um problema de falta de formação das pessoas. Não é um problema do Facebook em si, que é uma ferramenta de comunicação extraordinária. O Facebook proporciona um certo distanciamento, as pessoas estão em casa. As pessoas se sentem protegidas no meio eletrônico e acabam falando bobagens. Acirra os ânimos. E as discussões mais calorosas saem do Facebook e ganham as ruas. E se agridem nas ruas. O Facebook é a pracinha de antigamente. As pessoas iam para as pracinhas e brigavam com os amigos. Mas no Facebook você briga com os amigos e todos assistem. Encontramos dados deturpados e manipulados até de pessoas que estudaram Filosofia e de pessoas com bom nível cultural, que tiveram acesso ao conhecimento, tomando posições absurdas. Antigamente não havia tanta violência, refiro-me a esse acirramento entre pessoas comuns, não entre bandidos, porque não havia tanta liberdade. A sociedade tinha uma certa disciplina. E quando você quebra essa disciplina a pluralidade vem à tona. Temos exemplos em outros países de sociedades bem organizadas, que vivem uma disciplina rígida. São rígidos, mas disciplinados. Se sair da disciplina são punidos rigidamente. Não tem a liberdade que temos aqui, mesmo com todas as limitações que temos no Brasil. De qualquer forma, em nosso país, as pessoas precisam de uma melhor formação cultural e mais acesso ao conhecimento. 

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