Colunistas Márcia Simões Lopes

Um mergulho na mente do patriarcado – parte 1

Por Marcia Simões Lopes:

Homens alcançam longas distâncias e se esquecem de onde partiram

 

Tenho dedicado minha observação aos estudos da mente e do comportamento humanos. Conhecendo lá trás, como foi formado o sistema de crenças que hoje valida as leis e os valores (des) humanos em nossa sociedade contemporânea, podemos traçar um caminho de volta para Casa. A saudades da alma, de quem somos essencialmente é um sentimento de muitos! E a falta de entendimento por parte das pessoas sobre o que é essa “saudades” – que em verdade é uma saudade de si mesmo – tem gerado melancolia, tristeza e outras sensações negativas, ao ser humano.

 

Cada “frase” minha, igual essa acima, resulta de uma lição que escolhi aprender. A história do homem esquecido, vem da memória do arco e da flecha que, lançada, viaja por entre colinas e sobre rios assumindo grandes distâncias porém esquecendo do arco de conhecimentos, que a impulsionou partir.

 

A vida trouxe para mim várias experiências, com o masculino não desperto, presente ainda, em grande parte dos homens. E a memória ancestral revelou-me o caminho, para que eu pudesse processar as lições e realizar o aprendizado.

 

Tudo – ou pelo menos quase tudo – o que buscamos saber, está em nossa mente. Temos – ou somos – bibliotecas do Universo. Os antigos diziam que em nossa mente humana trazemos, cada um de nós, uma cartografia do universo. A visão cosmológica do Povo Guarani sobre a vida, o humano e o universo surge desse saber antigo e que a sociedade ocidental, ignora. Não ao acaso, também, os povos Maia são exemplos de exímios agricultores; por possuírem o conhecimento do céu, o funcionamento dos solstício e equinócio e dos ciclos das luas, conheciam a terra e suas variações, sabendo o que era plantar no momento de plantar e o que colher no momento de colheita.

 

Muito temos falado, pois os acontecimentos são constantes. Um desdobramento atrás do outro, igual ondas do mar agitado. Porém, percebo a superficialidade no olhar, ignorando as profundezas dos rios, que impulsionam o movimento das águas.

 

Os colonizadores invadiram territórios alheios, trazendo com eles um conjunto de normas e valores, formando as novas crenças desta terra. É sabido que logo após Cabral aportar aqui, chegaram os jesuítas. Com seus crucifixos, diziam-se representantes de um único deus e trouxeram em nome desse deus, o pecado e o castigo como consequência ao não cumprimento de suas ordens. A partir desse momento, em 1500, o homem foi dissociado da floresta, da natureza e do conhecimento cosmológico, tornando-se presa de um sistema de crenças implementado pelo colonizador, onde havia um único deus e à semelhança desse único e absoluto deus os invasores criaram hierarquias de poder entre as pessoas, que se dividiam entre escravos a mandantes, donos e despossuídos, explorados e exploradores e assim por diante.

 

A mente do patriarcado foi criada em algum momento da história. Intimamente, todas as mulheres sabem desse acontecimento. Porque fomos direta e imediatamente afetadas por essa concepção. Os homens despertarão para essa informação no momento quando despertarem para eles próprios. Estão – ainda – adormecidos de quem verdadeiramente são.

 

É a mente – nutridora das crenças – e não o comportamento, o foco desse saber. A mente é o ar volátil, que leva o navegante à tragédia ou à bonança.

 

A mente do patriarcado concebeu a sociedade tal como é hoje; gerou valores, conceitos e Lei inclusive, para validar a ilusão do homem ganancioso preso à vaidade de sempre precisar mais, acumular mais, criar exércitos e torcidas para vencer as competições que criou, tomar posse de mais terras e de mais territórios. Até hoje, estamos presos a essa demência mental criada lá trás, que formou e desenvolveu o sistema acumulativo e competitivo onde estamos agora, conhecido como “patriarcado” e/ou “capitalismo”.

 

Mulheres, vítmas das perseguições desse patriarcado, percebendo o cárcere que se formava denunciaram e lutaram contra as correntes que as prendiam. Mulheres, submetidas pela força e pela Lei, serviam os homens na cama, na mesa e no banho – sexualmente, no preparo do alimento e na manutenção da casa e da higiene.

 

Mulheres submetidas aos caprichos dos homens, servindo-os como escrava sexual. Mulheres aprisionadas sem o direito de dizer sim ou não, sem direito de expressão, sem direito individual e social, confinadas nas masmorras masculinas, de todas as classes sociais criadas, na divisão do trabalho.

 

Estupros e sequestros e, lá adiante, agora, por desconhecer de onde viemos buscamos recapitular a origem das terras, de onde partimos.

 

Criou-se, a partir da mente violenta, elaborada pelo homem, a sociedade que até os dias atuais, perdura. A mulher, tida como ser inferior; o pobre e o rico e, a omissão de uma riqueza surgida das invasões, das apropriações indevidas e do benefício das armas de fogo dando vantagem ao mais violento: o invasor.

 

É a partir dessa sistemática reprodução mental, de onde parte o comportamento humano, movido por pensamentos que orbitam crenças desumanas, que tudo e todos estamos condensados, para o mesmo fim.

 

Revelações brotam, apontando o grau de corrupção da mente humana em relação à mente do universo. A cosmologia dos vários Povos nativos expõe essa deficiência mental adotada pelo colonizador, a partir do Ignoto.

 

Alguns indígenas dizem ter dificuldade em compreender o conceito de luta de classes, elaborado a partir do ocidente, ou seja, do ser humano já retirado do seu local de origem e colonizado. Compreensível não compreenderem e, para iniciar o processo do aprendizado ao que não é compreendido, pode-se começar reconhecendo as lutas milenares contra a opressão, a violência e a exploração do capital sobre o humano, nas cidades e no campo e que, em regra, são lutas solidárias aos Povos nativos.

 

Afastados do Grande Mistério, da Grande Teia, da Grande Mãe, da floresta e do próprio espírito, sem referências dos mais velhos e passadores de conhecimentos, a ampla maioria dos não indígenas criou, em alternativa ao patriarcado, o próprio entendimento a respeito da vida e da organização da sociedade.

 

As distorções do entendimento humano a respeito da vida e do próprio humano, surge, dessa separação.

 

Como podemos observar, a separação é o início dos conflitos e consequentemente, das guerras!

 

A maioria dos não indígenas ainda vive a ilusão da separação; de crenças trazidas pelo colonizador, espalhadas através das literaturas e outras ferramentas de acesso à informação. A literatura ocidental é notoriamente separada do mundo espiritual. Um exemplo clássico é a fase “existencialista” da humanidade, que trouxe pensadores que muito contribuíram com suas reflexões sobre o humano e o mundo. Naquele momento da história da arte, o Homem alcançou o profundo da alma humana e, por ignorar o espírito como parte da vida, canalizou esse sentir, essa percepção, para o tédio e o lamento – a negação da vida. Igual cachorro correndo atrás do próprio rabo, ficou o Homem em torno de si. Apartado da própria espiritualidade, sem saída ao que de belo e real identificou, o Homem tornou-se vítima de uma forma de pensamento incapaz de dar respostas a ele próprio, a partir de si mesmo.

 

A literatura compartimentada do ocidente sinaliza uma visão do Homem ocidental, a respeito de si próprio, enquadrada ao padrão mental do colonizador ou seja, presa aos princípios do patriarcado.

 

A indiferença, por parte de alguns, com relação a violência que ocorre no país agora, é o reflexo dessa mente submissa ao patriarcado.

 

Segundo estatísticas, mulheres brancas foram o principal voto que elegeu Donald Trump presidente dos EUA. A memória de submissão ao homem, herança do patriarcado, induziu mulheres olharem para o homem branco, Trump, como sendo ele o “salvador” ao que elas imaginavam precisar. O mesmo ocorre no Brasil com algumas mulheres que confiam no Bolsonaro, por semelhantes motivos. Tocadas pela memória do protetor, genitor, elas vêem nele o homem que combaterá o mal, restabelecerá o ninho da tradicional família brasileira e trará segurança a elas, mulheres.

 

Outras mulheres despertaram para essa ilusão, libertando-se da falsa memória criada pelo patriarcado de que o homem é a chave para a liberdade e, em resposta ao que acordaram somaram-se aos movimentos sociais e populares, com os vários setores da sociedade, para a criação de um outro e novo princípio de sociedade.

 

A questão não é comportamental! Há rios nas profundezas dos oceanos impulsionando o movimento. E é para esses rios que devemos direcionar a nossa atenção.

 

Há uma fonte sistematizando pensamentos. E essa fonte é a mente; de onde partem os pensamentos que, movidos pela força gravitacional das referências que formam essa mente, pendem para o lado onde vibra a frequência ao que está exposto. Se a pessoa está embevecida de toxinas emocionais – heranças de padrões, rejeições, traições, abandonos, humilhações não esclarecidos e não curados – a mente penderá para o lado da ferida tóxica da violência. É uma questão de ressonância. Daí surgirem as cegueiras que muitas vezes, não compreendemos. Porque elas são invisíveis e portanto desconsideradas pelo olhar superficial.

 

Muitos estão acordando para a verdade. Estão se libertando das correntes que os aprisionam, nos calabouços mentais.

 

Porém, há uma parcela da população adormecida, ainda, cuja força gravitacional pendem os pensamentos para o lado do lixão – a opressão, a violência, o individualismo – em ressonância à mente gananciosa, violenta e opressora do patriarcado.

 

Novas situações se apresentam, conforme despertamos para o cenário que se forma, no país e no Planeta. Temos muito o que observar e aprender. O mar está para peixe e não podemos correr o mau risco de morrer de fome, na beira da praia.

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