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O árbitro eletrônico e a Lava-Jato para não precisarmos debater sobre ética

Tenho visto intensas discussões sobre a utilização do árbitro de vídeo para dirimir lances os quais o árbitro não tem conseguido resolver numa fração de segundo. Aquela simulação de falta, aquele impedimento… Tocou na bola? Foi mão? Pênalti? Essa nova possibilidade proporcionada pelas maravilhas da tecnologia moderna se insinuam como um marco decisório, um veredicto: a justiça, a partir de hoje, será feita e não falhará mais!

 

Ao mesmo, num terreno mais ardiloso, temos a Operação Lava-Jato que carrega em si uma promessa de limpeza no ambiente político e empresarial. Um toque de mágica! Um juiz de primeira instância coloca sua capa e faz justiça para o delírio de uma massa amorfa que agora não precisa mais construir o dia a dia: há um juiz, um justiceiro, alguém que olhará por nós! Alguém que vai salvar o Brasil da injustiça e da corrupção: a justiça, a partir de hoje, será feita e não falhará mais!

 

Este demiurgo, tosco e desesperançado em seu esforço reflexivo, se pergunta: e a ética? Sim! E a ética? Aquele conjunto de preceitos valorativos e morais de um indivíduo, atemporal e que se relaciona com um conceito lato de justiça. Onde fica a ética nisso tudo?

 

Porque, em nenhum momento, estamos discutindo os valores de nossa sociedade. Como se fosse possível colocar uma câmera em cada esquina para cuidar de nossos pequenos ilícitos. Pensamos obtusamente num árbitro eletrônico como uma maneira de estabelecer uma “otoridade infalível” para cuidar dos desvios de conduta. Mas, quando vamos discutir esses desvios de conduta?

 

Quando vamos olhar para o campo de jogo e refletir o porquê de nossos jogadores simularem tantas faltas e agressões enquanto em campeonatos europeus esses mesmos jogadores brasileiros, já transladados, não cometem os mesmos delitos? E por que, nós, torcedores, exultamos com esses equívocos rotineiros numa ode ao “roubado é mais gostoso”?

 

Na Lava-jato, idem ibidem, vemos arbitrariedades sendo cometidas contra um sistema de leis que, embora falho, constitui o conjunto de regras a serem seguidas por todos. Mas não importa: “os fins justificam os meios”! Se essas arbitrariedades forem em nosso favor, claro. Vamos bradar contra o outro lado e fazer prevalecer nossas vontades. Lógica de consumo na veia! (Neste momento muitos fingem não se identificar com essa idiossincrasia.)

 

Quando finalmente refletiremos sobre o porquê de tantos indivíduos envolvidos em escândalos terem saído do seio da sociedade? – (a sua, a minha, a nossa!) Parece clichê, mas, mesmo exaustivamente repetindo isso, nas próximas eleições veremos esses mesmos cidadãos empunhando causas e bandeiras para nos salvar. Nos salvar deles próprios…

 

Afinal, o erro está em quem? Recentemente, o zagueiro Rodrigo Caio, num jogo São Paulo e Corinthians, teve um belo gesto de fair play e foi execrado… Diante desta antítese entre falar e fazer, quais valores queremos que predominem em nosso Brasilzão? O primeiro passo para melhorar nossa condição seria olharmos para nós mesmos e encarar nosso black mirror: o que fizemos e fazemos de errado para construirmos esse ambiente tão promíscuo ao longo da História?

 

Que tal começar falando sobre ética?

 

André Vitor é mestre em Literatura e Vida Social na Unesp, professor de Literatura, Redação e Bateria. Em suma, cruza e corre na área para cabecear.

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